De
chinelos, ou mesmo descalço, governar dá sempre jeito, é o que é. E é no que
estamos, sem o vermelho da vergonha na cara, apenas piando, piando.
O Orçamento ou jogando a “quem
tem medo de eleições?”
O PS tem de ter consciência que a sua
contra-proposta é inaceitável para o Governo. O que querem então os
socialistas?
HELENA GARRIDO Colunista
OBSERVADOR, 01
out. 2024, 00:224Descobrir
Pedro Nuno Santos sabe que é
impossível Luís Montenegro aceitar a sua contra-proposta, apresentada
na sexta-feira dia 27 de setembro logo após a reunião com o primeiro-ministro. A duas
propostas de redução de impostos apresentadas pelo Governo contrapôs uma de
aumento de despesa e outra de redução da tributação com condições. Se no caso
da segunda o Governo tinha margem política para aceitar – e Hugo Soares chegou
a dizê-lo em Julho – no caso da segunda, a do IRS Jovem, por muito criticável que este seja,
estamos a falar de uma perspectiva oposta à do Governo, ao querer aumentar a
despesa pública com algumas escolhas até bastante discutíveis.
É verdade que quem está em minoria tem
de negociar. Foi assim que António Costa fez com a designada Geringonça. Mas
nunca saiu daquela que era a sua matriz, mesmo a negociar com partidos que numa
primeira fase exigiam a renegociação da dívida ou nacionalizações. Foram os partidos da oposição, o PCP e o
BE, que se aproximaram das posições do PS, com os socialistas a cederem aqui e
ali, mas sempre numa lógica de distribuir as margens orçamentais que se iam
gerando. Vemos hoje
como essa política demasiado inclinada para o aumento da despesa temporária,
com a distribuição de cheques, sacrificou o investimento público de manutenção.
Mas disso já muito falámos por aqui, esperando apenas que não se repita.
Foi
assim também quando Marcelo Rebelo de Sousa foi líder do PSD e António Guterres
era primeiro-ministro sem maioria. Não se percebe aliás porque não optou Pedro
Nuno Santos pelo modelo de Rebelo de Sousa na altura, em que viabilizou os
orçamentos sem que isso o impedisse de fazer oposição. E sem
andar a fazer negociações e a estabelecer “linhas vermelhas” na praça pública.
Já conhecíamos as “linhas vermelhas” de Pedro Nuno Santos. O que não
sabíamos é que eram mais do que fronteiras, eram uma oposição absoluta à estratégia
que o Governo tem. E isso ficou especialmente claro no caso do IRS Jovem,
quando substitui a perda de receita por aumento de despesa. Mas já lá vamos.
No IRC seria relativamente fácil
chegar a consenso. O próprio Governo,
em concertação social, está a profundar o modelo herdado do anterior executivo. Uma das propostas que fez, na reunião de
quarta-feira 25 de setembro, foi reforçar a majoração de 50% dos encargos com
aumentos salariais mínimos de 4,7%, passando o limite de quatro para cinco
vezes o salário mínimo, ainda que deixando cair a condição de não se alargar o
leque salarial.
O
que Pedro Nuno Santos propõe, exactamente para o mesmo tema, é uma majoração
superior, de 100% dos custos com aumentos salariais acima do previsto em
Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho. Como se vê, em matéria de condicionar a
redução do IRC aos aumentos salariais as posições estão muito próximas. E o
mesmo se podia dizer relativamente ao reforço do incentivo à capitalização das
empresas que o PS propõe.
Ou
seja, os socialistas estão abertos a reforçar os mecanismos que reduzem o IRC
para quem aumenta salários e capitaliza as suas empresas. Se existisse boa
vontade, sentavam-se à mesa e tentavam desenhar uma medida que alargasse os
beneficiários da descida de IRC, aproximando-se mais um do outro.
Essa
aproximação teria ainda a ganhar com o facto de existirem já números sobre um
desses incentivos: o do aumento salarial. De acordo com dados divulgados pelo Jornal de Negócios, com
informação das Finanças, o incentivo à valorização salarial chegou apenas a 513
empresas (menos de 0,1% das 562 mil
empresas que apresentaram declaração de IRC) e teve uma despesa fiscal de 6,7 milhões de euros, quando o
Governo de António Costa apontava 75 milhões de euros para mais de 500 mil
empresas. A falta de abertura para negociar é aqui ainda mais
absurda quando verificamos que uma dessas medidas de redução selectiva do IRC
se revelou muito pouco eficiente. Mas a ideia parece ser iluminar a
divisão e não olhar para as medidas, avaliá-las e verificar as que são melhores
para os objectivos.
Mas é no IRS Jovem que o PS fez questão de criar uma diferença, em
relação à AD, que em boa parte é artificial. Primeiro
porque existe já um IRS Jovem aprovado pelo Governo de António Costa, o que mostra
que os socialistas não estão assim tão afastados do modelo. Sim, a proposta da
AD eleva para um patamar mais elevado o IRS Jovem, num modelo com muitos
problemas como aqui já se analisou na semana passada. Mas o facto de o PS ter
aprovado um modelo semelhante poderia ter criado aqui margem para negociar e
até corrigir os excessos da proposta do Governo. Pedro Nuno Santos não quis.
Em segundo lugar é criada uma
diferença artificial porque a proposta de mais despesa pública não resolve um
dos problemas levantados por Pedro Nuno Santos em relação ao IRS Jovem: a
dificuldade em reverter a medida. Será mais fácil reverter, ou
seja, cortar a despesa que o PS propõe? Qual delas? A do aumento das pensões? A
dotação para aumentos salariais dos médicos que queiram a exclusividade? Ou o
investimento em habitação no montante de 500 milhões de euros por ano? O que o
PS propõe é um aumento de despesa que, com excepção do investimento em
habitação, seria impossível de reverter, tornando-se permanente, tudo aquilo
que não é recomendável num orçamento já de si com gastos difíceis de reduzir.
Em face disto é legitimo concluir que
Pedro Nuno Santos desenhou uma contra-proposta para não viabilizar o Orçamento
para 2025. As razões, quer se queira quer não, são políticas. O PS
está convencido que só consegue ser oposição e ganhar de novo eleições se
empurrar o PSD para o Chega. E pode até estar convencido que é melhor irmos de
novo a eleições
Miguel
Poiares Maduro na RTP e Paulo Portas na CNN identificaram o que estamos a viver
como o clássico jogo do prisioneiro, uma situação de informação imperfeita em
que o resultado acaba por ser o pior para todas as partes. Será seguramente o
pior para os portugueses se formos de novo para eleições, parando mais uma vez
o país, em pouco mais de seis meses, numa altura em que podíamos estar a
aproveitar as vantagens competitivas que o actual quadro político e económico
global nos oferece. Ou Pedro Nuno Santos pode estar a dar de bandeja ao
Chega a possibilidade de ser o adulto na sala, viabilizando o Orçamento, sendo
legítimo admitir que estamos perante mais uma tentativa dos socialistas de
esvaziarem o PSD através do partido de André Ventura.
Mais do que uma negociação sobre as
contas públicas de 2025 aquilo a que estamos lamentavelmente a assistir é ao
jogo de “quem tem medo de eleições?”. E se for assim, ninguém vai querer
mostrar medo.
ORÇAMENTO DO
ESTADO ECONOMIA PS POLÍTICA
COMENTÁRIOS (DE 4)
Tim do A: Pedro
Nuno Santos quer eleições antecipadas para ver se desta vez ganha e salva a sua
pele. Hoje em dia o país é o que menos interessa para os partidos do centrão. A
governação, desde António Costa, tornou-se num projecto pessoal. E não nacional.
F. Mendes: Claramente, a medida de redução do IRC
condicionada (a aumentos salariais) falhou, tendo tido efeitos irrisórios. Mas,
o que tem mais graça é o PS insistir numa redução de IRC que beneficia grandes
empresas! Sendo que os aumentos salariais acabam por ser tributados.
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