quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Radicalismos na praça

 

Não há que escapar. A menos que se seja firme. E honesto. E disso nem todos se podem gabar, claro, embora estes últimos honestos usem o seu celestial “deixai vir a mim” democrático e enfático, de mão no peito, mas vociferando no ardor empático. E o actual governo, sobretudo na pessoa do seu presidente, tenha adoptado uma atitude virtuosa, maneirinha e ambígua, de Tartufo pedante, esquecido de que os Tartufos são sempre desmascarados.

Imigração, wokismo e o centro temoroso

Declarações como as de Leitão Amaro e Carlos Moedas são positivas e devem ser elogiadas mas precisam de ser concretizadas em acções concretas e eficazes para que o centro recupere a sua vitalidade.

ANDRÉ AZEVEDO ALVES Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

OBSERVADOR, 09 out. 2024, 00:1735

A actualidade recente fica marcada por dois anúncios de destacadas figuras do PSD que visam sinalizar uma aparente viragem à direita em matéria de políticas de imigração. O Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, anunciou a criação de uma unidade especificamente dedicada ao controlo de fronteiras e expulsão de imigrantes em situação irregular, fazendo da deportação de imigrantes ilegais uma prioridade da acção governativa. Em entrevista ao Observador, António Leitão Amaro acusa mesmo o governo de António Costa de ter deixado um grave problema por resolver na imigração em Portugal.

Por seu lado, e na mesma linha, Carlos Moedas aproveitou o seu discurso nas cerimónias oficiais que assinalaram mais um 5 de Outubro para dirigir um alerta vincado sobre os problemas da imigração, frisando que Portugal não pode “aceitar uma política de portas escancaradas que conduz à desordem. Foi quanto bastou para, sem surpresa, os sectores mais radicais da esquerda criticarem duramente o Presidente da Câmara de Lisboa: o BE, por exemplo, acusou Carlos Moedas de ser um “pequeno Napoleão” enquanto o Livre associou o mesmo Moedas ao discurso da “extrema-direita” sobre imigração.

Se corresponderão ou não a mudanças efectivas nas políticas de imigração é uma questão que só no futuro terá resposta mas a verdade é que, fora da bolha da esquerda radical, tanto as posições expressas por António Leitão Amaro como por Carlos Moedas parecerão de elementar bom senso. Mas não é menos verdade que até muito recentemente poucos se atreveriam a enunciá-las publicamente na forma como foram agora apresentadas, em parte pelo risco de serem vistos como politicamente incorretos e acusados de serem de “extrema-direita”.

Algo mudou para possibilitar este tipo de discurso e essa mudança não veio do centro mas precisamente das margens, nomeadamente da pressão exercida nesta matéria pelo Chega e por movimentos mais ou menos orgânicos de protesto que se têm vindo a formar no âmbito da sociedade civil.

Janan Ganesh, num muito recomendável artigo publicado no Financial Times (“Can liberals be trusted with liberalism? If the woke movement is now fading, it wasn’t the sensible centre that beat it back”) assinala um fenómeno similar relativamente ao recuo do movimento woke. O wokismo parece finalmente — e felizmente — estar em perda, mas a resistência ao fenómeno não veio do centro temoroso mas sim de outras esferas. Como explica Ganesh:

“There is now some data to support the anecdotal impression that woke-ism at its most censorious peaked a few years ago. I wish those of us in the liberal centre could take a bow. But who led the resistance when it was hardest? Single-issue feminists. Rightwing free speech zealots. Political casuals with a radar for humbug.”

O tema do wokismo tem sido brilhantemente analisado entre nós por uma outra colunista do Observador – Patrícia Fernandes – e não tenciono neste espaço desenvolver uma análise aprofundada do tema. Mas importa assinalar que no wokismo – tal como na imigração – a resistência aos piores excessos de políticas orientadas pela esquerda radical no momento em que essa resistência era mais difícil e custosa não veio do centro temoroso mas sim de quem teve a coragem suficiente para não recear ser acusado de radicalismo por defender políticas de bom senso.

A verdade é que tanto os temas da imigração descontrolada como o do wokismo demonstram que o centro tem, infelizmente falhado, deixando caminho aberto à formação e crescimento de movimentos de direita radical como única alternativa de protesto e resistência. Como escrevi a propósito do resultado das recentes eleições na Turíngia e na Saxónia (“As eleições na Alemanha e o centro moribundo”):

“Não será certamente através de proclamações vazias das virtudes do centro político e de denúncias de papões de “extrema-direita” que o crescimento das novas forças populistas poderá ser travado. Especialmente quando essas denúncias têm frequentemente origem em figuras decrépitas e desacreditadas do regime que se agarram aos seus privilégios (frequentemente obtidos de forma ilegítima) ao mesmo tempo que pregam as virtudes da moderação, da sobriedade e da austeridade (para os outros).”

Declarações como as de António Leitão Amaro e Carlos Moedas são positivas e devem ser elogiadas mas precisam de ser concretizadas em acções concretas e eficazes para que o centro recupere a sua vitalidade. Enquanto os protagonistas do centro político continuarem reféns do politicamente correcto erigido pela esquerda radical e temorosos de serem acusados de ser de “extrema-direita”, o campo continuará aberto para que os movimentos de direita radical e populista cresçam. Só oferecendo respostas concretas e eficazes para os problemas reais das pessoas — e sem temor das estratégias de intimidação da esquerda radical — será possível travar esse crescimento

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COMENTÁRIOS (de 35)

observador censurado: "Enquanto os protagonistas do centro político continuarem ... Só oferecendo respostas concretas e eficazes para os problemas reais das pessoas — e sem temor das estratégias de intimidação da esquerda radical — será possível travar esse crescimento." Os quatro factos seguintes resumem as "respostas concretas e eficazes para os problemas reais das pessoas"  dos "protagonistas do centro político" nos últimos 50 anos: Facto 1: Nos últimos 50 anos, Portugal foi governado ou pelo Partido Socialista (PS) ou pela sua filial, Partido Socialista Dois (PSD). Facto 2: Nos últimos 50 anos, PS e PSD tiveram sempre a esmagadora maioria dos 230 deputados, cerca de 100 deputados cada. Facto 3: Há 38 anos, suecos e holandeses despejam, ininterruptamente, biliões de Euros em Portugal. Facto 4: Cerca de 50 por cento dos portugueses são pobres. O "centro político" criou um Estado fantasma para os contribuintes pagarem, constituído por centenas de entidades que não prestam qualquer serviço aos contribuintes. O Estado fantasma foi a forma que o "centro político" engendrou para enriquecer à custa dos contribuintes e perpectuar-se no poder, devido à distribuição de empregos no Estado fantasma. Após 50 anos, o autor vai continuar sentado à espera de "respostas"  do "centro político" ou vai pegar numa marreta e começar a demolir o Estado fantasma que o "centro político" criou?               João Floriano: Uma coisa é constatar o óbvio, outra coisa é concretizar os resultados dessa constatação.  Neste momento estamos na primeira fase: constatamos o óbvio mas ainda são muito tímidas as iniciativas para limpar o  wokismo da nossa  sociedade. A CS continua dominada por tristes figuras que defendem por vezes de forma ridícula o politicamente correcto, o mesmo acontecendo com os políticos. Visto à distância o facto de a ministra da Juventude aqui há semanas ter estado no centro da polémica das «pessoas que menstruam» parece agora cada vez mais ridículo. Mas prova-se que o wokismo está instalado nos gabinetes governamentais e assusta muita gente. As coisas chegam muito atrasadas a Portugal, como quando nas aldeias mais remotas, os jornais chegavam com uma semana de atraso. Há motivos para pensar que entre nós o wokismo ainda vai resistir. Mas certamente lá chegará o tempo em que se falará dos que agora o defendem como de quem há anos pertencia ao MRPP: velhas relíquias esquecidas na memória colectiva e alvo de anedotas. Mas até lá os estragos ainda vão ser muitos. O próximo golpe wokista vai ter  a ver com o prolongamento dos prazos  para o aborto a pedido. Espere-se até passar esta trapalhada absurda do orçamento e aí teremos as bloquistas e Isabel Moreira nos Primetimes a convencer-nos que os direitos das mulheres são o mais importante. Os direitos e os votos, porque os fetos não votam.                  João Floriano > Fernando ce: E pode dizer-nos quem é o centro-direita em Portugal neste momento? Parece-me que o espaço está vazio. O PSD é neste momento um partido de centro-esquerda e o CHEGA é de direita. Quem está no centro-direita?              Manuel Lisboa: A propósito: note-se o desplante das críticas da esquerda à Câmara Municipal de Lisboa por ter dado condições de vida mais adequadas e salubres a pessoas que viviam em tendas, há bastante tempo, num largo lisboeta. De repente, gente que vivia da denúncia da miséria ficou desempregada. Chocante o miserabilismo de socialistas, bloquistas, comunistas e outros. E, evidentemente, a imigração desordenada é perigosa. Insiste-se: os estados têm todo o direito de não querer toda a gente que pretenda, eventualmente, entrar nos respectivos territórios. A humanidade obriga respeito pelas pessoas, quer dos naturais quer dos imigrantes, implicando equilíbrio, leis, regulamentações claras e serviços eficientes a aplicá-las, tendo sempre presente que os imigrantes são pessoas, merecedoras de respeito.                 M Vicente: Nada como, finalmente, arrancar a construção da mesquita na Mouraria, bem no centro da praça e executada com dinheiro público -SEIS MILHÕES de eurinhos- para revitalizar ao centro de Lisboa! Força nisso de revitalizar a cidade, rumo ao Islão. E não deixa de ser irónico, mesmo "nas barbas" do castelo de S. Jorge.                António Fernandes: Esse partidos da extrema esquerda representam 694 mil votantes num universo de 6 milhões ... e QUEREM impor regras( para alimentar associações xulas do sistema comunó-esquerdalho fascistas).           bento guerra: A questão é a de que, se essas posições viessem do Chega, não faltaria o coro de papagaios, ditos jornalistas, a clamar contra o racismo e e xenofobia. A questão da imigração é central em toda a Europa, excepto na cabecinha da esquerda portuguesa

Meio Vazio: Curiosa posição, a deste croneiro. As mesmíssimas cautelas/alertas/reservas serão "sensatas", se vindas do centro, mas "extremistas", se sugeridas pela direita. Para ilustração de "ad hitlerum" nem está mal.

Carminda Damiao: As pessoas estão a ficar fartas do politicamente correto e do wokismo. Finalmente veio o partido Chega dar voz a essas pessoas e por isso o apelidaram de racista, xenófobo, etc. Finalmente estão a abrir os olhos e ver que esses problemas existem mesmo e já não dá mais para esconder. Na hora de votar é bom que as pessoas vejam de que lado está a razão. O partido Chega é um partido de direita e não de extrema-direita.

João Ramos: O wokismo é a prova provada da decadência e da falta de temas da extrema- esquerda que por estranho que pareça tem vindo a contaminar a esquerda moderada possivelmente pelas mesmas razões e também grande parte do chamado centro-direita que por complexos de esquerda e falta de coragem também têm vindo estupidamente a ceder nesse sentido, o resultado é como muito bem diz o articulista o crescimento de partidos mais à direita e com coragem para enfrentar essa decadência… o último parágrafo deste artigo é uma réstia de esperança, assim haja coragem e discernimento para o centro direita começar a actuar, tenho infelizmente dúvidas!!!               John Doe: A berraria da Esquerda Radical e das ONG's parasitárias do costume já era esperada e deve ser ignorada. Agora não basta apontar o caminho a seguir: é preciso começar a trilhá-lo, mesmo.              Maria Gomes: Infelizmente a IL, após a saída de Cotrim, meteu a pata na poça quando decidiu afirmar-se tão de esquerda como o BE em matéria de costumes. Desperdiçou uma oportunidade de mostrar que se pode ser liberal nos costumes e manter-se afastado do fanatismo e estatismo deste partido. Está a pagar caro a desconfiança que criou nos eleitores. Rui Rocha parece ter-se afastado desses delírios wokistas mas nunca fez mea culpa. O partido precisa de clarificar/corrigir a sua posição nessa matéria. O wokismo é uma ameaça que põe em causa a nossa cultura e o liberalismo.             Paulo Almeida > observador censurado: Pois claro. É uma utopia fazer-se crónicas sobre o péssimo estado do país e querer que sejam os mesmos que o estragaram a compô-lo. Quando não sabes, sai da frente e deixa os outros. Simples. E estas medidas do PSD é só para dar nas vistas e tentar ir buscar eleitorado ao Chega, começando a fazer o que deviam ter feito na imigração. Recordo que há vários meses houveram vários projetos-lei do Chega para conter a imigração. PSD não votou a favor de nenhum. Seguindo a mesma lógica do PCP. Se é do Chega vota contra.

Inclusivé o mais surreal foi o projecto-lei para limitar o nº de atestados de residência para uma casa. Chumbado.      Fernando ce: Muito bem. Ou o centro direita assume as bandeiras anti imigração descontrolada e do anti wokismo ou será tragado pela direita radical.               I G: Mérito ao André Ventura.             Antonio Bentes: Não concordo com este artigo. O que está a mudar na Europa é os Governos estarem mesmo a começar a ficar assustados com o descontrolo verificado  em muitos países, principalmente da Europa Ocidental. O escancarar de portas feito por Angela Merkel foi catastrófico. Lembro-me perfeitamente que Merkel, obrigou todos os países a receberem centenas de milhares ou mesmo milhões de emigrantes vindos da Síria e arredores. A Europa há já muito tempo estava a rebentar pelas costuras e depois de 2015 foi o que se viu. Violência, atentados diários, violações, recusa a aderir à civilização judaico/cristã, etc, etc. As populações começam agora a contestar e a estar realmente preocupadas. Até agora governos e comunicação social minimizaram as situações de violência. Mas já não dá para disfarçar. Assim, os governos finalmente estão a começar a tentar resolver alguma coisa. Assim, não concordo mesmo que as posições do Governo Português e de Moedas estejam de alguma forma ligadas a movimentos radicais como o Chega, mas sim porque realmente a Europa está em perigo. PS: ainda muito irá ser dito sobre a governação de Merkel. A sua ligação à Rússia, a sua falta de apoio à Ucrânia e esta história dos refugiados. Até agora apenas um silêncio sepulcral              Nuno Abreu: Só uma nota. Como pode o articulista esquecer o papel de João Pedro Marques no combate ao wokismo ao referir isto:  O tema do wokismo tem sido brilhantemente analisado entre nós por uma outra colunista do Observador – Patrícia Fernandes – e não tenciono neste espaço desenvolver uma análise aprofundada do tema.               Carlos Chaves: Caro André Azevedo Alves, receio que o problema da imigração descontrolada e de portas abertas que o “António Leitão Amaro acusa mesmo o governo de António Costa de ter deixado um grave problema por resolver na imigração em Portugal”, se tornou tão grave, que já não vai lá com paninhos quentes!  

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