segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Asco e peras


Neste nosso espaço lusíada, reduzido a confronto oral, com puros ataques directos malandros, a realçar “nobrezas pessoais em sentimentos”, reveladores, sim, de interesses próprios, os motivos “ocultos” bem “salientes” nas discussões da nossa ágora, não de interesse pátrio, mas ávidas de bolo próprio. Foi no que deu o interesse pátrio abrilino, nas temáticas destrutivas das deselegantes discussões partidárias dos nossos tempos calamitosos, quando, mais longe, alguns defendem corajosamente as suas pátrias contra inimigos alheios.

A mentira pega-se e o resto também

Todos vemos que estão a mentir e a alimentar um mero jogo de palavras, feitas puro palavreado. Mas ambos continuarão a alimentar um assunto que não existe. Não haverá adultos na sala do Chega e do PS?

JOSÉ RIBEIRO E CASTRO Advogado

OBSERVADOR, 14 out. 2024, 00:1812

Depois das últimas eleições de Março, uma das dúvidas que ficara era saber se o Chega, que elegeu 50 deputados, estaria à altura deste resultado e seria capaz de o consolidar. Para isso, dependeria apenas de si próprio, porque, na verdade, ninguém o desafiou ao que quer que se fosse.

A primeira prova foi rápida: a eleição do Presidente da Assembleia da República mostrou absoluta falta de vontade em jogar o jogo democrático com decência e sentido de Estado. Podia ter corrigido a rota, nos meses seguintes, mas escolheu não o fazer. As intervenções do líder, que marcam a pauta do partido, primam pelo exagero, pelo estrambólico, pelo desconchavo, pela gritaria e, quando necessário, pela mentira. Eu sei que a forma como o regime democrático se tem desprestigiado foi fazendo crescer um magote de pessoas ciosas de quem “parta a loiça”, “não tenha medo” e “as diga todas”. Mas até esses cidadãos, creio, começam a estar fartos do filme “Oficial e Trauliteiro”, em que o estilo berreiro- e-inconsequência consome meses, semanas e dias.

Ao votar demasiadas vezes significativas ao lado do PS – não escondendo que o faz para incomodar PSD e CDS – e ao escolher como inimigo principal o governo AD, o Chega tem conseguido a proeza de ter transformado em quase completa inutilidade o crédito de 50 deputados que o eleitorado lhe deu em 10 de Março. Nem é preciso ver as sondagens. Sente-se no ar. Cheira-se.

Também não é por causa de qualquer “cordão sanitário”. Quem se cerca a si próprio com cordão grosso é o líder do Chega e a sua actuação política em constante “enormismo”, extravagantíssimo método e sistemático desconcerto. Quem consegue acompanhar tamanha alucinação? Creio que ninguém – a começar por muitos membros da sua bancada parlamentar, quanto mais os parceiros que desejasse. Eu creio, aliás, que André Ventura não deseja propriamente ter parceiros. Deseja suplantar toda a gente e submetê-los. Ele quer ser sempre o número um, o único número um: é este o seu cordão sanitário.

A abordagem ao Orçamento de Estado pelo deputado André Ventura percorreu, desde o primeiro dia, um processo político completamente errático, sempre em montanha-russa. Nunca pode esquecer-se que arrancou com aquela ideia do referendo sobre a imigração. E, se a ideia em si já é de grande atrevimento, cruzar o referendo com o OE e a votação deste foi bater o record mundial do absurdo e da incongruência. A política é uma brincadeira, não há assuntos de Estado. Nunca se vira tal coisa em qualquer país.

Com o chão a fugir-lhe debaixo dos pés depois de tanta pirueta, o líder do Chega recorreu à mentira, para tentar ainda subir a parada. E inventou aquela mentira de o primeiro-ministro lhe ter proposto um acordo e o convidara para o governo. Montenegro desmentiu-o de forma pronta e peremptória. Aqui, André Ventura tem pouca sorte. Há alguns grandes mentirosos na vida portuguesa. Mas ele não é desses: quando mente, percebe-se logo, vê-se bem que está a mentir e até se percebe porquê e para quê. Por isso, a mentira não pegou, nem pega. Voltemos ao “cordão sanitário”: quem, depois disto, quererá conversa com André Ventura?

Valeu-lhe, porém, o socorro oportuno do seu partenaire de legislatura, o seu fiel compagnon de route: Pedro Nuno Santos. Foi o líder socialista, talvez também em desespero, que saiu a prestar assistência a Ventura, colocando-o ao mesmo nível de Montenegro: “Aquilo a que temos assistido nos últimos dias é preocupante, digo mais, é uma vergonha para a nossa democracia, com dois líderes partidários a acusarem-se mutuamente na praça pública de mentira.” E, logo a seguir: “Não sabemos quem mente, não vamos dirimir essa disputa.” Como já vimos tantas vezes, o Chega dá jeito a esta liderança do PS.  Não o quer perder. E, como a mentira é contagiosa, eis que se pegou a Pedro Nuno Santos.

Ventura mente ao dizer que Montenegro lhe propôs um acordo ou que o fez mesmo. Pedro Nuno mente ao dizer que tem dúvidas sobre se esse acordo existiu, ou não. Todos vemos que ambos estão a mentir e a alimentar um mero jogo de palavras, feitas puro palavreado. Mas ambos continuarão a alimentar um assunto que não existe. Não haverá adultos na sala do Chega e do PS? Seria boa ideia acabar com criancices, para irmos às coisas sérias.

É mau que, nesta legislatura, o Chega não conseguisse ascender à maturidade própria de um partido parlamentar com 50 deputados. É ainda pior que esta liderança do PS esteja a conduzir um partido histórico para o nível de irresponsabilidade do Chega.

ORÇAMENTO DO ESTADO      ECONOMIA      PS      POLÍTICA      PARTIDO CHEGA

 

COMENTÁRIOS (de 12):

José Alves: Caro Ribeiro e Castro tenho por si a consideração e o respeito que guardo aos homens bons, de recta intenção e de nobre carácter. Efectivamente leio e ouço as suas opiniões com especial atenção e normalmente concordo com elas ou reconheço-lhes elevação e recta intenção. No entanto nesta questão não estou de acordo com o meu caro pelas seguintes razões: - Obviamente que nenhum de nós que não assistiu às reuniões pode saber ou declarar com inteira certeza o que lá se passou. - Não tenho razões para considerar, como está na moda que André Ventura é mentiroso ou menos honesto do que qualquer outro líder partidário, com efeito André Ventura tem dito verdades incómodas (até para ele) enquanto o resto da classe política faz de conta que não vê o que se passa e assobia para o lado. - Não posso afirmar que Luís Montenegro está a faltar à verdade mas vejo-o a governar como António Costa, a distribuir o dinheiro dos contribuintes pelas diferentes clientelas e a comprar votos exactamente como fez Costa e Luís Montenegro na altura criticou e bem mas agora esqueceu-se do que afirmou o que não é de uma grande honestidade para não dizer mais. - Devo acrescentar o seguinte, se André Ventura quisesse uma carreira tranquila com acesso a cargos cada vez mais elevados tinha ficado no PSD e seguia uma carreira mais segura e tranquila. No entanto Ventura saiu do PSD e arriscou criar um partido do 0 com todos os riscos inerentes o que revela um homem de convicções e frontalidade. Nota 1: não estou a dizer que há homens Santos e sem mácula, homens são homens com qualidades e defeitos. Nota 2: é estranho terem sido necessárias 5 ou 6 reuniões (pelo menos uma com 2 horas) para dizer “não é não”. Cumprimentos.

RUÇO, CASCAIS h: Continuo sem perceber muito bem toda esta indignação. Estamos a falar de política, certo? 

 

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