quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Lições de Histórias



Histórias em que o prato forte é a questão económica. Por cá. E não só a “Breve Nota Económica” de Salles da Fonseca ou a questão da “Abolição das propinas na universidade”, de João Campos Espada o denunciam. No fundo, a questão do Brexit, e toda a história anglo-saxónica em torno da U E, que Teresa de Sousa tão bem relembra, tendo a ver com questões de “orgulho e preconceito” isolacionistas britânicos, são ou serão também causas economicamente assustadoras para ambos os lados, e por consequência, para nós também, a acrescentar aos argumentos das crónicas anteriores. Vamos esperando o fim do filme, enquanto a Terra for girando, e a descrença e o pessimismo trepando, trepando.
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  17.01.19
O QUE POR AÍ SE DIZ…
DIZ O INE QUE
De Janeiro a Novembro de 2018, a hotelaria registou 54,8 milhões de dormidas (-0,2%, variação homóloga acumulada, VHA) e 3431,4 milhões de euros de proveitos (+6,0% VHA)  
E O EUROSTAT DIZ QUE
Entre Janeiro e Novembro de 2018, Portugal registou um défice da Balança de Bens de 15,5 mil milhões de euros (13,0 mil milhões de euros no período homólogo). As exportações de bens aumentaram 4,9% neste período e as importações de bens aumentaram 7,9% neste período, face ao período homólogo.
E DIGO EU QUE
Se não fossem o Turismo e as cativações “centenárias”, já estaríamos de novo a «bater válvulas».
II - ENSINO SUPERIOR: O equívoco da abolição das propinas na universidade /premium
OBSERVADOR, 14/1/2019
A abolição das propinas implicaria a redução da esfera de receitas autónomas das universidades, que ficariam mais dependentes do Orçamento do Estado, logo na quase total dependência do poder político.
Deve ser felicitado o Ministro da Ciência pela sua recente (e errónea) proposta de futura abolição das propinas no ensino universitário. Com esta errónea proposta, ele conseguiu reanimar o debate político de qualidade entre nós — do qual, por razões que confesso não entender, a nossa praça pública tem andado tristemente arredada.
É mesmo difícil dar conta de todas as declarações e artigos entretanto vindos a público — em regra, tanto quanto pude observar, críticos da proposta de abolição das propinas. Entre os que li com interesse e proveito, encontra-se em primeiro lugar o de Mário Pinto, seguramente entre nós o mais destacado e persistente defensor da liberdade de educação, que escreveu aqui no Observador; os de Luís Campos e CunhaJosé Ferreira Gomes, e Ricardo Morgado, também aqui no Observador; no  Expresso, o artigo de Henrique Monteiro; e o de Jorge Miranda, no Público.
Basicamente — e espero que não de forma demasiado simplista — creio que os argumentos apresentados por aqueles autores podem ser entendidos em três esferas essenciais.
Em primeiro lugar, a esfera da justiça social. Se o ensino universitário passasse a ser gratuito, isso significaria que os impostos de todos os contribuintes, mais ricos e mais pobres, estariam a financiar um serviço que seria usufruído gratuitamente por muitos que têm condições para o pagar. Por outras palavras, os impostos de famílias menos abastadas, cujos filhos podem não conseguir aceder ou/e frequentar a universidade, estariam a servir para pagar a universidade frequentada pelos mais ricos. Por esta razão, o que faria sentido seria aumentar significativamente as Bolsas de Estudo para os alunos que precisam, em vez de simplesmente abolir as propinas.
Em segundo lugar, a esfera da eficiência. A abolição das propinas significaria a abolição do estímulo às universidades para concorrerem entre si e procurarem melhorar a qualidade do ensino para atraírem mais e melhores alunos. Mais uma vez, este argumento aconselharia o apoio directo aos alunos e não a abolição das propinas. Através de Bolsas de Estudo, ou mesmo através do chamado “voucher-ensino”— os alunos escolheriam a universidade e dessa forma estimulariam a concorrência entre elas. Esta concorrência seria ainda mais efectiva se o “voucher-ensino” abrangesse também as universidades não estatais.
Em terceiro lugar, a crucial esfera da autonomia da Universidade. A abolição das propinas significaria também a redução da esfera de receitas autónomas das universidades. Elas passariam a depender (ainda mais do que já dependem) das transferências do Orçamento do Estado, em vez da directa contribuição dos seus alunos. Por esta via, as universidades estatais ficariam na quase total dependência do poder político. E perderiam toda e qualquer informação — em parte fornecida pelas propinas dos alunos — acerca da sua relação com os alunos e com a qualidade do serviço que lhes devem prestar.
Estas três esferas de argumentação convergem eloquentemente na defesa do apoio directo aos alunos que precisam — e contrariam a ideia de financiamento estatal directo às universidades. Por outras palavras, aqueles argumentos não negam a possibilidade de intervenção de políticas públicas, onde e quando for considerado necessário. Sublinham que essas políticas públicas devem reconhecer e proteger a importância da concorrência, em vez de a destruir.
Esta é a questão crucial que está em causa. Não se trata de saber se o Estado pode ou não intervir no mercado. Trata-se de saber se essa intervenção visa proteger a possibilidade de escolha das pessoas ou se, em alternativa, visa simplesmente reforçar o controlo estatal sobre as escolhas das pessoas e da sociedade civil. Karl Popper resumiu esta questão fundamental na sua obra magistral de 1945,  “A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (publicada entre nós pelas Edições 70, em 2012):
“É nítido que a ideia de um mercado livre é paradoxal. Se o Estado não interfere, então poderão interferir outras organizações semi-políticas, como os monopólios, os trusts, os sindicatos, etc, reduzindo a liberdade a uma ficção. […] Em contrapartida, é extremamente importante compreender que, sem um mercado livre cuidadosamente protegido, o sistema económico no seu conjunto deixará de servir a sua única finalidade racional, ou seja, a satisfação das exigências do consumidor.”
III – ANÁLISE: A tempestade perfeita
O que há de dramático nesta crise profunda é a coincidência entre a versão eurocéptica dominante nos dois grandes partidos britânicos.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 17 de Janeiro de 2019
1. Com a votação de terça-feira no Parlamento britânico, o Reino Unido mergulhou ainda mais fundo numa crise de identidade para a qual só dificilmente se pode imaginar um fim que lhe devolva o estatuto europeu e internacional que ainda mantém. A pergunta recorrente é: como foi isto possível? A resposta talvez só possa ser encontrada em torno da palavra Europa e na rara coincidência temporal nos dois grandes partidos - Tory e Labour – de fortes correntes eurocépticas pouco disponíveis para apresentar uma alternativa clara a um abandono da União, cujo sentido político e estratégico se perdeu ao longo dos últimos dois anos.
2. Depois da II Guerra, perdido o Império e confrontado com um mundo bipolar definido pelo confronto entre duas superpotências, o Reino Unido passou as duas décadas seguintes a tentar encontrar o seu novo lugar no mundo, que deixara de ser na primeira fila - entre o estatuto de parceiro menor do novo Império Americano ou ser parte integrante de uma nova Europa democrática que iniciava o seu processo de integração.
Winston Churchill foi o primeiro a apontar esse caminho no seu discurso do Congresso da Haia, em 1948. Com uma particularidade: os “Estados Unidos da Europa” que defendeu seriam uma receita apenas continental. Churchill era um homem do Império que acreditava no destino particular dos povos anglo-saxónicos. E o seu país acabava de salvar a Europa de si própria pela segunda vez em trinta anos. A “relação especial” com os EUA marcou as décadas posteriores à guerra e nem a adesão tardia à então Comunidade Europeia (só concretizada em 1973) alguma vez a pôs em causa.
Margaret Thatcher, eleita em 1979, alimentou uma cultura de desconfiança de Bruxelas, mas nunca lhe passou pela cabeça abandonar a Comunidade. Queria modificá-la por dentro ao gosto britânico
Quando Tony Blair, o mais europeísta dos líderes britânicos, teve de escolher entre os dois lados do Atlântico, não hesitou, mesmo que o tivesse feito também “em nome da Europa”. O Labour, que refundou em 1994, teve de esperar pelo final dos anos 80 e sofrer três pesadas derrotas eleitorais para afastar da liderança a sua facção eurocéptica: contra a Europa, mas também, ao contrário dos conservadores, contra a aliança transatlântica.
3. Foram os tories, pela mão de Edward Heath (1965-75), que lideraram o processo de adesão à Comunidade. Foi o seu sucessor em Downing Street, o trabalhista Harold Wilson, quem colocou a adesão a referendo (1976) na tentativa de resolver a crise interna do Labour em torno da questão europeia. A adesão foi ratificada por uma ampla maioria.
Margaret Thatcher, eleita em 1979, alimentou uma cultura de desconfiança em relação a Bruxelas, mas nunca lhe passou pela cabeça abandonar a Comunidade. Queria modificá-la por dentro ao gosto britânico, acentuando a sua dimensão económica e rejeitando qualquer veleidade de integração política.
As suas “brigas” com Bruxelas ficaram famosas. Mas o seu célebre discurso de Bruges (1983) não tinha nada de antieuropeu. Foi já o seu sucessor, John Major, quem renovou o compromisso britânico com a construção europeia ao negociar o Tratado de Maastricht, o grande salto em frente que pretendia ser a resposta à implosão do comunismo e ao fim da ordem de Ialta e que incluía o euro.
Os trabalhistas continuaram por mais algum tempo manietados por um programa radical, anticapitalista, antimilitarista, antieuropeu e anti-NATO, defendendo o desarmamento unilateral, incluindo a capacidade nuclear britânica. Ontem, em Westminster, Michael Gove, membro do Governo de May, recordou impiedosamente, ponto por ponto, esta velha tradição do Labour da qual Jeremy Corbyn é o herdeiro, ainda que devidamente adaptada às novas circunstâncias de um partido onde prevalece uma forte corrente pró-europeia.
Só o corte radical operado por Tony Blair em 1994 abriu as portas do poder ao “novo” partido, resolvendo a questão a favor da Europa, quando se voltava a acentuar a clivagem entre os conservadores.O lugar do Reino Unido é no coração da Europa”, disse Blair
Entretanto, na oposição, os conservadores iam “enterrando” seus líderes, de eleição em eleição, remoendo a velha questão europeia sem lhe dar um rumo no qual os britânicos pudessem confiar. Sucederam William Hague, Ian Duncan Smith e Michael Howard.
David Cameron cortou com o passado, como Blair tinha cortado em 1994, oferecendo uma visão mais moderna da vida e do mundo e clarificando a questão europeia. Os conservadores regressam ao poder em 2010. A pertença à União nunca esteve em causa. Mas a tentativa de aplacar a revolta dos eurocépticos do seu partido, oferecendo-lhe o isco do referendo, acabou por ser a sua “morte”.
Ontem à porta de sua casa, quando se preparava para a corrida matinal, disse aos jornalistas: “Obviamente que lamento que tivéssemos perdido o referendo. Lamento-o profundamente. Liderei a campanha para ficarmos na União Europeia.” Theresa May, que lhe sucedeu com a missão de negociar a saída, acabou por incorrer no mesmo erro: ao querer aplacar a ala antieuropeia dos tories com as suas “linhas vermelhas”, acabou enredada nelas. E não aplacou ninguém, como se viu na terça-feira.
4. Para Jeremy Corbyn, aproxima-se a passos largos o momento da clarificação. A pressão para que defenda um novo referendo aumenta todos os dias. Novas eleições obrigá-lo-iam a clarificar o que faria de diferente. O que há, pois, de dramático nesta crise profunda é a coincidência entre a versão eurocéptica dominante nos dois grandes partidos. A condição para uma tempestade perfeita. Como disse Anna Soubry, conservadora pró-europeia, "a politica britânica vive na era dos extremismos". 


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