Histórias em que o prato forte
é a questão económica. Por cá. E não só a “Breve Nota Económica” de Salles da Fonseca ou a questão da “Abolição das propinas na universidade”, de João
Campos Espada o denunciam. No fundo, a questão do Brexit, e toda a história
anglo-saxónica em torno da U E, que Teresa de
Sousa tão bem relembra, tendo a ver com questões de “orgulho e preconceito” isolacionistas britânicos,
são ou serão também causas economicamente assustadoras para ambos os lados, e
por consequência, para nós também, a acrescentar aos argumentos das crónicas
anteriores. Vamos esperando o fim do filme, enquanto a Terra for girando, e a
descrença e o pessimismo trepando, trepando.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 17.01.19
O
QUE POR AÍ SE DIZ…
DIZ O INE QUE
De
Janeiro a Novembro de 2018, a hotelaria registou 54,8 milhões de dormidas
(-0,2%, variação homóloga acumulada, VHA) e 3431,4 milhões de euros de
proveitos (+6,0% VHA)
E O EUROSTAT DIZ QUE
Entre
Janeiro e Novembro de 2018, Portugal registou um défice da Balança de Bens de
15,5 mil milhões de euros (13,0 mil milhões de euros no período homólogo). As
exportações de bens aumentaram 4,9% neste período e as importações de bens
aumentaram 7,9% neste período, face ao período homólogo.
E DIGO EU QUE
Se não fossem o Turismo e as cativações “centenárias”, já
estaríamos de novo a «bater válvulas».
II - ENSINO SUPERIOR: O equívoco da abolição das
propinas na universidade /premium
OBSERVADOR, 14/1/2019
A
abolição das propinas implicaria a redução da esfera de receitas autónomas das
universidades, que ficariam mais dependentes do Orçamento do Estado, logo na
quase total dependência do poder político.
Deve
ser felicitado o Ministro da Ciência pela sua recente (e errónea) proposta de
futura abolição das propinas no ensino universitário. Com esta errónea
proposta, ele conseguiu reanimar o debate político de qualidade entre nós — do
qual, por razões que confesso não entender, a nossa praça pública tem andado
tristemente arredada.
É
mesmo difícil dar conta de todas as declarações e artigos entretanto vindos a
público — em regra, tanto quanto pude observar, críticos da proposta de
abolição das propinas. Entre os que li com interesse e proveito,
encontra-se em primeiro lugar o de Mário Pinto,
seguramente entre nós o mais destacado e persistente defensor da liberdade de
educação, que escreveu aqui no Observador;
os de Luís Campos
e Cunha, José Ferreira Gomes, e Ricardo
Morgado, também aqui no Observador; no
Expresso, o artigo de Henrique Monteiro; e o de Jorge Miranda, no Público.
Basicamente
— e espero que não de forma demasiado simplista — creio que os argumentos
apresentados por aqueles autores podem ser entendidos em três esferas
essenciais.
Em
primeiro lugar, a esfera
da justiça social. Se o ensino universitário passasse a ser
gratuito, isso significaria que os impostos de todos os contribuintes, mais
ricos e mais pobres, estariam a financiar um serviço que seria usufruído
gratuitamente por muitos que têm condições para o pagar. Por outras
palavras, os impostos de famílias menos abastadas, cujos filhos podem não
conseguir aceder ou/e frequentar a universidade, estariam a servir para pagar a
universidade frequentada pelos mais ricos. Por esta razão, o que faria
sentido seria aumentar significativamente as Bolsas de Estudo para os alunos
que precisam, em vez de simplesmente abolir as propinas.
Em
segundo lugar, a esfera da eficiência. A
abolição das propinas significaria a abolição do estímulo às universidades
para concorrerem entre si e procurarem melhorar a qualidade do ensino para
atraírem mais e melhores alunos. Mais uma vez, este argumento
aconselharia o apoio directo aos alunos e não a abolição das propinas.
Através de Bolsas de Estudo, ou mesmo através do chamado “voucher-ensino”— os
alunos escolheriam a universidade e dessa forma estimulariam a concorrência
entre elas. Esta concorrência seria ainda mais efectiva se o “voucher-ensino”
abrangesse também as universidades não estatais.
Em
terceiro lugar, a crucial esfera da autonomia da Universidade. A abolição das propinas significaria também a
redução da esfera de receitas autónomas das universidades. Elas passariam
a depender (ainda mais do que já dependem) das transferências do Orçamento do
Estado, em vez da directa contribuição dos seus alunos. Por esta via, as
universidades estatais ficariam na quase total dependência do poder político. E
perderiam toda e qualquer informação — em parte fornecida pelas propinas dos
alunos — acerca da sua relação com os alunos e com a qualidade do serviço que
lhes devem prestar.
Estas
três esferas de argumentação convergem eloquentemente na defesa do apoio
directo aos alunos que precisam — e contrariam a ideia de financiamento estatal
directo às universidades. Por outras palavras, aqueles argumentos não negam
a possibilidade de intervenção de políticas públicas, onde e quando for
considerado necessário. Sublinham que essas políticas públicas devem
reconhecer e proteger a importância da concorrência, em vez de a destruir.
Esta
é a questão crucial que está em causa. Não se trata de saber se o Estado
pode ou não intervir no mercado. Trata-se de saber se essa intervenção visa
proteger a possibilidade de escolha das pessoas ou se, em alternativa, visa
simplesmente reforçar o controlo estatal sobre as escolhas das pessoas e da
sociedade civil. Karl Popper resumiu esta questão fundamental na sua obra
magistral de 1945, “A Sociedade Aberta e os seus
Inimigos” (publicada entre nós pelas Edições 70, em 2012):
“É nítido que a ideia de um mercado
livre é paradoxal. Se o Estado não interfere, então poderão interferir outras
organizações semi-políticas, como os monopólios, os trusts, os sindicatos, etc,
reduzindo a liberdade a uma ficção. […] Em contrapartida, é extremamente
importante compreender que, sem um mercado livre
cuidadosamente protegido, o sistema económico no seu conjunto
deixará de servir a sua única finalidade racional, ou seja, a satisfação das
exigências do consumidor.”
III – ANÁLISE: A
tempestade perfeita
O que há de dramático nesta crise
profunda é a coincidência entre a versão eurocéptica dominante nos dois grandes
partidos britânicos.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 17 de
Janeiro de 2019
1. Com
a votação de terça-feira no Parlamento britânico, o Reino Unido mergulhou ainda
mais fundo numa crise de identidade para a qual só dificilmente se pode imaginar
um fim que lhe devolva o estatuto europeu e internacional que ainda mantém.
A pergunta recorrente é: como foi isto possível? A resposta talvez só
possa ser encontrada em torno da palavra Europa e na rara coincidência temporal
nos dois grandes partidos - Tory e Labour – de fortes correntes eurocépticas
pouco disponíveis para apresentar uma alternativa clara a um abandono da União,
cujo sentido político e estratégico se perdeu ao longo dos últimos dois anos.
2. Depois da II Guerra, perdido o Império e confrontado
com um mundo bipolar definido pelo confronto entre duas superpotências, o
Reino Unido passou as duas décadas seguintes a tentar encontrar o seu novo
lugar no mundo, que deixara de ser na primeira fila - entre o estatuto de
parceiro menor do novo Império Americano ou ser parte integrante de uma nova
Europa democrática que iniciava o seu processo de integração.
Winston
Churchill foi o
primeiro a apontar esse caminho no seu discurso do Congresso da Haia, em
1948. Com uma particularidade: os “Estados Unidos da Europa” que
defendeu seriam uma receita apenas continental. Churchill era um homem
do Império que acreditava no destino particular dos povos anglo-saxónicos.
E o seu país acabava de salvar a Europa de si própria pela segunda vez em
trinta anos. A “relação especial” com os EUA marcou as décadas posteriores à
guerra e nem a adesão tardia à então Comunidade Europeia (só concretizada em 1973)
alguma vez a pôs em causa.
Margaret
Thatcher, eleita em 1979, alimentou
uma cultura de desconfiança de Bruxelas, mas nunca lhe passou pela cabeça
abandonar a Comunidade. Queria modificá-la por dentro ao gosto britânico
Quando
Tony Blair, o mais europeísta dos
líderes britânicos, teve de
escolher entre os dois lados do Atlântico, não hesitou, mesmo que o tivesse feito
também “em nome da Europa”. O Labour, que refundou em 1994, teve de esperar
pelo final dos anos 80 e sofrer três pesadas derrotas eleitorais para afastar
da liderança a sua facção eurocéptica: contra a Europa, mas também, ao
contrário dos conservadores, contra a aliança transatlântica.
3. Foram
os tories, pela mão de Edward Heath
(1965-75), que lideraram o processo de adesão à Comunidade. Foi o seu
sucessor em Downing Street, o trabalhista Harold Wilson, quem colocou a adesão
a referendo (1976) na tentativa de resolver a crise interna do Labour em torno
da questão europeia. A adesão foi ratificada por uma ampla maioria.
Margaret
Thatcher, eleita em
1979, alimentou uma cultura de desconfiança em relação a Bruxelas, mas
nunca lhe passou pela cabeça abandonar a Comunidade. Queria modificá-la
por dentro ao gosto britânico, acentuando a sua dimensão económica e rejeitando
qualquer veleidade de integração política.
As
suas “brigas” com Bruxelas ficaram famosas. Mas o seu célebre discurso de Bruges (1983) não
tinha nada de antieuropeu. Foi já o seu sucessor, John Major, quem
renovou o compromisso britânico com a construção europeia ao negociar o Tratado de Maastricht, o grande salto em frente que pretendia ser a resposta
à implosão do comunismo e ao fim da ordem de Ialta e que incluía o euro.
Os
trabalhistas continuaram por mais algum tempo manietados por um programa
radical, anticapitalista, antimilitarista, antieuropeu e anti-NATO, defendendo
o desarmamento unilateral, incluindo a capacidade nuclear britânica. Ontem, em Westminster, Michael Gove,
membro do Governo de May, recordou impiedosamente, ponto por ponto, esta velha
tradição do Labour da qual Jeremy
Corbyn é o herdeiro, ainda
que devidamente adaptada às novas circunstâncias de um partido onde prevalece
uma forte corrente pró-europeia.
Só
o corte radical operado por Tony Blair em 1994 abriu as portas do poder ao
“novo” partido, resolvendo a questão a favor da Europa, quando se voltava a
acentuar a clivagem entre os conservadores. “O lugar do Reino Unido é no coração da Europa”,
disse Blair
Entretanto,
na oposição, os conservadores iam “enterrando” seus líderes, de eleição em
eleição, remoendo a velha questão europeia sem lhe dar um rumo no qual os
britânicos pudessem confiar. Sucederam William Hague, Ian Duncan Smith e
Michael Howard.
David Cameron cortou
com o passado, como
Blair tinha cortado em 1994, oferecendo uma visão mais moderna da vida e do
mundo e clarificando a questão europeia. Os
conservadores regressam ao poder em 2010. A pertença à União nunca esteve em
causa. Mas a tentativa de aplacar a revolta dos eurocépticos do seu partido,
oferecendo-lhe o isco do referendo, acabou por ser a sua “morte”.
Ontem
à porta de sua casa, quando se preparava para a corrida matinal, disse aos
jornalistas: “Obviamente
que lamento que tivéssemos
perdido o referendo. Lamento-o
profundamente. Liderei a campanha para ficarmos na União Europeia.” Theresa May,
que lhe sucedeu com a missão de negociar a saída, acabou por incorrer no mesmo
erro: ao querer aplacar a ala antieuropeia dos tories com
as suas “linhas vermelhas”, acabou enredada nelas. E não aplacou ninguém, como
se viu na terça-feira.
4.
Para Jeremy
Corbyn, aproxima-se a passos largos o
momento da clarificação. A pressão para que defenda um novo referendo
aumenta todos os dias. Novas eleições obrigá-lo-iam a clarificar o que faria de
diferente. O que há,
pois, de dramático nesta crise profunda é a coincidência entre a versão
eurocéptica dominante nos dois grandes partidos. A condição para uma tempestade
perfeita. Como disse Anna Soubry, conservadora pró-europeia, "a politica
britânica vive na era dos extremismos".
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