terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Quem te avisa…



… teu amigo é, diz o povo, já não o que lava no rio e talha com seu machado as tábuas do próprio caixão, segundo os ditames compassivos da nossa cantora imortal. Esse povo que compra agora no supermercado e provavelmente já usa electro-domésticos, porque a rede das energias hidro-eléctricas se distendeu à aldeia - que, para mais, perdeu o encanto e os ares saudáveis de quando esse povo trabalhava na courela - esse povo deveria estar mais atento aos que o esclarecem sobre os que vão pedalando e rodando nas esferas do poder, provavelmente destruindo mais e mais o que sobra do passado.
Os textos seguintes das Cartas ao Director e de Bagão Félix são elucidativos e assustadores. Mas o povo em geral vive entorpecido e grato – e não só ele - a uma união governativa que aparentemente o eleva na escala social, pesem embora os truques de prestidigitação governativa que tantos apontam, entre os quais os articulistas citados.
Deus se amerceie de nós, os tansos. A nossa gratidão a quem nos esclarece. Bagão Félix de várias formas e feitios. Magistralmente.

I - OPINIÃO: Cartas ao director
PÚBLICO, 15 de Dezembro de 2018
1: Os representantes do povo
JOSÉ AMARAL, V.N. GAIA
Os representantes do povo, grosso modo, distanciaram-se dele, tal como o diabo fugindo da cruz. Em nome de quem os colocou nas escadas do poder e decisão, começaram a exorbitar o que lhes foi outorgado, usando até esquemas ilícitos. Têm defendido demagogicamente, isso sim, o seu poder (tacho), chamando a si ilegais benesses, que nunca deveriam ter ou delas se apropriar.
É que as mais-valias conseguidas deveriam ser distribuídas por todos aqueles que os elegeu, sem excepção. Assim, tais representantes, como aqueles que são do contra ou oposição, recorrendo das fragilidades por si institucionalizadas e "legalmente" estabelecidas, têm desbaratado em proveito próprio o bem comum, aspergindo sobre a sociedade o ónus de todas as culpas e falcatruas.
Resumindo, os totalitários, cada vez mais atentos, vêem com bons olhos o que os pseudo democratas vão fazendo em seu proveito. Logo, com tais populismos extremados, os fascismos estão cada vez mais próximos de nós.
2: O PC chinês compra Portugal
EZEQUIEL NEVES, LISBOA
Imaginem que, no passado, o partido Nazi, através de empresas estatais tinha comprado a nossa rede eléctrica; a nossa Empresa de Distribuição de Electricidade; a nossa principal seguradora; hospitais, jornais e até a melhor área para construção na nossa capital... Hoje estaríamos a denunciar como traidores à Pátria os políticos que se tivessem prestado a tais operações e é muito compreensível.
Hoje, o PC Chinês, o partido mais opressivo do planeta, com aspirações de hegemonia planetária (tal como o partido Nazi no seu tempo) adquiriu exactamente esses activos e, os nossos políticos, do Presidente ao primeiro-ministro, passando pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, estão radiantes!
Quando falamos da China Tree Gorges ou da Fosun e outras empresas chinesas, não nos enganemos, estamos a falar de empresas estatais chinesas, estamos a falar do PC Chinês e, para quem se esqueça, o nosso  campo é o da Democracia e é aí que estão os nossos aliados; o campo do totalitarismo é o campo dos nossos adversários e isto nada tem a ver com a amizade entre o povo português e chinês.

II - OPINIÃO : De excesso em excesso até onde?
Isto não estará tão mal como a oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden.
ANtÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 14 de Dezembro de 2018
O excesso tem quase sempre como resposta o excesso. É o que se passa por cá entre o optimismo injustificado do poder e uma convergência sindical e laboral culminada num movimento grevista com uma magnitude, que nem no tempo da troika se havia visto.
Para o Governo, o país aparenta estar uma maravilha. Tudo está bem e mesmo qualquer coisinha que apareça timidamente de menos bom, ou é olimpicamente ignorada pelos governantes, capitaneados pelo mestre da arte de bem omitir ou disfarçar António Costa, ou desaparece do radar mediático, como que por milagre.
Há, evidentemente, aspectos que se reflectem na vida das pessoas que estão hoje significativamente melhor. Na taxa de desemprego que diminuiu para níveis de 2002 (ainda que, em parte, devido à redução da população activa), no aumento do rendimento disponível das famílias e na evolução do valor do salário mínimo (embora os valores salariais mínimos e médios líquidos se venham aproximando, na razão de 50,5% em 2008 para 58,5% em 2017), em alguma redução da taxa de pobreza, num assinalável superávite primário nas contas públicas, na reestruturação da nossa dívida pública por via do pagamento antecipado de empréstimos institucionais de custo elevado, e sua substituição por dívida bastante menos onerosa, no reforço das nossas exportações em bens e serviços (turismo).
Mas não nos iludamos. Continuamos impreparados para uma fase de abrandamento ou recessão económica. A boleia dos estabilizadores automáticos da economia, sobretudo medida pela receita fiscal, não dura sempre. Continuamos no círculo vicioso de mais impostos para mais despesa em vez de, duradouramente, ter menos (ou melhor) despesa para necessitar de menos impostos. O nosso crescimento económico está ainda longe do que seria desejável para uma maior convergência, com uma taxa que é a sétima mais baixa da União Europeia, e que, se excluirmos os países mais ricos, só a Grécia está atrás de nós. O PIB atingirá o que, em termos reais, se verificava há 10 anos. A produtividade aparente do trabalho continua a evoluir desfavoravelmente, o que, segundo o Banco de Portugal constitui um “factor de preocupação”. A dívida pública (embora bruta) tem continuado a subir em termos nominais, ainda que, face ao crescimento do PIB, o seu peso relativo tenha diminuído para valores ainda assim muito elevados (terceira maior dívida pública da UE em percentagem do Produto). A apreciável evolução das contas públicas é, em significativa parte, o resultado de factores cíclicos de ajustamento, da política de expansão monetária do BCE, que está prestes a reduzir-se, ou da insignificância do investimento público, que tem algum aumento para 2019, mas partindo de uma base baixíssima. O nível de pressão fiscal vem batendo recordes, sobretudo devido ao aumento de impostos indirectos socialmente regressivos. Por outro lado, a degradação de serviços públicos fundamentais é indesmentível.
Em suma, isto não estará tão mal como a oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden.
Se a esta atmosfera, juntarmos três pontos de natureza mais política conjuntural, temos o caldo de predisposição para um clima de reivindicação e confronto mais acesos. Refiro-me à  notória marcação partido-a-partido na coligação parlamentar que sustenta o governo, onde cada qual, depois de esgotada a popular reversão de medidas austeritárias, quer mostrar serviço-extra e anunciar “prebendas” de acordo com a sua matriz, à circunstância de haver eleições a prazo curto e, por fim, ao reacender de exigências de toda a sorte  dos grupos profissionais e forças sindicais com maior peso na opinião pública e mediática e com uma capacidade e pressão enormes por as suas greves afectarem mais os bens e serviços públicos essenciais.
Vivemos um tempo de greves sobre greves, umas encavalitadas noutras, uma espécie de “blokchain grevista”. A greve é cada vez mais um instrumento político que excede a sua génese e fundamento laboristas, que vem roçando o puro oportunismo.
Como regra, as greves concentram-se em bens e serviços de provisão pública, ou seja, financiados pelos que pagam impostos e, sobretudo, por quem não tem poder social, mediático e reivindicativo dos “profissionais de greve”.
De um dia para o outro, eis enfermeiros e outros profissionais da saúde, professores, funcionários judiciais, guardas prisionais, serviços de fronteiras, ferroviários, bombeiros, empresas de transportes, etc., etc., e até detentores de órgãos de soberania a escolher “boas datas” para fazer greves completas, parciais, miscelâneas, cirúrgicas (literalmente), em cadeia, às horas normais ou extraordinárias, marimbando-se para o comum dos cidadãos que, no discurso, juram proteger. O que se passa no Serviço Nacional de Saúde é por demais afrontoso e social e humanamente abjecto. O que se desenrola com os comboios é indigente. A Administração evidencia sinais alarmantes de penosidade e de desprestígio.
E, no entanto, ouvindo o PM no debate parlamentar, poderíamos concluir: tudo numa boa!

IPSIS VERBIS
CITAÇÃO I: “Tudo o que é excessivo é insignificante” (Julien Green, escritor, 1900-1998)
CITAÇÃO II:   Sê pessimista e age como optimista. E terás sempre razão.   (Vergílio Ferreira, 1916-96)
METÁFORA:  As vacas podem fazer greve: já existe o leite em pó!
OXÍMOROSfunerária da Boa-Hora tratou do funeral de Dona Perpétua
PLEONASMOStodos foram unânimes e excederam-se em muito
SINESTESIAroxo de fúriadirigiu-lhe uma palavra fria com luva branca e um sorriso amarelo
AMÁLGAMA NEOLÓGICA:  Grepública  (de greve + República)
 SCIENTIA AMABILIS
AZEVINHO (Ilex aquifolium, L.)
Mês de Natal, mês do azevinho. Planta arbustiva, de folhas persistentes e alternas, coriáceas e de bordo ondulado e espinhoso.  De crescimento lento e tempo de vida que pode atingir algumas centenas de anos, é espontânea em Portugal Continental. Muito procurada nas festas natalícias pela expressiva junção do verde-escuro da sua folhagem e o vermelho vivo dos seus frutos em forma de drupa. Estas bagas, bem como as folhas, resistem ao assédio das aves e de outros animais pela circunstância de serem tóxicas. Os frutos amadurecem entre o fim do Verão e primeiros dias do Outono e persistem brilhantes por ocasião do Natal. O seu nome científico Ilex foi adoptado pelo facto de, na Roma Clássica, ser esse o nome dado à azinheira, pela similitude da forma das suas folhas. Planta com passado paganista e desejada no Natal, bem quereria - se pudesse - nele passar despercebida. É que corre o risco de extinção face à sua procura por todo o lado. A partir de 1989, foi proibida a colheita, transporte e comercialização em Portugal Continental dos azevinhos espontâneos. O que hoje é adquirido no mercado é constituído por variedades e híbridos cultivados.

COMENTÁRIO:
RAQUEL AZULAY, 14.12.2018 : " É o que se passa por cá entre o optimismo injustificado do poder e uma convergência sindical e laboral culminada num movimento grevista com uma magnitude, que nem no tempo da troika se havia visto." Touché. é um prazer ler este Sr. sempre mordaz nas suas críticas. Um homem inteligentíssimo.

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