Refiro-me a mim, que gosto de saber, do “assi lhe vai?” espantado das nossas humanas
conquistas no campo da ciência – não, todavia, com o repúdio indignado do Fidalgo, do “Auto da Barca do Inferno” quando é avisado pelo Diabo que terá que embarcar na nau do
Inferno - porque é um “assi lhe vai?”
de puro êxtase, como leiga que sou, por esses avanços da ciência. Mas saí tosquiada,
com o arreganho inesperado dos comentadores,
contra Carlos Fiolhais, embora tivesse notado alguma sua inépcia de escrita
que atribuí ao mesmo entusiasmo que também sinto, com os avanços da Ciência.
Refiro-me, à partida, à frase “E aí está,
pontualmente, o futuro, com 2019 a suceder a 2018”, uma “lapalissade”
inesperada nesta “definição de futuro”, que logo me lembrou a definição de “tempo”
por António Gedeão, que o circunscreve ao “passado”, em “Tudo é foi”. Quanto a mim, que tenho acompanhado os sucessivos “presentes”
em que tudo vai sucedendo de cambulhada, ora mal, ora bem, no medo inútil do
futuro, que o presente, cada vez mais rápido de realização, parece precipitar
para um “buraco negro” assustador, sem passado, nem presente, nem futuro, mais
uma vez me aflijo com o “assi nos vai” de mediocridade, em todos os campos, até
mesmo neste, do campo científico, no nosso pobre país.
Era bom que contribuíssemos para o
desenvolvimento científico, sim, mas não vejo que esse aspecto fosse o mais
importante, servindo, quando muito à nossa presunção. Já tivemos um matemático –
Pedro Nunes – e uma passarola, além
dos Descobrimentos como contributos, e mesmo a primeira travessia aérea entre
Portugal e Brasil. Do que precisamos, sim, é de trabalhar num sentido de
produzirmos mais e distribuirmos mais equitativamente o dinheiro da produção.
Que cada um cumprisse, com o profissionalismo preciso. Mas, o certo é que
produzimos pouco e devemos muito. E fazemos greves que mais nos empobrecem.
Essas coisas de espantar, de conquistas
espaciais e outras, que as façam os países que têm esses poderes económicos. Primeiro
que tudo, sejamos bons cá dentro,
OPINIÃO
A Ciência em 2019
Efemérides notáveis, novos avanços científicos e duas preocupações à
entrada para o novo ano.
CARLOS FIOLHAIS
PÚBLICO, 29 de Dezembro de 2018
Einstein
disse um dia: “Nunca penso no futuro. Ele não tarda a chegar.” E aí está,
pontualmente, o futuro, com 2019 a suceder a 2018. Na ciência haverá efemérides
notáveis. A 29 de Maio fará cem anos que, na ilha do Príncipe, então uma
colónia portuguesa, foi observado um eclipse solar por uma equipa britânica
chefiada por Arthur Eddington que permitiu comprovar a teoria da relatividade
geral, publicada por Einstein quatro anos antes. O Diário de Notícias titulou
poeticamente: “A luz pesa.” Com efeito, as fotos do eclipse mostravam
que os raios de luz vindos de estrelas por detrás do Sol se curvavam ao
passar perto deste. Passado um século, acumulámos muitas outras provas de
que aquela teoria descreve bem a força da gravidade universal. Em 2017 o
Nobel da Física foi para os físicos do observatório LIGO, que detectaram pela
primeira vez as ondas gravitacionais provenientes de choques de buracos
negros, que tinham sido previstas. Até agora foram registados dez
eventos desse tipo e outros decerto se seguirão. O LIGO voltará a operar
no início de 2019 e estão em construção vários observatórios similares, que
ouvirão mais “sons” cósmicos.
Outra
efeméride espacial será celebrada a 20 de Julho: os 50 anos dos primeiros
passos do homem na Lua, dados pelo norte-americano Neil Armstrong,
comandante da Apollo 11. Como Eugene Cernan,
astronauta da Apollo 17, foi,
em 1972, o último homem na Lua, o nosso satélite permaneceu sem presença humana
durante quase meio século. E não vai tê-la tão cedo. Talvez em 2030, uma vez que existem projectos da
Rússia, do Japão e da China (aposto que ganha a China!). À Lua continuarão
a chegar missões não tripuladas, como a chinesa Chang’e 4, que pousará pela
primeira vez no lado escuro da Lua a 3 de Janeiro. Está em aberto uma
competição para a chegada da primeira missão privada à Lua, que se deve
concretizar em 2019, tal como o primeiro voo espacial privado em órbita
terrestre. Marte, onde chegou recentemente a missão robótica Insightda NASA para recolher
dados sísmicos, continua a ser um sonho adiado. A NASA tem planos para 2033,
mas são vagos.
2019
será, por decisão da ONU, o Ano Internacional da Tabela Periódica, para
comemorar os 150 anos da proposta de ordenação dos elementos que foi feita pelo
russo Dmitri Mendeleev em S. Petersburgo.
Uma conferência realizar-se-á nessa cidade a 26 de Julho, sob os auspícios da União
Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), que celebrará cem anos num
congresso em Paris uns dias antes. Em 1869 havia 63 elementos conhecidos,
hoje há 118, que compõem toda a matéria conhecida na Terra e no espaço. Há
ainda a matéria escura, que ninguém sabe o que é, tal como ninguém sabe o que é
a energia escura, uma força antigravitacional que se exerce a distâncias
cósmicas.
Em
2019 haverá novos avanços na genética (por um lado, está mais perto a
meta dos 100 dólares para a sequenciação completa do genoma humano e,
por outro, a técnica CRISP oferece possibilidades inauditas de edição
genómica) e na inteligência artificial (os algoritmos que já governam a
nossa vida continuarão a crescer e a multiplicar-se, provocando lentamente uma
disrupção social). As preocupações éticas, que excedem largamente a ciência,
são prementes nessas áreas, exigindo a nossa maior atenção.
Em
Portugal, espera-se que seja concluída a avaliação das unidades de
investigação e desenvolvimento (I&D) que está em curso, emendando a
vergonhosa avaliação anterior. E espera-se que haja financiamento
decente. A seu favor o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, Manuel Heitor, tem o bom encaminhamento da questão do emprego
científico. Contra si tem o crescimento apenas incipiente do sistema científico
nacional. Os dados de 2017 indicam que só 1,3% do PIB foi aplicado em
I&D (dos quais cerca de metade no sector privado), o que está abaixo do
pico de 2009 (1,6%) e da média da União Europeia (2,1%). A convergência com
a Europa é um imperativo. António Costa declarou em 2017 que a meta para 2020
era 2,7% do PIB, mas, se não houver um esforço enorme nos próximos dois anos,
tal meta não será atingida. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT),
com um aumento de 11% em relação ao ano passado, vai ter o segundo maior
orçamento de sempre, mas insuficiente para o objectivo pretendido. A FCT
apoiará em 2019 a criação da Agência Espacial Portuguesa, que estimulará
esforços privados para o lançamento de microssatélites na ilha de S. Maria, nos
Açores. É uma boa ideia para levantar Portugal.
Termino
com duas preocupações. Em primeiro lugar, precisamos de mais e melhor
cultura científica. José Mariano Gago percebeu que a ciência tinha de
ter apoio social e por isso criou a Agência Ciência Viva. Mas esta instituição,
florescente no início, tem estado sem a necessária dinâmica. Por exemplo, não
está ainda definido nem o comissário nem o programa nacional do Ano
Internacional da Tabela Periódica. E, para dar outro exemplo, são
escassos os contributos que tem dado à discussão pública sobre novas questões
éticas emergentes, como as que vêm da genética e da inteligência artificial.
Já nem falo na falta de resposta aos inimigos da ciência, que incluem
políticos ignorantes (e há-os no Parlamento português) e terapeutas
alternativos (que pululam, com permissão legal). Desejo que a Ciência Viva
se torne mais viva.
A
outra preocupação diz respeito à Universidade de Coimbra, onde trabalho, que
vai escolher um novo reitor em Fevereiro. O mandato do actual frustrou as
melhores expectativas, designadamente com a queda progressiva na produção
científica em relação às outras universidades. Nos últimos cinco anos, a
razão do número de publicações por investigador a tempo inteiro dá um modesto 6.º
lugar a Coimbra, com 2,7 (em primeiro está Aveiro, com 4,4,
seguindo-se o Porto, com 3,6, e a Nova, com 3,5). Coimbra também
não tem nenhum highly cited researcher nos
últimos dez anos. O próximo reitor tem, neste como noutros sectores (o Museu
da Ciência é uma “pérola” abandonada), de fazer mais e melhor. Desejo
que a Universidade de Coimbra acorde.
COMENTÁRIOS
R Figueiredo Jacinto, Lisboa 08.01.2019 : À
minha velha Tabela Periódica ainda de apenas 103 elementos e reduzida ao
formato "cartão de visita", junto uma régua de cálculo do tempo em
que ainda não havia calculadoras electrónicas e mais umas quantas peças que
fizeram parte das minha ferramentas. A menção ao Museu da Ciência traz-me à
memória o saudoso Professor Mário Silva, aquele que foi assistente do
casal Curie e que foi mandado despedir por Salazar. Foi de Mário Silva e
Fernando Pulido Valente a ideia da criação do Museu da Ciência. Éramos os três
trabalhadores da mesma empresa, e o Museu Da Ciência fazia parte obrigatória
das longas conversas no Nicola. Mas a seguir ao período de homens que serviram
a Ciência, veio o dos homens que se serviram da Ciência, e o museu não dava
para "comissões".
Joao Manuel, 29.12.2018: Foi má a
avaliação anterior? Pelo facto do seu centro ter uma classificação baixa? Houve
exactamente as mesmas queixas para o concurso de emprego individual deste
ano... Falta tanta imparcialidade neste comentário e nesta postura alinhada com
os tempos...
Abel Moreira, 29.12.2018 : Pois, "falta de resposta aos inimigos
da ciência", seria cómico se não fosse trágico... Isso, continue preso à
sua narrativa delirante e a ver os comboios a passar...
pintman, 29.12.2018: Uma demonstração de como os "cientistas"
(que não é bem o caso!) são tão enviezados como o comum dos mortais, ou como os
"políticos ignorantes" e terapeutas alternativos. Então a avaliação
anterior foi vergonhosa? Porque classificou este senhor como medíocre? A
vergonha devia ser deste senhor, que não se consegue ver ao espelho. Depois de
todos os gritos contra o governo anterior, acha que este MCT tem sido melhor
para a ciência. Vive noutra realidade, "subsidiada" pelo Pingo
Doce...O pior cego é o que não quer ver! E a Universidade de Coimbra está a vir
por aí abaixo? Culpa do reitor? Com "lentes" como o Fiolhais, não
há-de a UC estar na cauda. Aquilo é só endogamia e provincianismo. E ainda quer
vir dar lições sobre ciência... Enquanto o Fiolhais por aqui andar é o pior sinal.
Para amenizar:
O poema de António Gedeão: ( in “Movimento Perpétuo”, 1956)
Tudo é foi
Fecho os olhos por instantes.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.
Já outro ar me rodeia;
outros lábios o respiram;
outros aléns se tingiram
de outro Sol que os incendeia.
outros lábios o respiram;
outros aléns se tingiram
de outro Sol que os incendeia.
Outras árvores se floriram;
outro vento as despenteia;
outras ondas invadiram
outros recantos de areia.
Momento, tempo esgotado,
fluidez sem transparência.
Presença, espectro da ausência,
cadáver desenterrado.
Combustão perene e fria
Corpo que a arder arrefece.
Incandescência sombria.
Tudo é foi. Nada acontece.
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