O
b a ba! Era o método tradicional,
sintético-analítico, de aprendizagem da leitura, que depois virou em global. Como
os sentimentos. Também viraram. Sentimentos globais, à escala mundial, vistosa
e tagarela, sofisticada, snobe, falsa como Judas. Ou pior, que não leva ao
enforcamento. Helena Matos explica. Magistralmente.
POLITICAMENTE
CORRECTO: Os sem palavras /premium
Nada
é dito directamente: os trabalhadores são colaboradores e os deficientes
pessoas portadoras de deficiência. Somos os perifrásticos. E o PSD enquanto
"não esquerda" é a perífrase por excelência.
Primeiro
os velhos tornaram-se idosos. E um dia, não se consegue já precisar qual, os
cegos passaram a invisuais e o morrer tornou-se partir.
O
chumbo ou reprovação transformou-se em retenção.
Os
gordos passaram a obesos.
Os
trabalhadores deram lugar aos colaboradores. Os despedidos a dispensados.
Depois
do incêndio no Pinhal de Leiria, António Costa plantou simbolicamente um
sobreiro no terreno ardido do que fora pinhal. Um ano depois, todos os
sobreiros plantados no Pinhal de Leiria morreram. E mesmo que algum tivesse sobrevivido nunca atingiria
uma dimensão considerável pois os solos arenosos do Pinhal de Leiria não o
permitiriam. Tudo não passou portanto de uma operação para jornalista ver. Outrora
isto seria considerado populismo. Agora é designado como habilidade.
O
sexo passou a género.
Os
maridos e mulheres deram lugar ao assexuado cônjuge, ou, como recomenda a União Europeia, a parceiro/parceira.
Os
homens e mulheres são agora indistintamente pessoas.
Os
homossexuais tornaram-se gays.
Mas
eis que se constatou que tal exercício de busca de sinónimos não era
suficiente. Foi aí que chegaram as perífrases ou seja esse bizarro falar por
rodeios. E assim os idosos que já não eram velhos passaram a terceira idade. As
prostitutas tornaram-se trabalhadoras do sexo.
Os
invisuais a quem já não se podia chamar cegos deram lugar às pessoas portadoras
de deficiência.
Catarina
Martins diz que “um
segredo bem escondido é que Portugal dá lucro. O excedente primário do OE será
de 6 mil milhões de euros mas, devido ao serviço da dívida, mais de 8 mil
milhões serão canalizados para o sistema financeiro.” A sério que
Catarina Martins acha que podemos deixar de pagar a dívida? E depois, quem
nos empresta dinheiro? Outrora, uma afirmação deste teor era designada
como sintoma de burrice, de má fé ou de ambas as coisas. Agora
tornou-se a expressão de uma necessidade conjuntural de produção de um discurso
de apoio ao governo enquanto se mantém uma atitude crítica e combativa face ao
mesmo.
As
empresas deixaram de falir e passaram a estar em reestruturação de serviços.
Os
trabalhadores despedidos que entretanto tinham passado a colaboradores
dispensados começaram a ser designados como elementos cuja colaboração cessou.
As coisas mais simples passaram a ter de
ser referidas por sequências de palavras frequentemente sem sentido. As categorias profissionais tornaram-se
uma espécie de cabides em que se acumulam palavras como quem pendura casacos:
as hospedeiras deram lugar às assistentes de bordo e as funcionárias das
escolas tornaram-se auxiliares de acção educativa.
Marcelo
ligou em directo para o programa da Cristina Ferreira. Marcelo era a favor das
propinas mas agora é contra, Marcelo grava mensagem sobre Roberto Leal para
programa da RTP. Marcelo aprovou as 35 horas na função pública mas ia avaliar o
seu impacto. O impacto já chegou mas Marcelo não o avaliou ainda. Marcelo
responde às críticas de Manuel Luís Goucha sobre a sua participação no
programa de Cristina Ferreira, recordando ao apresentador a entrevista que já
lhe deu… Antigamente a isto chamava-se palhaçada e degradação da função
presidencial. Agora são afectos.
Neste
zelo de uma linguagem livre dos pecados do machismo, racismo, homofobia… as
expressões aplaudidas num determinado momento logo se revelam desadequadas. E
assim, os velhos depois de terem sido idosos e terceira idade tornaram-se
seniores.
Os
pretos que tinham passado a negros e em seguida a pessoas de cor são agora
referidos como africanos. E para não ser acusado de discriminação de género o
“Ladies and gentlemen” passou a “Hello, everyone”.
Tornámo-nos uma sociedade em que nada
é dito directamente. Falamos por rodeios. Somos os perifrásticos. Agarramo-nos a expressões neutras como sinal da nossa
tolerância; por todo o país empresas e organismos oficiais produzem
documentação recomendando que se recorra à linguagem neutra para
“promover a igualdade entre homens e mulheres” (Porque serão homens e mulheres mais iguais caso usemos, como recomenda esta publicaçâo, a expressão “o
povo português” em vez de “os portugueses”, “a gerência” em vez de “o gerente”
ou que digamos que temos “data de nascimento” em vez de sermos “nascidos a” é
um mistério)
Compomos
frases enormes para não termos de dizer o óbvio. Recorremos ao eufemismo para
mascarar a realidade. Temos medo das palavras. Usamo-las com mil cuidados não
vão elas revelar o que de facto pensamos e não a forma como devemos ver o
mundo.
E
que símbolo melhor temos destes tempos de perífrase do que esse PSD
enquanto partido de “não esquerda” que também “não quer o rótulo da
direita”? Um partido que opta definir-se não pelo que é mas sim pelo que não é,
não só não existe ideologicamente falando, como abdica de ter outra proposta
para a governação que não seja a de fazer, no seu dizer melhorzinho, aquilo que
os outros – os donos das palavras – defendem sem eufemismos nem
perífrases.
Em política e na vida a gramática
conta. E a erradicação da perífrase é um programa político urgente.
COMENTÁRIOS:
Tiago Manso: Genial! Obrigado.
Rita Salgado: Genial HM!! junto
mais uma sugestão: os marginais que andam a arrumar carros na rua passam a ser
TEUS - Técnicos de Estacionamento Urbano
manel buiça: Crónica admirável sobre alguns dos significados e real
substância ideológico-politica desta novilingua, parida nestes dementes tempos
de açucaradas, moles e cobardes resignacões.
Paulo Monteiro: Os Lares da
Terceira Idade passaram a ser designados ERPI - Estrutura Residencial Para
Idosos.
Jorge Martins: Como sempre, certeira a pôr a descoberto o ridículo da
farsa linguística a que chamam politicamente correcto.
Maria José Melo: Concordo plenamente! Vivemos cheios de MEDO... para não
“chocar” A, B, C... Y... Z, usamos metáforas, eufemismos... ai, o
politicamente correcto, os direitos das minorias!!! Que hipocrisia! Já agora,
um “update”: os funcionários (e funcionárias, claro...) das escolas agora são
denominados “ Assistentes operacionais “. Não sei o que é que eles operam, que
operações é que existem na Escola... Isto é estapafúrdio!
José Ramos: "On ne prend les mots qu'avec des gants: à 'menstruel'
on préfère 'périodique'"
Em
1956, data de "Poète... vos papiers!", de Léo Ferré, já começava a
ser assim, mas não imaginávamos as loucuras totalitário-lexicais que por aí
viriam. Nem, em Portugal, sonhávamos que vivíamos então numa libertinagem de
linguagem salazarista, pese embora o peso das botas do homem. Deram-me para ler
O Primo Basílio aos 13 anos. Soube, neste mesmo jornal, que censuraram três
versos à Ode Triunfal.
Liberal Impenitente >José Ramos: Mas não é delicioso que o chumbo de um aluno tenha
passado a ser uma "retenção"?! Note-se que esse é um processo suave,
nada de exageros! Primeiro o aluno passou a ser reprovado, mas como isso era
demasiado violento para o mundo edulcorado dos burguesinhos, aparece então o
providencial "retido"! Que insondáveis capacidades deve ter um
cérebro que propõe a "retenção" do aluno! Como ele deve ficar feliz
ao ser retido, em vez de chumbar! Dantes tinha que dizer à família e aos amigos
que tinha chumbado, e todos (?) compreendiam a sua infelicidade. Mas agora, ao
dizer que foi retido, é duvidoso que possa sequer recolher alguma empatia. É
assim como ser retido no tráfego, uma minudência... E prontos, acabou-se o
trauma da criança, e cada vez ela estará mais apta a enfrentar a sua vida de facilidades
e felicidades futuras. Tal como o seu país, que já não faz bancarrotas, faz
pedidos de assistência internacional.
Eurico Monteiro: Saborosíssimo! Com uma riqueza de exemplos muito
oportunos e significativos, em seus conceitos escolhidos a dedo, o artigo tem
sabor de uma caldeirada bem feita, rica de tempero genuíno, para arrumar de vez
com essa gente que teima em ser dogmatícamente políticos correctos. As evasivas
os vazios a que se remetem hoje os que falam e escrevem na mídia faz lembrar
pinturas que o sol de tal maneira queimou que perderam o colorido. Tem-se mais
ou menos ideia da cor primitiva, mas às vezes duvidamos e, com tudo, esbatido,
ficamos sem interesse pelo que dizem, escrevem ou agem. E a seta para o PSD
veio a calhar como a mão na luva. É o partido programado para ser descolorido,
nem rosa, nem vermelho, muito antes pelo contrário cinzentinho, cheio de meio
de ser qualquer coisa que preste. Acho que faz parte da peça, para o PS ganhar.
Tudo combinadinho. Parabéns, D. Helena. Sempre faço o possível para lhe dar
ânimo, pois a senhora não tem nada de descolorida. Tem mesmo sangue na guelra.
Rui
Kissol: GEORGE ORWELL :
~ "O grande inimigo da
linguagem clara é a insinceridade." ~ "Enxergar o que está na frente
do nariz exige um esforço constante" ~ "Cada geração imagina a si
própria como mais inteligente do que aquela que passou antes dela e mais sábia
do que a que vem após ela." ~ “A linguagem política dissimula para fazer
as mentiras soarem verdadeiras e para dar aparência consistente ao puro
vento.” • "George Orwell certa vez disse que algumas ideias
são tão insensatas que somente um intelectual poderia acreditar nelas.",
Thomas Sowell.
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