Os comentadores da crónica de Rui Tavares, põem o dedo na ferida, apontando o que
se pode considerar de “ingenuidade” de Rui Tavares, na sua tentativa utópica de advertir
contra a “diarreia” imparável que leva a Humanidade continuamente à próxima
guerra. O certo é que se vive permanentemente em guerra, o longo comentário de José Manuel Martins
- julgo que o
correspondente a «professor
Universitário na Universidade de Évora», (segundo a informação mediática) -
de grande qualidade informativa, embora faseada, aponta bem, com apoio
filosófico e ironia de mistura, a dimensão de tal ingenuidade ou utopia,
comprovada pelos outros dois comentadores, igualmente cépticos na questão anti
belicista. Realmente, basta reportarmo-nos aos primórdios da Bíblia, para
sabermos que a guerra começou logo a partir de um simples direito de
primogenitura entre os filhos de Adão e Eva, e nunca mais escapámos, o próprio
Jeová se encarregando de distribuir os castigos e as benesses, segundo
narrativas de frequente violência, e maior ou menor dimensão trágica, que a
Bíblia fornece, sendo que da História verdadeira do Homem, nem se fala, os
castelos permanecendo ainda como testemunhos da violência e ambição que regeram
o Homem do passado, as pinturas ou as fotos os testemunhos do presente próximo
e actual. Além dos campos de concentração, embora hoje transformados, que nos
cobrem de horror. Guerra ao nível mundial, só as do século passado, porque nos
vitimou a nós, cidadãos de um mundo de valores e de máximas que nos dizem
respeito, como ocidentais evoluídos. Mas hoje em dia abstemo-nos de contar das
monstruosidades que cobrem o mundo inteiro, só nos interessando o que nos pode
cair em cima, civilizados que somos, a merecer o escape destinado aos eleitos.
Realmente, o mundo inteiro vive em guerra, e cruéis são as suas manifestações,
cujas referências não nos são poupadas, nem mesmo na literatura. Mas por
enquanto vamos escapando a um envolvimento geral. Rui Tavares refere-se, é
certo, a uma guerra de dimensão universal, que leve à destruição da própria Terra. Com efeito, vivemos
no terror do fim, pela sorte dos nossos descendentes, e de tudo o que de bom
existe, sob o céu azul, o que justifica a tentativa angustiosa de Rui Tavares,
de apelo à sensatez dos homens.
OPINIÃO: Eles não eram mais estúpidos do que nós
Temos de viver balizados por aquilo a
que chamaram “optimismo trágico”: extrair sentido do pior do nosso passado para
irmos a tempo de salvar o futuro.
O
filósofo brasileiro Roberto Mangabeira Unger tem uma expressão de que gosto
muito: diz ele que na actual situação em que a humanidade se encontra é
necessário “termos a imaginação do pós-guerra, antes de haver guerra”.
Quer
ele com isso relembrar que momentos como o do pós-II Guerra Mundial trouxeram
consigo um grande furor criativo: nos meros cinco anos que passaram depois
do fim da II.ª Guerra Mundial nasceram as Nações
Unidas como organização política
internacional (as Nações Unidas já eram, antes, a aliança militar que venceu a
guerra); foi redigida e proclamada a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ainda que apenas como
documento moral; nasceram convenções regionais de direitos humanos,
essas sim com tribunais próprios e mecanismos de implementação (a
Inter-americana, primeiro, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, depois);
no nosso continente nasceu o Conselho da Europa e a Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço, que viria a ser a União Europeia.
Como
é evidente, se fôssemos agora tentar reinventar tudo isto, os compromissos a
que os nossos políticos actuais chegariam ficariam certamente muito aquém
daqueles que foram logrados no final dos anos 1940. A destruição que a
guerra trouxera aguçara as mentes; todos sabiam aquilo que estava em jogo;
todos aliás, temiam uma nova Guerra Mundial nos dez anos seguintes ou assim (e
tiveram-na, mas em modo Guerra Fria).
Por
isso aquela geração de homens e mulheres já bastante velhos — Eleanor
Roosevelt, Churchill, Adenauer, Monnet, PC Chang, Charles Malik —, no
fundo os sobreviventes da I e da II guerras mundiais, correu como louca para cumprir com
o máximo possível dos sonhos de paz perpétua
que desde os filósofos do Renascimento e do Iluminismo tinham sido sonhados.
Pelo fracasso pagar-se-ia um preço altíssimo; em consequência, não se
podia fracassar.
A
segunda parte da frase de Mangabeira Unger diz-nos que hoje é preciso ter aquele
tipo de imaginação audaz que normalmente só aparece depois das guerras, sim
— mas que é preciso tê-la antes de haver guerra. Porque os
edifícios dos direitos humanos e do sistema internacional precisam de ser
reparados ou mesmo refundados, e adaptados à época das alterações climáticas,
da inteligência artificial, e da financeirização globalizada. Mas também porque não nos podemos
dar ao luxo de arriscar uma guerra. Aliás, é difícil imaginar sequer o que
seria uma guerra de todos contra todos no atual estado tecnológico da
humanidade. Aí está a razão suprema para não a arriscarmos.
A
pergunta decisiva é: se a imaginação criativa de que demos provas depois da
guerra só existe depois da guerra, será sequer possível convocá-la para um
momento em que as imaginações não estão aguçadas, mas confusas, em que as
vontades não estão unidas, mas dispersas, em que o sentido de progresso moral
da humanidade não é intenso, mas difuso? Ou estará para lá das nossas
capacidades ter a imaginação do pós-guerra não só depois da guerra, mas ainda
antes, talvez para evitar a guerra?
Essa é uma daquelas perguntas, diria
Kant, que não é para responder adivinhando. É para responder fazendo. Se
desistirmos, estaremos a condenar o nosso futuro. Se persistirmos, estaremos
talvez a salvar-nos.
Há
exactamente cem anos, no dia 18
de janeiro de 1919, umas quantas centenas de homens chegaram a Paris para negociar
a paz após a I Guerra Mundial
(sim, eram só homens; uma Liga Internacional de Mulheres reuniu-se
separadamente a partir de maio de 1919 em Zurique). Vinham investidos da
tal imaginação do pós-guerra de que fala Mangabeira Unger. Inventaram a
Sociedade das Nações, reorganizaram a Europa e o Médio Oriente segundo o
princípio da autodeterminação e estabeleceram as bases de onde viriam a nascer
uma série de tratados e convenções importantes nos domínios do direito da
guerra ou da protecção de refugiados. Não foi coisa pouca. Mas aquilo em que
falharam foi mais do que aquilo em que acertaram.
Os
homens da Conferência de Paris não estavam só investidos da tal imaginação
criadora; estavam dominados também — talvez mais ainda — pelo
espírito da cupidez e da vingança. A
França queria vingar-se da Alemanha e impor-lhe as condições de paz mais
punitivas possível. Na Grã-Bretanha prometia-se também “espremer a Alemanha
como um limão, até guinchar”. Os EUA quiseram a Sociedade das Nações, mas nunca
lá puseram os pés.
Os mandatos internacionais criados
para espartilhar as colónias dos impérios derrotados mais não eram do que o
velho colonialismo com um novo nome. O nacionalismo elevado a princípio
organizativo foi aplicado ao sabor das conveniências — e, de qualquer forma,
não tinha como ser aplicado consistentemente em regiões onde todas as
nacionalidades estavam misturadas e onde muita gente não se tinha dedicado a
pensar-se “nacionalmente”. Alguns tiveram direito a uma nacionalidade. Outros
— os curdos, os arménios — foram traídos. Passadas duas décadas, o
mundo estava de novo em guerra. Houve imaginação, mas não chegou. Foi por isso
que o falhanço dos homens de há cem anos inspirou os homens e mulheres de há
setenta a não arriscarem falhar.
Hoje
arriscamos de novo falhar. E quando penso nisso vem-me sempre à memória a frase
do meu professor António Hespanha: “Eles não eram mais estúpidos do que
nós.” Ou seja, podemos falhar onde eles falharam. Por outro lado, nós somos tão
espertos como aqueles que acertaram. Temos de viver baptizados por aquilo
a que chamaram “optimismo trágico”: extrair sentido do pior do nosso passado
para irmos a tempo de salvar o futuro.
COMENTÁRIOS:
José Manuel Martins, évora 19.01.2019
06:19: entre a cenoura e o chicote
exactamente, é onde o diabo escolhe situar-se. Sim, um pessimismo de
sobrevivência (é a minha maneira de ver meio vazia a meia-garrafa do 'optimismo
trágico'), que ensina, com Nietzsche, que 'as coisas boas foram um dia
coisas más', e que o motor secreto da paz perpétua é, perpetuamente - a
guerra. Si vis pacem para bellum é ainda outra maneira de inventar
retrospectivamente esta pólvora pífia e de formular o mesmíssimo raciocínio:
pensa na guerra e, depois, inventa a paz q se lhe seguiria, se guerra houvera:
lógica da vacina (lembram-se das altas esperanças de Kissinger numa
revolução cunhalista-soviética na ponta da europa ocidental, para dar o
exemplo?). Deus e o céu têm o seu ‘tremendum’ na espada de Dâmocles, o
inferno: e, a paz, na guerra, suspensa agora
José Manuel Martins, évora 19.01.2019
06:20: (2)
directamente na cabeça da imaginação política desate ‘filósofo’ (?) brasileiro.
Sartre, aproximadamente o idiota histórico-político mais inteligente de
sempre, deveria ter atentado no citado Nietzsche, na suspeição freudiana, no
gene egoísta: o bem é apenas a esquiva ou a máscara do mal, com o qual efectua
uma troca vantajosa. O génio da ontologia fenomenológica converteu-se à
patranha revolucionária porque observou que os homens ‘se revelavam’
colectivamente de uma abnegação altruísta quase santificada… ali, ali mesmo –
nos campos alemães de prisioneiros de guerra! Tirando que poderia extrair
p. ex. dos Sonderkommandos de campos bem outros a conclusão oposta – homo
homini lupus –, não
reparou que esse humanismo postiço de pacotilha supunha precisamente… o campo
de concentração.
José Manuel Martins, évora 19.01.2019
06:30: (3) Confundiu a cenoura com o chicote,
como o diabo gosta. Imaginou que podia ter o bem menos o mal, esse mal que
todos os dias a todo o derredor do primeiro o acarinhava, cuidava, regava,
fertilizava, encorajava e inspirava, manu militari. Não percebeu que a bondade humana requer
desesperadamente o mal (por isso se deu tão bem com o totalitarismo soviético,
do qual ia receber ordens de coronéis a Moscovo), ou ainda, no dito
popular, ‘se queres aprender a rezar, entra no mar’ (o ‘filósofo’
brasileiro confia que basta imaginar entrar: era como a mim me bastar imaginar
a Cicciolina, é o bastas). Por isso a imaginação política do tiririca
brasileiro pertence à mesma genealogia do blablá ornamental: pelo contrário, só
se pode imaginar o pós-guerra com metade da família morta há menos de três
José Manuel Martins, évora 19.01.2019 06:31: (4) anos. O resto é História: tempo
ficcional inofensivo. É um bocadinho como o argumento ontológico:
demonstra a existência de deus como raciocínio – e nada mais do que como
raciocínio. O raciocínio é ao mesmo tempo absolutamente correcto e correcto
apenas como, em absoluto, raciocínio. E é por isso que podemos imaginar, com
Sartre, a sociedade perfeita, com o padre, o reino dos céus, com santo Anselmo,
que deus não pode não existir, com Kant, que a tempestade sublime nos
aniquilaria se ao menos conseguisse chegar a molhar-nos a biqueira dos sapatos,
com o brasileiro, que estamos no pós-guerra, devastados, a tentar reconstruir o
mundo, e que não precisamos de nenhuma guerra efectiva (nem de nenhum deus
existente, nem dos campos de concentração, etc.) para o imaginar.
José Manuel Martins, évora 19.01.2019
07:15: (5) Pobre tavares, ainda não viu
quantas vezes e em quantas variantes categoriais e qualitativas o mesmo erro
estúpido e constitutivo do Sísifo obstinado já foi repetido desde o cro-magnon
até hoje pelos salvadores. São Hitler foi o padroeiro de monet e adenauer,
e as bombas atómicas americanas, explodidas, e as russas, prometidas, essas
velas acesas, ajudaram imenso à ladainha infernal das boas intenções da
‘geração de 45’ (Loach), realizadas com afinco a fingir que até eram mesmo
verdade – e, dizem alguns espíritos insalubres, tudo isso graças também ainda
ao último fôlego do assalto imperialista às reservas laborais e materiais do
terceiro mundo. De maneira que estes minigolfes ‘de opinião’ levam onde a
doxa sempre levou: à beatitude alienada. Tentemos não sermos mais estúpidos do
q nós
Raquel Azulay, 18.01.2019 21:41: Roosevelt, Churchill, Adenauer, De Gaulle,
ben-gurion, golda meir, yitzhak rabin são alguns dos meus preferidos (líderes
eleitos, porque a Rainha-Mom era grande Senhora, tal como Elizabeth IIl. Sabia,
por ex, que ela, Rainha Mom, recusou-se a abandonar Buckingham enquanto Londres
estava a ser bombardeada. É preciso coragem! Aparentemente disse: eu não
abandono o meu povo! mas devo confessar que tenho um fraquinho por FDR e pelo
Winston, ambos doentes, o Winston com o seu "black dog" (depressão) e
o FDR com a sua paralisia. Bons amigos, até ao fim. Sonhos de paz perpétua?????
Depois da Segunda, começou logo a Guerra Fria, q de fria nada teve. Depois da
Fria,....ó Rui, seja realista, a história do homem confunde-se com a
história da guerra....estamos e sempre estivemos em guerra.
Manuel Caetano, Faro 18.01.2019 09:10:
Em síntese: quando a necessidade e a
criatividade dão as mãos os milagres e os prodígios acontecem. Sabemos que individualmente, como comunidade ou
como espécie somos capazes do pior... e do melhor. Sabemos também que
não existe (nem nunca existirá) ideologia ou ideal que nos proteja do lado
negro da condição humana (de nós mesmos), como a História (a dos vencedores e a
dos vencidos) evidencia. Somos fruto das circunstâncias e da necessidade (como
o próprio Universo e tudo o que nele existe) mas somos, também, "animais
que sonham" e temos essa capacidade maravilhosa da compaixão que faz de
Nós seres únicos. Enquanto assim for nada estará irremediavelmente perdido e
tudo será possível.
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