sábado, 5 de janeiro de 2019

Telenovela em vários andamentos



Renovação, parece-me ser um título apropriado a uma possível alteração de um status quo cediço, alteração extraordinariamente forjada aquando de uma entrevista, num canal da nossa praça – TVI - feita por Manuel Luís Goucha a um pretendente a um novo partido político - NOS – cujo programador – Mário Machado – mostrou, ao que parece, uma atitude descontraída e livre em defesa dos seus princípios – “fascistas” – segundo designação que dantes muito se ouviu, nestas paragens da “ocidental praia lusitana”. É claro que os que ouviram o programa logo protestaram, como Rui Tavares ou João André Costa. Do primeiro, apenas cito a epígrafe colocada no seu texto, transcrevo o texto – repugnante na concepção unilateral – do segundo, e mais alguns dados da ocorrência. Apreciei a defesa de Luís Goucha, como a dos comentadores do texto de J.A.Costa.
Impecável na ousadia de uma liberdade crítica superior, todo o texto de Alberto Gonçalves e a sua Nota de Rodapé, referente ao caso focado acerca de Mário Machado: uma lição de isenção e de humor que convinha respeitar, porque nos poderia elevar - espiritualmente, ao menos.

NOTAS PRÉVIAS: (
NOS: o novo partido político que Mário Machado quer criar
Os tempos de reclusão serviram a Mário Machado para (quase) se licenciar em Direito e para tomar uma nova decisão: seguir um percurso político. E foi na prisão que o nacionalista pensou nos moldes e no nome do partido que quer criar: Nova Ordem Social (NOS). Segundo o próprio,  o símbolo do partido – uma seta em frentesignifica que não está posicionado “à esquerda ou à direita”.
“Nós não somos nem de esquerda nem de direita. Somos uma espécie de terceira via alternativa”, afirmou ao Observador Mário Machado, que quer distanciar-se do Partido Nacional Renovador (PNR), o qual apoiou enquanto líder do movimento de extrema-direita Frente Nacional. “O PNR abandonou o nacionalismo, a nossa perspectiva ideológica, e seguiu uma linha de direita patriótica. É uma extrema-direita”, acrescentou, durante a última saída precária da prisão de Alcoentre.
Mais maduro e já sem a ideia “ganguesterizada” do movimento nacionalista, segundo afirmou, o fundador da Portugal Hammerskins espera sair em liberdade condicional, em Outubro, com as 7500 assinaturas exigidas para oficializar o partido. “Comecei a organizar o partido na prisão porque faltava aos meus camaradas alguma capacidade de organização. Havia muitas famílias nacionalistas desavindas umas com as outras e comecei a ser uma espécie de apaziguador”. Apesar de satisfeito por ainda ter quem o siga, reconhece que está preso por crimes de “delito comum”, como sequestro, roubo e coação, o que significa um trabalho adicional na opinião pública.
O primeiro encontro do futuro partido aconteceu na sua última saída precária, num hotel na zona de Peniche, e reuniu cerca de 50 pessoas, entre elas representantes dos partidos nacionalistas grego, Aurora Dourada, e alemão, NPD. “A data de 26 de Abril foi escolhida de propósito. Queremos mostrar que há pessoas que não celebram o golpe, nem a traição. Custa-me muito festejar Abril quando a minha família foi espoliada de uma terra que foi nossa durante 500 anos”, referiu.
Mário Machado defende que a descolonização devia “ter sido feita gradualmente” e considera que “o marcelismo iria gradualmente abrir as portas à democracia e à liberdade de expressão”. Confrontado com a expressão que os partidos de Direita estão a ter na Europa, Mário Machado não se surpreende e aponta o dedo às políticas socialistas. “Acredito que os portugueses não são menos patriotas nem nacionalistas que os outros. Contra natura é continuar a achar que temos que dar habitação gratuita a pessoas que nem sequer falam a nossa língua, enquanto os nossos jovens têm que emigrar. Ou que temos que pagar a nossa casa em 40 anos e, no fim, pagamos duas ou três casas”.
E deu o exemplo do crescimento do partido grego, Aurora Dourada, que em plena crise económica cresceu de uma expressão de “0,2% para 14%”. Mário Machado acredita que o NOS vai estar pronto para marcar presença nas próximas legislativas. E com direito a sentar-se no parlamento. Tem como estandartes a justiça e a segurança, o controlo de políticas de imigração e uma União Europeia descentralizada da Europa. “Que sentido faz abrir as portas à imigração quando vêm trabalhar e estão a tirar postos de emprego aos portugueses? Temos de fazer uma Europa forte, unida e coesa, mas os países têm que conservar a sua identidade histórica”.

I - OPINIÃO
Destruam a democracia e depois queixem-se
Como pode a TVI eximir-se de responsabilidade moral ao apresentar um criminoso racista como alguém que vale a pena ouvir sobre se precisamos de um novo ditador em Portugal? (…)
RUI TAVARES,    PÚBLICO, 4 de Janeiro de 2019
II – INFORMAÇÃO
1 - Ministro da Defesa compara TVI a incendiários:
O ministro da Defesa afirmou esta sexta-feira que o convite da TVI ao líder de extrema-direita, condenado por crimes de ódio racial, é perigoso nos "tempos complexos" que vivemos. TVI não vai comentar.
 e  , 4 de Janeiro de 2019: João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, afirmou esta sexta-feira que o convite feito pelo programa Você Na TV da TVI a Mário Machado, condenado por crimes de ódio racial, “não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”. 
2 - Manuel Luís Goucha: “Não branqueio ditaduras nem ditadores, mas o politicamente correcto é perigoso”
O apresentador do programa «Você na TV» revela que não decidiu a presença de Mário Machado. Quem o fez foi o autor da rubrica. Goucha defende, no entanto, que esta é "uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia".       4 de Janeiro de 2019,
III – OPINIÃO: Não, não precisamos de um novo Salazar
Ficamos desde já a saber de que lado está a TVI, não necessariamente da democracia, mas de quem toma hoje posse no Brasil e, quem sabe, amanhã em Portugal.
JOÃO ANDRÉ COSTA. É professor e criou o blogue
PÚBLICO,   4 de Janeiro de 2019,
Não precisamos nem de um novo nem de um velho Salazar e de certeza não precisamos de tempo de antena a quem veicula a necessidade de uma nova ditadura.
Na semana em que Bolsonaro tomou posse, não acredito em coincidências e preocupa-me que a TVI passivamente aceite a presença de Mário Machado nos seus estúdios.
Na mesma semana em que se celebram 40 anos da fuga de Álvaro Cunhal da Cadeia do Forte de Peniche, porque não um programa dedicado à liberdade e à história da ditadura e de todos os que lutaram contra a mesma?
Saberá Manuel Luís Goucha da incompatibilidade entre ditadura e liberdade? Ter-se-á Manuel Luís Goucha esquecido de como o Estado Novo punia com prisão, internamentos em manicómios e trabalhos forçados — sem esquecer os tratamentos com choques eléctricos e os espancamentos gratuitos — quem era apenas diferente?
Os mesmos espancamentos e torturas destinados a quem não concordasse com o Estado Novo e o regime Salazarista, onde ninguém podia confiar em ninguém, onde à mesa não se falava de política com medo dos filhos, dos pais, dos vizinhos, não fosse um bufo ou um PIDE andar à espreita.
E o que dizer das prisões indiscriminadas, dos julgamentos sempre adiados e cujo fim era só um, a prisão por tempo indeterminado no Tarrafal, em Peniche, no Aljube, entre tantas outras prisões para os réus e os advogados que tivessem a coragem de os defender, assim era a justiça, nem por isso cega, e descaradamente parcial?
O povo, ignorantemente pobre, subjugado à fome, trabalhava miseravelmente em prol dos grandes proprietários, ou então fugia a pé para França, um milhão ao todo, fugindo não só da fome mas também da guerra colonial responsável pela perda de toda uma geração além-mar a troco de nada, a troco de sofrimento e sangue.
Quatro décadas de ditadura ainda bem presentes na nossa memória, mas nem por isso na memória de quem promove a presença de Mário Machado nos ecrãs de televisão.
Ficamos desde já a saber de que lado está a TVI, não necessariamente da democracia, mas de quem toma hoje posse no Brasil e, quem sabe, amanhã em Portugal.
Einstein dizia existirem apenas duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana, para em seguida acrescentar não ter a certeza sobre a primeira. A ignorância, meus caros, é mesmo o maior de todos os males. Restam-nos os braços e as vozes, mas também o voto, sempre o voto, ainda o voto.
COMENTÁRIOS
AndradeQB, Porto : O autor do artigo seguramente que, como eu, já terá ouvido entrevistar na TVI defensores de regimes comunistas e de sanguinários ditadores comunistas. Como é que perante isso, o professor pode concluir seja o que for sobre o que a TVI é ou quer? Não pode deduzir nada, mas a sua ideologia e má-fé levam-no a assumir o que lhe convém. Só que isto de "assumir" é pouco dignificante da função de professor. Ele que procure lá em Inglaterra saber como se decompõe a palavra "assume", e verá a figura que está a fazer.
Sum Legend:  Portugal não precisa de um novo Salazar, precisa sim de governantes decentes, honestos, que assumam as suas responsabilidades, coisa que, está mais que visto, não temos. O autor deste artigo fala no "milhão" que emigrou durante os anos de ditadura... Convido-o a esclarecer-nos quantos emigraram depois de Abril de 1974 até aos nossos dias. O autor fala nas cadeias, convido-o a esclarecer quantos presos políticos houve, quantos morreram devido a isso e compare a quantos morreram devido a cativações e displicência do sistema Estado nos recentes incêndios fatídicos. Compreendo e respeito que partilhe a sua opinião de desagrado, mas agradecia que partilhasse todos os factos e números, não apenas os que lhe convêm. Obrigado.

2019 é quando, e se, um homem quiser /premium
OBSERVADOR, 5/1/19
O importante é rompermos com as representações que o “sistema” nos atribui e assumirmos a essência do que realmente nos representa. E eu, ao invés do que o Estado presume, não me sinto contribuinte.
Perguntaram-me a razão de não ter feito uma crónica sobre o ano que passou, ou sobre o ano que agora começa. A resposta é simples: não mudei de ano no dia 1 de Janeiro de 2019, e pressupor o contrário é uma prepotência que colide com as minhas convicções e, francamente, me ofende. O calendário gregoriano é apenas um instrumento opressor da Igreja Católica Romana, para cúmulo imposto por um Papa que não era sorridente e socialista como o actual. Há resmas de calendários, religiosos ou civis. Os judeus já vão em 5779, os muçulmanos ainda estão em 1440, os persas em 1397, os budistas em 2563, os hindus em 5197, os coptas em 1735, os franceses saudosos da fraternidade e da guilhotina em 227, os chineses em porco (ou galo, ou centopeia – não percebi bem) e por aí fora.
Pessoalmente, considero-me ofendido por todas as imposições acima, pelo que invoco o direito de seguir um calendário próprio. Não é um calendário numérico, nem sequer zoológico. Para simplificar, digamos que me encontro a meio do ano ∂ (lê-se “di-di”, porque decidi assim e eu é que sei da minha vida), e que, daqui a 127 meses dos meus, ou aproximadamente duas horas no sistema métrico, entrarei com festa rija, embora um tanto solitária, no ano ¥ (lê-se “ioiô”). Chega de obedecer a decretos cujos fundamentos me escapam e cujos efeitos desprezam as minhas necessidades e carências, aptidões e valências. É muito bonito garantir o respeito pela identidade sexual e tal, mas falta respeitar as dezenas, talvez centenas, de identidades que nos definem enquanto indivíduos e indivíduas.
Em 2018 e na meia dúzia de anos anteriores (convenção vossa), vimos pessoas recusarem o “binarismo” de género para adoptar a fluidez do mesmo ou uma cena que lhes apeteceu. Vimos pessoas recusarem as restrições do casamento enquanto união de dois, ou cinco, ou quarenta e um, seres humanos para desposarem o cão, o periquito, a namorada do Mickey ou um processador da Intel. Vimos pessoas recusarem a etnia que Deus lhes deu para encarnar a que melhor se adaptava à sua emotividade. Vimos pessoas recusarem a idade cronológica para reivindicar o reconhecimento da sua idade espiritual. Vimos pessoas recusarem a História escrita por caucasianos perversos para acolher as histórias orais de tribos perdidas em gabinetes de sociologia. Vimos pessoas recusarem as fronteiras para trespassar a tirânica “legalidade” e desaguar na casa do eng. Guterres. Vimos pessoas recusarem ser pessoas para viver a existência de pássaros, riachos ou torradeiras. Espera-se que, em 2019 (convenção vossa), estas heróicas excepções constituam a regra.
No processo de emancipação das grilhetas dos “factos” e da “verdade”, da “natureza” e da “realidade”, conceitos inventados pelo heteropatriarcado branco, cristão e ocidental, somos aquilo que quisermos e não somos o que não quisermos. O importante é rompermos com as representações que o “sistema” nos atribui e assumirmos a essência do que realmente nos representa.
A recusa do ano é só um exemplo: já que falamos no assunto, e ao invés do que o Estado vem presumindo, eu também não me sinto contribuinte. Aliás, sinto – e sinto imenso – que pagar impostos é uma violência que choca com a entidade não pagante que, no fundo, sou. Exijo por isso que o fisco respeite a minha percepção e deixe de me retirar mensalmente uma parcela dos rendimentos. Em suma, ou o fisco deixa de me ofender, ou denunciarei o abuso ao Tribunal dos Direitos do Homem, da Mulher e do Género que Calhar. Se a liberdade dos outros acaba onde começa a nossa mariquice, vamos tratar de coisas sérias.
Nota de rodapé:
Um indivíduo, condenado em tempos por envolvimento num homicídio com motivações raciais e admirador confesso de Salazar, foi a um programa televisivo de variedades. Os censores saltaram com previsível indignação. Infelizmente, no meio da gritaria não se percebeu bem o que os indignou, se a jovialidade com que se entrevistou um criminoso, se o tempo de antena dado a entusiastas de ditaduras.
No primeiro caso, concordo que o tratamento “mediático” (bela palavra) de criaturas responsáveis pela morte de inocentes não deve ignorar o pormenor de as criaturas serem responsáveis pela morte de inocentes. Ou seja, a referida conversa justifica-se em programas de temática criminal ou psiquiátrica, e não em programas “light”, cujos convidados podem incluir, suponho, cançonetistas, cozinheiros, actrizes de telenovela, nutricionistas chamadas Isabel do Carmo, Otelo, o sr. Mortágua e artistas similares.
No segundo caso, não vejo razão para o chinfrim. O tal indivíduo gosta de Salazar? É lá com ele. Em quase todos os canais, quase todas as horas, há apóstolos descarados de genocidas mil vezes piores a dissertar livremente, sem que daí venha mal ao mundo, comichões à ERC ou chiliques a um ministro qualquer. Se se silenciasse a propaganda de déspotas, não seriam apenas as televisões a calar-se: com larga probabilidade, o país ficaria mudo.



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