sábado, 12 de janeiro de 2019

Não há volta a dar



Alberto Gonçalves põe sempre o dedo na ferida, na forma irresistível de humor que é o seu, de zagunchada acutilante mas alegremente sadia e rica de referências, que não perdoa os desmandos de uma nação que, já na pena de Eça, pela voz destrutiva de Ega, “perdera o músculo como perdera o carácter, e era a mais fraca, a mais covarde raça da Europa”. A G, é certo, dirige as suas alfinetadas essencialmente contra esses partidos de uma esquerda de poder, irrequietos enquanto não destruírem totalmente as forças da nação, criando fantasmas de condenação ideológica que só comprovam ignorância e má fé, para além do incitamento às greves e a outras propostas chantagistas aproveitadoras das ambições do PS que deles precisa para seguir em frente. Coisas há muito sabidas, de resto, mas que AG, sempre atento, não perdoa, de forma travessamente original.
O fascismo que não passará e o fascismo que já passou /premium
OBSERVADOR, 12/1/2019
Do que os “democratas” não gostam muito é da democracia. Gostam menos da democracia do que de Mário Machado, que usam para fingir o contrário e para servir de medida das coisas que divergem deles.
A entrevista televisiva de um ex-presidiário com currículo racista continua a inspirar alertas alusivos ao avanço do fascismo. Quem chegou a Portugal durante a semana convenceu-se de que o país está praticamente nas mãos de “skinheads”, restando apenas bolsas de heróicos resistentes na clandestinidade. Quem já andava por cá, porém, hesita se deve confiar na histeria ou nos factos. Se escolher os factos, estes garantem que a ideologia (?) do sr. Machado não possui representação parlamentar e que o próprio PNR entusiasmou nas legislativas 27 mil eleitores, ou meio por cento dos votos. Não são números avassaladores.
Significa isto que a nossa querida pátria está salva de extremismos perigosos? Pelo contrário. Um sexto da AR, correspondente à vontade de um milhão de cidadãos, é composto por comunistas de duas igrejas. Por sua vez, os comunistas aliaram-se ao segundo partido mais votado, que aproveitou o arranjo, superior a 50% da AR, para formar governo e mandar nisto. Entretanto, o partido mais votado em 2015 decidiu passar o último ano a implodir-se e, à “direita”, sobra o CDS, para os que acham que o CDS é de direita e merece sobrar. Recear extremismos em Portugal é o mesmo que Stevie Wonder recear a progressão da miopia. No fim de contas, se as contas não forem feitas por sociólogos ou “activistas”, Portugal encontra-se entregue à esquerda e, por inerência, à extrema-esquerda, ou, no jargão em voga, os “democratas”.
Os “democratas” influenciam a política, os costumes, os negócios que interessam e boa parte dos “media”. Ainda assim, comportam-se como se fossem vítimas de forças opressoras, as quais, embora imaginárias, não deixam de denunciar com valentia. Por um lado, é um tique nervoso, herdado por contágio, tradição e décadas de “luta” contra ditaduras que não viveram. Por outro lado, é uma estratégia também velha, que consiste em disfarçar com horrores hipotéticos o horror autêntico que os “democratas” defendem.
Em seu abono, é verdade que os “democratas” não discriminam todos os alvos do referido convidado da TVI: preferem concentrar-se no anti-semitismo, que elevam à respeitabilidade social mediante o gentil epíteto de “anti-sionismo”. É verdade que os “democratas” não embarcam no incitamento ao ódio e à violência, excepto sempre que incitam ao ódio e à violência sobre os blasfemos que não concordam com eles. É verdade que os “democratas” não abominam imigrantes, a não ser os avessos ao cliché manipulável, reaccionários que deviam regressar às pocilgas de onde vieram. É verdade que os “democratas” não maltratam homossexuais e mulheres, optando por delegar o trabalho e exaltar as culturas que, do islão ao abençoado “povo romani”, colocam aquelas subespécies nos respectivos lugares. É verdade que os “democratas” não toleram o sr. Trump ou o sr. Bolsonaro, nomes que invariavelmente surgem associados ao monstro extremista que aí vem, mas, se descontarmos chefes de cartel do gabarito do sr. Lula, quando é que os “democratas” toleraram estadistas eleitos? E sobretudo é verdade que os “democratas” detestam Salazar: em matéria de ditadores, gostam de psicopatas completos.
Do que os “democratas” não gostam muito é da democracia. Aliás, gostam menos da democracia do que do fascista Mário Machado, que usam para fingir o contrário e para servir de medida de todas as coisas que divergem deles. Uma pessoa estima o mercado? É fascista. Uma pessoa respeita a autonomia alheia? Fascista. Uma pessoa permite a discórdia? Fascista. Uma pessoa preza a liberdade? Fascista, fascista, fascista. No meio do berreiro, talvez passe despercebido o pormenor de que quem não aceita a liberdade, a discórdia, a autonomia e etc. são os “democratas”. Os “democratas” e os fascistas a sério, se é que vale a pena teimar nas diferenças.
Notas de rodapé
Não me meto nos distúrbios do PSD, mas tudo o que indignar o filatélico da Marmeleira, o jazigo de Ângelo Correia e a irmã daquele comentador do Sporting deve ser devidamente louvado.
O dr. Costa anuncia “investimentos” de biliões na presunção de que o eleitor médio tem sete anos de idade mental. Está enganado: tem cinco.
Do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, ao aeroporto António Guterres, em Faro, passando pelo aeroporto Camilo Mortágua, em Beja, e pelo futuro aeroporto Mário Soares, no Montijo, a metade sul do país será um imenso terminal. E terminal é a palavra.
Não me incomoda que o prof. Marcelo telefone para programas de variedades, cartórios notariais ou transexuais em negação. Só me incomodaria se o prof. Marcelo me telefonasse a mim.
Uma senhora que conviveu anos com um popular larápio sem nunca desconfiar da origem do respectivo dinheiro quer agora saber quem pagou quatro ou cinco cartazes da Iniciativa Liberal, liderada pelo meu amigo Carlos Guimarães Pinto. Por graça, a dita senhora julga-se jornalista. Por sorte, escreve num epitáfio que se julga um jornal.
COMENTÁRIOS:
Liberal Impenitente: É giro ver como se mete a senhora Câncio no fundo do pântano em cinco linhas. Quanto aos "democratas", será que lhes podemos chamar "democratas de papel"? De plástico? Democratas light? Low cost?
Antonio Soares: Isto hoje está demais. Já me fartei de chorar a rir. Bem haja este senhor.  Como costumam dizer. Que nunca lhe doam as mãos. Seja antes de dormir ou ao acordar, fica-se bem para mais uma semana. Que grande terapia!  Vou já ler de novo com cuidado para não ter uma overdose de lágrimas!
Paulo Silva: Caro Alberto Gonçalves, acho que não devia ironizar com os “democratas”. As aspas estão mal porque são realmente pessoas que lidam com a Democracia, não no sentido de a praticarem, mas de mandarem os outros praticá-la... De tanto a abjurarem no passado, um belo dia acordaram Donos e Doutores da Democracia. Na famosa utopia de Ray Bradbury, os bombeiros (firemen) também não têm aspas, e também são homens que lidam com o fogo; mas para o atear aos livros...
Ahfan Neca: Grande crónica, como sempre. Notas de rodapé espectaculares. No tempo da outra senhora gostava de ler um pasquim, fascista memo a sério, chamado Agora. Era para me rir. A coisa era tão grotesca que comprava aquilo para me rir do abaixamento a que o humano se entrega por vezes.
Hoje em dia não faltam Agoras na Sic, Tvi e RTP, onde "democratas" de aviário berram, insultam, esbracejam, ameaçam contra tudo o que possa pôr em causa os negociantes de negociatas que os financiam. O mesmo grotesco, o mesmo abaixamento da inteligência e dignidade humanas, a mesma deturpação e falta de verdade em tudo o que se apregoa, a mesma intolerância, o mesmo fascismo real.

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