Alberto Gonçalves põe
sempre o dedo na ferida, na forma irresistível de humor que é o seu, de zagunchada
acutilante mas alegremente sadia e rica de referências, que não perdoa os
desmandos de uma nação que, já na pena de Eça, pela voz destrutiva de Ega, “perdera o músculo como perdera o
carácter, e era a mais fraca, a mais covarde raça da Europa”. A G, é certo,
dirige as suas alfinetadas essencialmente contra esses partidos de uma esquerda
de poder, irrequietos enquanto não destruírem totalmente as forças da nação, criando
fantasmas de condenação ideológica que só comprovam ignorância e má fé, para
além do incitamento às greves e a outras propostas chantagistas aproveitadoras
das ambições do PS que deles precisa para seguir em frente. Coisas há muito
sabidas, de resto, mas que AG, sempre atento, não perdoa, de forma travessamente
original.
O
fascismo que não passará e o fascismo que já passou /premium
OBSERVADOR, 12/1/2019
Do que os “democratas” não gostam
muito é da democracia. Gostam menos da democracia do que de Mário Machado, que
usam para fingir o contrário e para servir de medida das coisas que divergem
deles.
A entrevista televisiva de um
ex-presidiário com currículo racista continua a inspirar alertas alusivos ao
avanço do fascismo. Quem chegou a Portugal durante a semana convenceu-se de que
o país está praticamente nas mãos de “skinheads”, restando apenas bolsas de
heróicos resistentes na clandestinidade. Quem já andava por cá, porém, hesita se deve confiar na histeria ou
nos factos. Se escolher os factos,
estes garantem que a ideologia (?) do sr. Machado não possui representação
parlamentar e que o próprio PNR entusiasmou nas legislativas 27 mil eleitores,
ou meio por cento dos votos. Não são números avassaladores.
Significa isto que a nossa querida pátria está salva de extremismos
perigosos? Pelo contrário. Um
sexto da AR, correspondente à vontade de um milhão de cidadãos, é composto por
comunistas de duas igrejas. Por sua vez,
os comunistas aliaram-se ao segundo partido mais votado, que aproveitou o
arranjo, superior a 50% da AR, para formar governo e mandar nisto. Entretanto,
o partido mais votado em 2015 decidiu passar o último ano a implodir-se e, à
“direita”, sobra o CDS, para os que acham que o CDS é de direita e merece
sobrar. Recear extremismos em
Portugal é o mesmo que Stevie Wonder recear a progressão da miopia. No fim de
contas, se as contas não forem feitas por sociólogos ou “activistas”, Portugal
encontra-se entregue à esquerda e, por inerência, à extrema-esquerda, ou, no
jargão em voga, os “democratas”.
Os “democratas” influenciam a
política, os costumes, os negócios que interessam e boa parte dos “media”.
Ainda assim, comportam-se como se fossem vítimas de forças opressoras, as
quais, embora imaginárias, não deixam de denunciar com valentia. Por um lado, é
um tique nervoso, herdado por contágio, tradição e décadas de “luta” contra
ditaduras que não viveram. Por outro lado, é uma estratégia também velha, que
consiste em disfarçar com horrores hipotéticos o horror autêntico que os
“democratas” defendem.
Em seu abono, é verdade que os “democratas” não discriminam todos os
alvos do referido convidado da TVI: preferem
concentrar-se no anti-semitismo, que elevam à respeitabilidade social mediante
o gentil epíteto de “anti-sionismo”. É
verdade que os “democratas” não embarcam no incitamento ao ódio e à violência,
excepto sempre que incitam ao ódio e à violência sobre os blasfemos que não
concordam com eles. É verdade que os
“democratas” não abominam imigrantes, a não ser os avessos ao cliché
manipulável, reaccionários que deviam regressar às pocilgas de onde vieram.
É verdade que os “democratas” não
maltratam homossexuais e mulheres, optando por delegar o trabalho e exaltar as
culturas que, do islão ao abençoado “povo romani”, colocam aquelas subespécies
nos respectivos lugares. É verdade
que os “democratas” não toleram o sr. Trump ou o sr. Bolsonaro, nomes que
invariavelmente surgem associados ao monstro extremista que aí vem, mas, se
descontarmos chefes de cartel do gabarito do sr. Lula, quando é que os
“democratas” toleraram estadistas eleitos? E sobretudo é verdade que os
“democratas” detestam Salazar: em matéria de ditadores, gostam de psicopatas
completos.
Do que os “democratas” não
gostam muito é da democracia. Aliás, gostam menos da democracia do que do
fascista Mário Machado, que usam para fingir o contrário e para servir de
medida de todas as coisas que divergem deles. Uma pessoa estima o
mercado? É fascista. Uma pessoa respeita a autonomia alheia? Fascista. Uma
pessoa permite a discórdia? Fascista. Uma pessoa preza a liberdade? Fascista,
fascista, fascista. No meio do berreiro, talvez passe despercebido o pormenor
de que quem não aceita a liberdade, a discórdia, a autonomia e etc. são os
“democratas”. Os “democratas” e os fascistas a sério, se é que vale a pena
teimar nas diferenças.
Notas de rodapé
Não me meto nos distúrbios do
PSD, mas tudo o que indignar o filatélico da Marmeleira, o jazigo de Ângelo
Correia e a irmã daquele comentador do Sporting deve ser devidamente louvado.
O dr. Costa anuncia
“investimentos” de biliões na presunção de que o eleitor médio tem sete anos de
idade mental. Está enganado: tem cinco.
Do aeroporto Humberto Delgado,
em Lisboa, ao aeroporto António Guterres, em Faro, passando pelo aeroporto
Camilo Mortágua, em Beja, e pelo futuro aeroporto Mário Soares, no Montijo, a
metade sul do país será um imenso terminal. E terminal é a palavra.
Não me incomoda que o prof.
Marcelo telefone para programas de variedades, cartórios notariais ou
transexuais em negação. Só me incomodaria se o prof. Marcelo me telefonasse a
mim.
Uma senhora que conviveu anos com
um popular larápio sem nunca desconfiar da origem do respectivo dinheiro quer
agora saber quem pagou quatro ou cinco cartazes da Iniciativa Liberal, liderada
pelo meu amigo Carlos Guimarães Pinto. Por graça, a dita senhora julga-se
jornalista. Por sorte, escreve num epitáfio que se julga um jornal.
COMENTÁRIOS:
Liberal Impenitente: É giro ver como se mete a
senhora Câncio no fundo do pântano em cinco linhas. Quanto aos
"democratas", será que lhes podemos chamar "democratas de
papel"? De plástico? Democratas light? Low cost?
Antonio Soares: Isto hoje está demais. Já me fartei de
chorar a rir. Bem haja este senhor. Como costumam dizer. Que nunca lhe doam as mãos. Seja antes de
dormir ou ao acordar, fica-se bem para mais uma semana. Que grande terapia! Vou já ler de novo com cuidado para não ter uma overdose de lágrimas!
Paulo Silva: Caro Alberto Gonçalves, acho
que não devia ironizar com os “democratas”.
As aspas estão mal porque são realmente pessoas que lidam com a Democracia, não
no sentido de a praticarem, mas de mandarem os outros praticá-la... De tanto a
abjurarem no passado, um belo dia acordaram Donos e Doutores da Democracia. Na
famosa utopia de Ray Bradbury, os bombeiros (firemen) também não têm aspas, e também são homens que lidam com
o fogo; mas para o atear aos livros...
Ahfan Neca: Grande crónica, como sempre. Notas de rodapé
espectaculares. No tempo da outra senhora
gostava de ler um pasquim, fascista
memo a sério, chamado Agora. Era para me rir. A coisa era tão grotesca que comprava
aquilo para me rir do abaixamento a que o humano se entrega por vezes.
Hoje em dia não faltam Agoras na Sic, Tvi e RTP, onde
"democratas" de aviário berram, insultam, esbracejam, ameaçam contra
tudo o que possa pôr em causa os negociantes de negociatas que os financiam. O
mesmo grotesco, o mesmo abaixamento da inteligência e dignidade
humanas, a mesma deturpação e falta de verdade em tudo o que se apregoa, a
mesma intolerância, o mesmo fascismo real.
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