Enquanto ouvia o programa
felizmente reposto pela RTP - “The Voice
Portugal” - li os textos enviados por João
Sena, o primeiro, sobre Unamuno
e a sua dimensão humana de desassombro moral, a acrescentar ao seu valor
intelectual, o segundo sobre a originalidade e graça de uma conhecida figura
brasileira – Barão de Itararé - nas
sentenças que criou, cheias de trocadilhos de dimensão humorística. Dois textos
enriquecedores, que complemento com um extracto do Volume IV a BÍBLIA – Antigo Testamento:
Os Livros Sapientais – em tradução de Frederico Lourenço. Um livro
de fraternal oferta deste domingo, onde se encontram provas tão antigas da dimensão
humana de todos os tempos, e da sensibilidade “escrita” à existência do Mal no
Mundo:
ECLESIASTES IV:
Eu voltei-me e vi todas as
opressões
Que acontecem debaixo do Sol.
E eis uma lágrima dos oprimidos;
E não há ninguém que os console.
E da mão dos que os oprimem vem a
força;
E não há ninguém que os console.
I - Fwd: «Abaixo a inteligência» E A RESPOSTA DE
UNAMUNO
João Sena
Um dos melhores discursos do
século XX foi proferido há 80 anos, em Salamanca, por um filósofo basco
prontamente condenado à morte civil. Constituiu um dos mais relevantes exemplos
de coragem cívica, inteireza moral e ética política de que há memória.
Ocorreu na fase inicial da guerra
civil de Espanha, na cidade de Salamanca, no dia 12 de Outubro de 1936. Foi
proferido de improviso, na universidade desta urbe castelhana, pelo reitor
vitalício do secular estabelecimentode ensino, o basco Miguel de Unamuno, figura cimeira da cultura
espanhola.
Unamuno, um intelectual
ferozmente independente,
tecera fortes críticas ao rumo descontrolado do regime republicano que vigorou
em Espanha entre 1931 e 1936, tendo acolhido com palavras de simpatia o
alzamiento em Julho de 1936. Durou pouco a sua adesão ao golpe liderado pelo
general Franco: os morticínios das primeiras semanas de guerra revelaram-lhe a
verdadeira natureza da rebelião, nacional só de rótulo.
No início de Outubro, reuniu-se com Franco para lhe pedir clemência por
diversos amigos de esquerda que tinham sido detidos em território controlado
pelos falangistas. Esforço inútil: acabaram quase todos fuzilados.
Nesse dia 12, perante o governador civil de Salamanca, o bispo da
diocese e a esposa de Franco, o general Millán Astray - inválido da guerra em Marrocos – proferiu uma
diatribe contra o País Basco e a Catalunha, considerando-os "cancros do
corpo da nação", terminando a sua arenga com a frase que criara para
divisa da Legião Espanhola: "Viva a
morte!" enquanto os braços se erguiam na saudação fascista.
Unamuno, já então um senhor de 72 anos, poderia ter-se remetido a
uma atitude de cómoda indiferença. Mas não foi capaz. Levantou-se dignamente e
pronunciou estaspalavras de modo pausado mas firme:
"Esperais as minhas
palavras. Conheceis-me bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silêncio.
Por vezes, ficar calado equivale a mentir. Porque o silênciopode ser confundido
com concordância. Quero fazer alguns comentários ao discurso - para chamar-lhe
assim - do general Millán Astray, que se encontra entre nós. Deixando de lado a
ofensa pessoal que pressupõe a sua repentina explosão contra vascos e
catalães.Eu próprio, como sabeis, nasci em Bilbau. O bispo [apontando para o
prelado], queira ou não queira, é catalão de Barcelona."
Fez uma pausa. E prosseguiu:
"Mas acabo de escutar o
insensato e necrófilo grito 'Viva a morte!' E eu, que passei a vida a cultivar
paradoxos que irritavam alguns incapazes de entendê-los,tenho de dizer-vos,
como especialista na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. O
general Millán Astray é um inválido. Não é necessário dizermos isto em voz
baixa. Ele é um inválido de guerra. Também Cervantes o foi. Mas, por desgraça,
háhoje em Espanha demasiados mutilados. E, se Deus não nos ajudar, em breve
haverá muitíssimos mais. Atormenta-me pensar que o general Millán Astray
pudesse ditar as normas da psicologia das multidões. De um mutilado a quem
falte a grandeza espiritual de um Cervantes é de esperar que encontre um
terrível alívio ao ver como se multiplicam os mutilados em seu redor."
II - Barão de Itararé: Frases
impagáveis do Barão de Itararé
Criador
do jornal “A Manha”, o Barão ridicularizava ricos, classe média e pobres. Não
perdoava ninguém, sobretudo políticos, donos de jornal e intelectuais.
Ele não era barão, é claro. Mas
deu-se o título de nobre e nobre se tornou. O primeiro nobre do humor no
Brasil. Debochava de tudo e de todos e costumava dizer que, “quando
pobre come frango, um dos dois está doente”. Ele
é um dos inventores do contra-politicamente correto.
Há muito que o gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff
Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971) merecia uma biografia
mais detida. Em 2003, o filósofo Leandro Konder lançou “Barão de Itararé — O
Humorista da Democracia” (Brasiliense, 72 páginas). O texto de Konder é
muito bom, mas, como é uma biografia reduzida, não dá conta inteiramente do
personagem, uma espécie de Karl Kraus menos filosófico mas igualmente cáustico.
Quatro anos depois, o
jornalista Mouzar Benedito lançou o opúsculo “Barão de Itararé — Herói de Três
Séculos (Expressão Popular, 104 páginas). É óptimo, como o livrinho de
Konder, mas lacunar. No final, há uma colectânea das melhores
máximas do humorista, que dizia:
“O
uísque é uma cachaça metida a besta”.
O
que se leva desta vida é a vida que a gente leva.
A
criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
Os
homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Diz-me
com quem andas e eu te direi se vou contigo.
A
forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
Sábio
é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
Não
é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
Mantenha
a cabeça fria, se quiser ideias frescas.
O
tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.
Genro
é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
Neurastenia
é doença de gente rica. Pobre neurasténico é malcriado.
De
onde menos se espera, daí é que não sai nada.
Quem
empresta, adeus.
Pobre,
quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
O
banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar
provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
Tudo
seria fácil se não fossem as dificuldades.
A
televisão é a maior maravilha da ciência ao serviço da imbecilidade humana.
Este
mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
Precisa-se
de uma boa dactilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa.
O
fígado faz muito mal à bebida.
O
casamento é uma tragédia em dois actos: um civil e um religioso.
A
alma humana, como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
Eu
Cavo, Tu Cavas, Ele Cava, Nós Cavamos, Vós Cavais, Eles Cavam. Não é bonito,
nem rima, mas é profundo…
Tudo
é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro
você está.
Nunca
desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
Devo
tanto que, se eu chamar alguém de “meu bem”, o banco toma!
Viva
cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta…
Tempo
é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.
As
duas cobras que estão no anel do médico significam que o médico cobra duas
vezes, isto é, se cura, cobra, e se mata, cobra.
O
voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá
vergonha de votar no seu candidato.
Em
todas as famílias há sempre um imbecil. É horrível, portanto, a situação do
filho único.
Negociata
é um bom negócio para o qual não fomos convidados.
Quem
não muda de caminho é trem.
...
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