domingo, 13 de janeiro de 2019

Um livro não só de praia



Como fiquei presa à originalidade e riqueza imagética e sentido irónico das frases de Pat Conroy com que Salles da Fonseca exemplifica a sua apresentação do livro daquele, “Música de Praia”, procurei na Internet o resumo do livro:
MÚSICA DE PRAIA de PAT CONROY
«Disposto a romper com o passado e a superar o recente suicídio da mulher, Jack McCall abandona a pequena cidade da Carolina do Sul onde sempre viveu. Na companhia da filha, procura em Roma a paz tão desejada, mas a solidão é perturbada pelo aparecimento da cunhada, que pretende reconciliá-lo com os sogros judeus e de dois amigos de infância que lhe pedem ajuda para encontrar um terceiro refractário da guerra do Vietname, desaparecido desde sempre. Para satisfazer estes pedidos, Jack vê-se lançado numa jornada arrebatadora, através das recordações obscuras que atormentaram várias gerações. Espirituoso e dramático, intrigante e avassalador, Música de Praia é um romance soberbo de um escritor que continua a ser o contador de histórias preferidas por muitos leitores. Da placidez eterna de Roma às areias cálidas da Carolina do Sul, o passado e o presente de um homem, que teima em procurar na memória a verdade crua e derradeiramente libertadora. Música de Praia é uma narrativa empolgante, sensível, profunda e poderosa, uma viagem inesquecível e reveladora dos mais recônditos segredos do coração humano. Pat Conroy é sem dúvida um dos maiores escritores da literatura norte-americana contemporânea. De ascendência irlandesa, nasceu em 1946 no Sul dos Estados Unidos, Reside alternadamente em Atlanta e Roma. Publicou o seu primeiro romance The Boo em 1971. Seguiram-se outros, entre os quais adaptados ao cinema, tal como O Princípe das Marés.»

Eis o curioso texto de Salles da Fonseca colhido em A BEM DA NAÇÃO:

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
Parte inferior do formulário
A BEM FDA NAÇÃO,  13.01.19
Título –  Música de praia
Autor – Pat Conroy; Tradutor  José Luís Luna; Editor – Círculo de Leitores; Edição – Setembro de 1996
Antes do livro, refiro-me ao Autor que não conhecia de lado nenhum até ao momento em que, vasculhando numa prateleira cá de casa, encontrei esta obra que a família lera mas que me tinha passado ao lado. Pelos vistos, dos 14 livros que escreveu, quatro foram postos em cinema e levaram vários actores aos Óscares. Nascido em Atlanta, filho de pai que lhe fez a juventude num inferno, acabou por se fixar na Carolina do Sul onde morreu aos 70 anos de cancro no pâncreas em 2016.
 Para saber mais, ver o que sobre ele informa em português a Wikipédia no endereço
Mas em inglês informa bastante mais: https://en.wikipedia.org/wiki/Pat_Conroy 
* * * 
Nestas 570 páginas de texto, o Autor descreve o que foi o impacto da guerra do Vietname na sociedade americana e sobretudo na geração em idade de então cumprir o Serviço Militar Obrigatório em que as «cunhas» choviam para o ingresso na Guarda Nacional em vez da opção «normal», a da guerra. Como se por cá tivesse sido – e não foi – a alternativa entre o Exército e a GNR. Mais descreve o que resta da perspectiva sulista em contraste com os outros americanos, tudo num dramatismo que ficou bem sob os holofotes de Hollywood como acima refiro. 
Com estrutura literária curiosa, o narrador desempenha, naturalmente, o papel central mas é um outro personagem que se revela, afinal, autobiográfico do Autor. Ou seja, o tema central da obra passa por ser marginal e o que nos é apresentado como central é, afinal, marginal. Mas isto são perspectivas que só se revelam lá para os finais da obra e, entretanto, vamos passando por personagens bem interessantes que revelam muita plausibilidade e grandes tiradas de sabedoria. 
E a propósito de sabedoria, foram várias as passagens que me despertaram interesse:

«(…) havia uma história que ela me obrigava a repetir inúmeras vezes até que adquiri uma qualidade tão maquinal como as respostas de uma catequista.» (pág. 18);
 «Quando ia buscar a filha, olhava para mim de tal maneira que até parecia que eu era uma amostra de urina.» (pág.18);
Roma «(…) cidade cor de corça.» (pág. 27). 
«(…) um motorista italiano não guia, faz pontaria.» (pág. 35);
«(…) letra ilegível que me fazia pensar em sapatos de atacadores desapertados.» (pág. 48);
Na página 62, escreve sobre o Carnaval de Veneza a que me refiro em https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/anonimando-1841100
Em Roma, «Cada passo que dei com ela transportou-nos através de várias civilizações empilhadas como camisas numa gaveta.» (pág. 83);
«A sua perspectiva da humanidade era unidimensional, mas não imprecisa: os homens eram prisioneiros dos seus genitais e as mulheres eram as guardiãs da entrada para o Paraíso.» (pág. 206); 
Da página 215 à 217 refere o episódio do General Sherman que contei em https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/general-sherman-1841486
Em Roma, «Um artista de rua sem talento desenhava o retrato de uma japonesa que se queixava por parecer coreana.» (pág. 227);
 «(…) a caminho da Basílica de São Pedro, ia uma congregação que se movia lenta e pensativamente como uma manada de herbívoros que se alimentava de orações, incenso e pão ázimo.» (pág. 232);
 «O excesso exuberante da Basílica de São Pedro levou-me sempre a pensar que a simplicidade dos protestantes nasceu naturalmente da exorbitância de igrejas como esta.» (pág. 232);
 «A fantasia é uma das porcelanas mais brilhantes da alma.» (pág. 289);
 «(…) num século que me parecia cada vez mais ridículo, achava que a solidão, a oração e a pobreza eram, talvez, cada vez mais eloquentes e justificáveis nesta época absurda em que a alienação era tanto atitude como filosofia.» (pág. 326 e seg.);
 «(…) na memória do passado utilizável, a tradução inexacta, os erros de ênfase e a inevitabilidade da interpretação defeituosa de uma experiência, podia conduzir a uma perspectiva imperfeita das coisas.» (pág. 366);
 Dizia a chatíssima professora de História no Liceu que «Nota-se, pela forma do queixo, que estes dois jovens descendem de pessoas que colocavam a rectidão acima do mero esplendor, a justiça acima da mera retribuição e a elegância acima do espalhafato do meretrício (pág. 397);
 Sobre a mesma professora, afirma que «A voz dela era tão monótona como a água de um autoclismo a correr» e continua «Ela conseguia fazer com que a Carga da Brigada Ligeira parecessem instruções para dobrar um guardanapo.» (pág. 398);
 «Ao longo dos séculos, o calor e o ensino medíocre fizeram muito para baixar o quociente de inteligência do Sul.» (pág. 399);
 «Pairava no ar o cheiro a festa que fazia mal às artérias e bem à alma.» (pág. 449). 
Conclusão: gostei e vou procurar mais obras de PAT CONROY.
 COMENTÁRIO: Carlos Fino: : Muito obrigado por este excelente naco de prosa de um autor que também não conhecia.

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