sábado, 26 de janeiro de 2019

Impressionismo e ética



Pinceladas coloridas no matraquear diário a respeito das políticas que vão pelo mundo, num bate e foge, directo e breve e simples, sobre as carapuças dos pobres mortais, arlequins em bolandas, enquanto VPV se instala na superioridade fria do seu saber de cátedra. 
Quanto a João Miguel  Tavares, a prosa chã das suas pulsões nervosas, geralmente ditadas por um pensamento justo, caso da análise que faz do racismo. Quanto a Assunção Cristas, não a defendo como, aparentemente, faz JMT. Parece-me esta uma figura gratuitamente provocatória quando se dirige ao ministro, em alegações geralmente de banalidade discursiva, papagueante, não convincente, de menina aplicada mas sem chama, a chama que tinha, naturalmente, o saudoso  Paulo Portas.
I - OPINIÃO: DIÁRIO
Armando Vara, o Novo Banco, a CGD, o e-Toupeira, o pirata informático, o genro de Jerónimo: a vida pública portuguesa transformou-se numa história de polícias e ladrões.
VASCO PULIDO VALENTE    PÚBLICO, 26 de Janeiro de 2019
Décima semana dos “coletes” por toda a França, de Rennes a Toulouse. Entretanto, o putativo de Gaulle, Macron, esse patético homenzinho, anda pela paisagem a pedir um “debate nacional”. Exercício vão. Os franceses pagam 49% do PIB em impostos e o Estado gasta 56% do PIB com os franceses. A França está imobilizada na mediocridade e é irreformável. Se o dr. António Costa ficar por cá muito tempo, acontece o mesmo a Portugal. O que, de resto, não nos desviava de uma longa tradição.
Notícia dos jornais: o “coordenador regional do Porto da secção temática de Relações Exteriores do Conselho Estratégico Nacional... renunciou ao cargo”. Nem sequer me espanta, há muito tempo que sei como é a cabeça do inventor desta maravilha.
20 de Janeiro
Armando Vara, o Novo Banco, a CGD, o e-Toupeira, o pirata informático, o genro de Jerónimo: a vida pública portuguesa transformou-se numa história de polícias e ladrões. Percebo que a alma persecutória que mora em cada um de nós se alegre com estas coisas. O espectáculo não deixa por isso de ser lúgubre – ver jornalistas transformados em peritos de Processo Penal e delatores furando por todo o lado. Chama-se a este género de actividades “combater pela transparência”. O sermão semanal de Ana Gomes é de pôr os cabelos em pé. António Costa não se pode esquecer de a nomear ministra da Polícia no próximo governo.
21 de Janeiro
A frase de Luís Montenegro sobre “acordar o gigante adormecido” adquiriu o estatuto de uma frase “original” e “polémica”. De facto, é uma frase de um almirante japonês (julgo que Yamamoto) sobre Pearl Harbour e o gigante é a América. Ninguém notou. E ninguém sequer se lembrou de um filme popular chamado Tora! Tora! Tora!. Este país é um mar de ignorância.
22 de Janeiro
Merkel e Macron assinaram um tratado para fortalecer a defesa da UE. Os senhores da UE estão contra a Inglaterra. Mas falam inglês para se entender entre si. É a vida. Também o hipotético exército da Europa só pode ser alemão; e ninguém, se tiver dinheiro, compra um carro francês.
23 de Janeiro
Um belo dia, o coronel Hugo Chávez descobriu a maneira de governar a Venezuela. Era simples: com o dinheiro do petróleo, comprava generais e, a seguir, comprava “igualdade” para o lumpen proletariado dos bairros suburbanos de Caracas e de mais três ou quatro cidades. Chamava-se a esta originalidade “revolução bolivariana” e durou enquanto durou o petróleo caro. Quando o preço do petróleo desceu, já com Chávez moribundo, veio Maduro e, com ele, a doença e a fome.
A esquerda portuguesa, e a europeia, gostaram muito do “chavismo”. Não foi só Sócrates, foram também os ministros do seu governo e a torpe “inteligência” cosmopolita. Estavam habituados a gostar de ditaduras e mentiras. Agora mesmo, perante o levantamento popular, a Europa ainda se refugia em argumentos constitucionais para aconselhar uma transição pacífica. De Trump a Marcelo e aos comentadores da televisão não há quem não peça paz. Naquele mundo de violência não há paz possível. Estas piedades só servem para entreter as consciências e não mexer um dedo.
De qualquer maneira, excepto em Portugal, por causa dos portugueses que vivem na Venezuela e daqueles que fugiram para cá, ninguém deu grande atenção ao assunto. A CNN estava ocupada com o shutdown. E a BBC e a Euronews não acharam a coisa particularmente interessante: não leram com certeza os lancinantes artigos deste jornal, reconhecendo à contre-coeur que a Venezuela de Maduro não era propriamente um exemplo de perfeição democrática.
Verdade que a Venezuela, com a sua extraordinária bandeira, a sua orquestra (“bolivariana”, claro) e os caracóis do seu Dudamel, não é propriamente uma nação, nem o Estado venezuelano é propriamente um Estado. Basta ver o uniforme dos generais que vieram dar o seu apoio ao regime e uma pessoa sente-se logo transportada para uma história do Tintim. Maduro, ainda por cima, tem qualquer coisa de general Alcazar.
25 de Janeiro
Gostei imenso de ver os cozinheiros da Galiza no congresso do Porto. Em 2003, quando estava doente no Hospital Amadora-Sintra, um enfermeiro galego dizia-me sempre, para me espevitar, que havia uma auto-estrada contínua do IC19 ao melhor restaurante de Vigo. E que íamos lá os dois comer peixe e mariscos.
II – OPINIÃO: A cor da pele de António Costa
A ideia de que se formos de direita temos de estar do lado dos polícias, e se formos de esquerda temos de estar do lado do Bairro da Jamaica, não pode passar.
JOÃO MIGUEL TAVARES                 PÚBLICO, 25 de Janeiro de 2019
A resposta do primeiro-ministro a Assunção Cristas, que vá lá saber-se porquê tem o condão de fazer perder as estribeiras ao habitualmente fleumático Costa, não tem pés nem cabeça. Qualquer alusão de racismo dirigida à bancada do CDS é absurda, tendo em conta nomes históricos do partido como Narana Coissoró ou Hélder Amaral, e, sobretudo, por insinuar a existência de vestígios de discriminação no percurso de Costa, coisa que dificilmente terá acontecido a um descendente da elite goesa. A única vez que associei a cor da pele de António Costa a qualquer coisa vagamente parecida com racismo foi nas legislativas de 2015, por causa de uns cartazes produzidos pelo próprio PS, onde ia jurar que a sua pele foi clareada de propósito. Aí, sim, pensei que ainda estávamos no Portugal de 1950.
Dito isto, a insistência do CDS numa retórica do tipo “diga lá, senhor primeiro-ministro, se está do lado de quem bateu ou de quem levou” é absolutamente inadmissível, porque deseja à força traçar uma linha entre o “nós” e o “eles” que é muito perigosa num tema como este. A ideia de que se formos de direita temos de estar do lado dos polícias, e se formos de esquerda temos de estar do lado do Bairro da Jamaica, não pode passar. Marta Mucznik, assessora do PSD na Câmara de Lisboa, escreveu um óptimo texto no Observador (“O que a polémica do Bairro da Jamaica abafa”) sobre isso: “Enquanto o centro direita não evoluir para além do discurso securitário e de uma postura estritamente defensiva para denunciar clara e inequivocamente a injustiça social que representa o racismo, esta questão ficará sempre refém da esquerda.”
Claro que, como tentei explicar no meu último texto, teríamos de nos sentar a debater o que significa exactamente a palavra “racismo” neste contexto. Mas se eu tiver de escolher entre Mamadou Ba e os dois energúmenos de extrema-direita que o perseguiram na rua com um telemóvel e argumentos do género “os portugueses estão a pagar o teu salário, vê lá mas é se tens respeitinho”, garanto que estarei sempre ao lado de Mamadou Ba. Uma coisa é eu discordar profundamente da forma como ele aborda o problema do racismo. Outra coisa é negar-lhe o direito, numa sociedade livre, de defender o que quiser da forma que bem entender, ou negar a existência de um gravíssimo problema social no Bairro da Jamaica. Ou, já agora, pretender dissimular o problema igualmente grave que existe na polícia portuguesa em termos de violência, prepotência e camuflagem de actuações ilegais.
Sim, a palavra “racismo” tem hoje significados diversos e é usada por muitos afrodescendentes como o santo-e-senha de todas as injustiças. Se o adepto que em 2015 foi agredido por um polícia em Guimarães, à frente do filho, fosse negro, teria sido um caso de racismo. Como era branco, foi apenas violência policial. Aquilo a que se chama “racismo” é uma mistura de cor da pele com pobreza, porque se a pobreza for retirada da equação, os negros já podem visitar à vontade a Avenida da Liberdade. Essa pobreza não deriva do racismo – deriva, em primeiro lugar, da iliteracia, da desestruturação das famílias, da maternidade na adolescência. Contudo, se as mulheres negras de 40 anos estão a limpar as casas da classe média portuguesa, e se as suas filhas de 20 anos continuam a limpar exactamente as mesmas casas, então isso significa que o elevador social não está a funcionar para os afrodescendentes. E esse é um problema sério, que merece mais atenção e menos gritaria.

Nenhum comentário: