É o que me parece a epístola de um “português indignado”, num email enviado
por João Sena. Uma longa-metragem, como história de um português que se
queixa, que é a história de um povo discriminado, num processo consuetudinário
de elitismo económico e social que, se outrora calou protestos e amansou as
consciências na submissão da iliteracia ou do receio, hoje se torna mais ousado
na acusação contra um governo que, por ambição de governação, permite o
descalabro das greves sucessivas destruidoras da ordem e da economia desse
país. Longa-metragem num país de um cinema de brinquedo, cujo confronto com o
cinema estrangeiro cria uma rejeição inultrapassável.
Mas gostei da crónica “Filmes Zero” de Daniel
Ribas, que nos dá uma perspectiva de cinema português, embora imprecisa nas
temáticas, omitindo, estranhamente, Manoel
de Oliveira, pelo menos o do encantador Aniki
Bobó, dos anos 40, ou “Domingo à tarde”
dos anos 60, com Rui de Carvalho,
filme de António Macedo que me impressionou
na altura, por se distinguir pela seriedade e elegância, bem longe dos filmes
de diversão e malandrice a que nos habituáramos na infância, de conhecidos actores
de génio, então. O “Conservatório de Arte Dramática” tem preparado figuras de
actores que realmente se distinguem hoje, não só em telenovelas, como no
teatro, a que a televisão dá acesso, por vezes. Mas se não transmite filmes
contemporâneos, a não ser “Gaiola Dourada”, ou um ou outro de Manoel de
Oliveira, em vida deste, que me faziam adormecer, talvez seja por falta de
qualidade daqueles que os não apresenta. Mas falo de cor, o que não é
aceitável, reconheço.
I –EPÍSTOLA
Caros amigos(as) ,
inimigos(as) e inimigos encobertos
Chegou a hora de dizer a palavra BASTA. A sociedade
continua a dividir-se por interesses que não são os seus. Hoje, ao tratar do
cartão do cidadão assisti à conversa do funcionário público que me atendeu,
para a colega a seu lado. Dizia ele " já viste os enfermeiros(as)
façam as greves que fizerem, ganham na mesma o vencimento ... e ainda estão
livres para trabalharem nesse período na privada...
Como é possível, neste país pobre, terem existido 600
greves no ano de 2018. Não ponho nem quero por política no assunto, pois não é
do meu interesse, e a minha depressão aumentaria.
Refiro como exemplo as greves dos professores, dos
enfermeiros, dos estivadores etc.
A greve deveria ser como se dizia antigamente a
"ARMA ATÓMICA" dos trabalhadores. Hoje é a arma de pressão dos grupos
de trabalhadores que ganham acima da média e querem mais e mais. Coitados dos
pobres e reformados que não tem voz e ninguém que os proteja.
Como devo eu, e muitos a quem me dirijo, entender o
corte nas nossas pensões. No meu caso de cerca de 400 euros mês. Não
tenho voz, é certo, mas aqueles que nos deveriam defender, falam e zurram
face à tendência política da mesma Associação. Por exemplo, a AOFA, quando
o poder pertencia a outras forças, que não as que defendem, até manifestações
fizeram. Com a "geringonça" mantêm-se calados e submissos.
Envio-vos uma fotografia composta das cerca de
400 que já elaborei, à qual chamei. "QUEM MANDA EM PORTUGAL?. Demorou
cerca 4 dias a produzir a uma média de 5 horas dia, mas valeu a pena este
desabafo. É a única arma que possuo. Reconheço que a mesma tem
demasiadas imagens para pequeno formato, mas poderão no ecrã do computador
aumentar a imagem.
Os que concordarem podem divulgar, porquanto assumo os
meus pontos de vista. Os que não concordarem façam o que entenderem.
Um abraço de um português indignado.
II – CRÓNICA: FILMES
ZERO
Professor
da Escola das Artes, UCP / Programador
PÚBLICO, 11 DE JANEIRO DE 2019
Ao
longo do tempo, novas gerações provocaram recomeços em que, de repente, um novo
futuro parecia ser possível.
No território onde construímos esta crónica — o do cinema português — parece evidente que houve várias renovações
geracionais que permitiram rupturas, mesmo que na distância histórica tudo
possa parecer mais atenuado e quase invisível. Este fenómeno é tanto
mais interessante porque se coloca, na maior parte das vezes, nos lugares das
novas juventudes e das suas idiossincrasias. Neste texto, a problemática,
digamos, epistemológica será, como verão, ainda maior, porque tenderemos a
proclamar a existência de uma nova renovação geracional e um novo recomeço no
cinema português contemporâneo.
Sabemos
hoje que, em 1963, vários factores conjunturais convergiram para a
possibilidade de existência de um novo tipo de cinema, claramente
contrário ao velho cinema das comédias à portuguesa ou das adaptações
histórico-literárias. Poderíamos citar Acto da Primavera ou A Caça (ambos de Manoel de Oliveira, 1963-64);
ou ainda Dom
Roberto (Ernesto
de Sousa, 1962); mas seria
com Os
Verdes Anos (Paulo
Rocha, 1963) que o
novo cinema se catapultaria como um capítulo decisivo do cinema português.
Não foi tanto pela radicalidade do filme, mas mais pela sua dimensão urbana,
trágica — posicionada num cinema moderno e existencialista —, na qual um jovem
casal se sente perdido na grande cidade; e pela frescura do filme, já que a
equipa era toda muito jovem e quase todos faziam o primeiro filme. Obra
inaugural das produções Cunha Telles, marcava uma nova forma de fazer cinema e
dava lugar à emergência de uma nova geração que dominaria as décadas seguintes
(e mesmo a ideia de cinema português como conceito), com nomes como Fernando
Lopes, João César Monteiro ou José Fonseca e Costa.
Nos
anos 80, o cinema português viveu novo fulgor, sobretudo com alguns sucessos comerciais que
recentravam a discussão sobre a função colectiva do nosso cinema. No entanto, com
estruturas de produção frágeis, a década foi percorrida através de solavancos
marcados por um factor político e económico fulcral: a adesão à Comunidade
Económica Europeia. Aqui estava, depois do 25 de Abril, um acontecimento
histórico que reformulava o imaginário português. Neste contexto, uma
obra tornou-se paradigmática: Uma Rapariga no Verão (Vítor Gonçalves, 1986). Ponto zero de uma geração que Jorge Mourinha já
classificou como “esquecida”, o filme era feito por uma rede
de amigos da Escola de Cinema: “Del Negro na imagem, Pedro Caldas no som, Ana
Luísa Guimarães na montagem, Bogalheiro na produção, Pedro Costa como assistente de
realização, Leitão como actor”. Imitando as condições de produção precárias
próximas de Os
Verdes Anos, Uma Rapariga no Verão era também um filme em que a passividade dos
protagonistas jovens colocava-os num limbo identitário, sem um futuro claro.
Era um cinema sem pai, com narrativas de jovens órfãos ou perdidos. Seria o
prenúncio para outros filmes e autores que o imediatamente sucederam (Teresa
Villaverde, Pedro Costa, Joaquim Pinto).
Cerca
de uma década depois, no entanto, um novo fenómeno foi percebido por Augusto M.
Seabra, que assinalava a existência de “um cosmopolitismo com evidentes sinais
de um novo paradigma cinéfilo” e falava da explosão de novos autores no
universo da curta-metragem, resultado evidente de novas políticas culturais, de
dimensão europeia, do Instituto de Cinema. Se, por um lado, Parabéns! (João Pedro Rodrigues, 1997) foi um filme promissor nas suas experiências formais
e temáticas, a verdade é que o núcleo de filmes produzido pela O Som e a
Fúria — com destaque para Entretanto (Miguel Gomes, 1999), que tem a participação de Sandro Aguilar na
montagem e Rui Poças na fotografia — criou um
novo paradigma, inventando objectos tanto fantasiosos como poéticos, centrados
em jovens adultos de classe média e nas suas crises existenciais. As Gerações Curtas, como ficaram conhecidas, seriam
um sismo com novos abalos a meio da década de 2000, com autores como Cláudia Varejão, João Nicolau, Salomé Lamas, João Salaviza ou Gabriel Abrantes.
Olhando
para estes fenómenos, tão intensos e interessantes pela sua capacidade de
ruptura ou de reinvenção de uma cinematografia — mesmo que isso não tenha sido
procurado pelos autores —, o momento actual parece ter características de um
novo momento zero. É difícil, no entanto, mapear cabalmente onde estão os
protagonistas desta mudança, mas alguns sinais são promissores. A estreia, esta
semana, de Terra Franca (Leonor Teles, 2018),
é exemplo de um cinema comprometido com a experiências dos lugares e das
suas pessoas. Teles tem sido uma ponta de lança desta geração, quer seja
pelo seu exercício fílmico-político Balada de um Batráquio (2016), quer seja pela sua participação, como
directora de fotografia, em Verão Danado (Pedro Cabeleira, 2017). Apesar da evidente fragilidade desta última obra,
ela condensa um retrato de uma nova geração à procura do seu lugar e da sua
identidade. A emergência de colectivos, como a Terra treme ou o Bando à Parte,
são ainda a prova de uma diferença, que passa também pelo fim da Escola de
Cinema como o único lugar de saída do novíssimo cinema português.
Em
todos estes filmes, sente-se o fulgor de uma nova juventude à procura dela
própria, talvez aquilo que tenha marcado todos os momentos zero que aqui
assinalámos. Essa juventude e esse fulgor parecem marcar os filmes de Teles e
Cabeleira (mas também os de Diogo Costa
Amarante, Duarte
Coimbra ou David
Pinheiro Vicente), num registo que nos aproxima deste nosso tempo
contraditório, mas também profundamente humano. Filmes
zero, filmes de um recomeço.
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