Último texto das memórias de uma viagem
à Suécia de Salles da Fonseca, recheado de fotos
que o ilustram. Chegou por email com o subtítulo “Descartes e a Suécia”, que acrescenta dados de certa picardia e boa
disposição a um texto de despedida, debruçado sobre aspectos genéricos e
mundanos. O conjunto é encimado por um skate eléctrico de duas rodas e uma
figura em cima, a significar o cansaço de um vasto passeio a pé pelos sítios de
Estocolmo. Um texto malicioso e leve, para despedida de um passeio turístico de
fazer inveja aos que vêem o mundo por imagens.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 09.01.19
Soubéramos nós que iríamos andar tanto a pé e teríamos
arranjado segways (que já usámos noutras
paragens) para visitar Estocolmo. Mas não o fizemos e ficámos com as solas dos
pés gastas, as pernas doridas e um cansaço que subia das cruzes por ali acima
até à base da consciência. Mas a nossa guia – portuguesa radicada na Suécia há
mais de 40 anos – já não tinha idade para experimentar uma segway. E a ordem foi: - A butes, marche!
Cidade moderna onde foi antiga a ponto de que um turista menos
expedito em questões históricas perguntou se Estocolmo tinha sofrido muito com
a segunda guerra mundial. Nem queríamos acreditar no que ouvíamos e a guia teve
que disfarçar e dizer que aquela modernidade na Vasagatan (Avenida Vasa) e adjacências resultava das demolições feitas
para que se pudesse construir o metropolitano. E mais não disse para que o dito
turista não continuasse a fazer a figura de urso que já começara a exibir com a
pergunta inicial. Não era português.
Em Estocolmo, a modernidade vai da época pós-guerra até aos dias
actuais com edifícios de arquitectura tal que me deixaram embasbacado – e eu
até «já passei além da Taprobana».
Foi com algum detalhe que nos mostraram a Câmara Municipal: houve
coisas de que gostei e houve outras coisas. Gostei da arquitectura geral do
edifício e do salão azul (o dos banquetes que o Rei oferece aos nobelizados)
mas achei o painel do salão doirado uma pepineira atroz.
Dali partimos para a cidade velha.
Gostámos do que vimos e foi por lá que senti a História a passar
por nós.
E de quem me lembrei? Sobretudo da Rainha Cristina e de duas personalidades tão díspares como D. António Pimentel do Lago e de Descartes.
Cristina convidou Descartes para ensinar filosofia aos suecos na
condição de a ensinar a ela também. O ilustre filósofo tinha que rumar ao
palácio real logo pela manhãzinha e apanhou uma pneumonia que o levou para o
além…
D. António Pimentel do Lago, natural de Amarante, era o Embaixador
de Filipe IV de Espanha e III de Portugal junto da Coroa Sueca. Socialmente
conhecido por «O Amarante», o Embaixador teria encantos especiais por que a
Rainha se deixou seduzir mas, infelizmente, tuberculizou e morreu no regaço (ou
no leito?) de Sua Majestade. A dor de Cristina foi tal que fundou uma Ordem
Honorífica a que chamou «Stora
Amaranterorden» e a que nós chamamos «Grande
Ordem de Amarante». Trata-se ainda hoje da mais importante Ordem sueca.
E foi por isto tudo que me senti a passar. Gostei, claro!
Mas ficou tanto por ver na Suécia que só há uma solução: lá
voltar.
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário