quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Mamma mia!



Último texto das memórias de uma viagem à Suécia de Salles da Fonseca, recheado de fotos que o ilustram. Chegou por email com o subtítulo “Descartes e a Suécia”, que acrescenta dados de certa picardia e boa disposição a um texto de despedida, debruçado sobre aspectos genéricos e mundanos. O conjunto é encimado por um skate eléctrico de duas rodas e uma figura em cima, a significar o cansaço de um vasto passeio a pé pelos sítios de Estocolmo. Um texto malicioso e leve, para despedida de um passeio turístico de fazer inveja aos que vêem o mundo por imagens.

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 09.01.19 
Soubéramos nós que iríamos andar tanto a pé e teríamos arranjado segways (que já usámos noutras paragens) para visitar Estocolmo. Mas não o fizemos e ficámos com as solas dos pés gastas, as pernas doridas e um cansaço que subia das cruzes por ali acima até à base da consciência. Mas a nossa guia – portuguesa radicada na Suécia há mais de 40 anos – já não tinha idade para experimentar uma segway. E a ordem foi: - A butes, marche!
Cidade moderna onde foi antiga a ponto de que um turista menos expedito em questões históricas perguntou se Estocolmo tinha sofrido muito com a segunda guerra mundial. Nem queríamos acreditar no que ouvíamos e a guia teve que disfarçar e dizer que aquela modernidade na Vasagatan (Avenida Vasa) e adjacências resultava das demolições feitas para que se pudesse construir o metropolitano. E mais não disse para que o dito turista não continuasse a fazer a figura de urso que já começara a exibir com a pergunta inicial. Não era português.
Em Estocolmo, a modernidade vai da época pós-guerra até aos dias actuais com edifícios de arquitectura tal que me deixaram embasbacado – e eu até «já passei além da Taprobana».
Foi com algum detalhe que nos mostraram a Câmara Municipal: houve coisas de que gostei e houve outras coisas. Gostei da arquitectura geral do edifício e do salão azul (o dos banquetes que o Rei oferece aos nobelizados) mas achei o painel do salão doirado uma pepineira atroz. 
Dali partimos para a cidade velha.
Gostámos do que vimos e foi por lá que senti a História a passar por nós.
E de quem me lembrei? Sobretudo da Rainha Cristina e de duas personalidades tão díspares como D. António Pimentel do Lago e de Descartes.
Cristina convidou Descartes para ensinar filosofia aos suecos na condição de a ensinar a ela também. O ilustre filósofo tinha que rumar ao palácio real logo pela manhãzinha e apanhou uma pneumonia que o levou para o além…
 D. António Pimentel do Lago, natural de Amarante, era o Embaixador de Filipe IV de Espanha e III de Portugal junto da Coroa Sueca. Socialmente conhecido por «O Amarante», o Embaixador teria encantos especiais por que a Rainha se deixou seduzir mas, infelizmente, tuberculizou e morreu no regaço (ou no leito?) de Sua Majestade. A dor de Cristina foi tal que fundou uma Ordem Honorífica a que chamou «Stora Amaranterorden» e a que nós chamamos «Grande Ordem de Amarante». Trata-se ainda hoje da mais importante Ordem sueca.
E foi por isto tudo que me senti a passar. Gostei, claro!
Mas ficou tanto por ver na Suécia que só há uma solução: lá voltar.
FIM

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