sábado, 26 de janeiro de 2019

A vibratilidade que paira



Alberto Gonçalves reforça-a, como característica própria de alguns nomes próprios nossos, chamados a dar parecer, neste caso sobre o caso venezuelano. Discursos inúteis e vazios, no fundo indiferentes às tragédias alheias, como bastamente o demonstraram também outrora, no alarido das descolonizações que a tantos afectaram, como hoje aos venezuelanos e a tantos outros povos que ditadores expulsam, já não em holocaustos de extermínio, mas profundamente envilecedores, que o desprezo de uns sustenta e a falsa comiseração de outros acompanha em vibratilidade convencional, natural conquanto inócua, e que a verve de Alberto Gonçalves denuncia, em troça consciente dos “nossos”, obrigados a depor…
O que esperamos é que as coisas se recomponham, no caso da Venezuela, de preferência com mudança de chefe, mas a animalidade de muitos desses chefes é ponto assente, tal como o é a apetência desses e doutros pelas chefias. De toda a maneira, para nada servem os meus leigos augúrios, de participante segundo o lema do “homo sum”, embora não obrigatório, como o é para as chefias do convencionalismo e do politicamente correcto.

As reacções portuguesas à reacção dos venezuelanos, de A a J /premium
OBSERVADOR
Como todos os estadistas minúsculos, o dr. Costa é um enigma. Nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou no carácter.
A de António Guterres. De modo a evitar “um conflito que será um desastre para a população do país”, o eng. Guterres apela ao “diálogo”. Há muito que a população vive entre a opressão e a miséria, disputa comida com cães e, quando ganha, acaba a comer os cães, mas estas ligeirezas ainda não configuram um desastre no curioso entendimento do eng. Guterres. A tragédia só virá se, por cima da violência e da fome, escassear o “diálogo”. Relembro aos jovens, que abençoadamente desconhecem a figura, que antes de dialogar na ONU e até antes de dialogar com refugiados sortidos, o eng. Guterres passou uns anos a promover o “diálogo” em Portugal, exercício que terminou no famoso “pântano” e na famosa “retirada”. O homem é o equivalente político daquelas bonecas que sopravam bolhas de sabão e pediam: “Anda brincar comigo…” Em 1995 ou em 2019, não se pode dizer que o eng. Guterres não tem ideias firmes. Infelizmente, tem apenas uma. E não chega a ser ideia.
B de Belo Governo que nos apascenta. Pela voz do dr. Santos Silva, o governo acha que o tempo do sr. Maduro acabou. Pelos vistos, e por sorte, só acabou agorinha mesmo, o que permitiu que durante longos anos, sob o sr. Maduro ou sob o sr. Chavéz, os diversos governos que o dr. Santos Silva integrou pudessem anunciar sucessivas negociatas com o criminoso, perdão, irmão regime venezuelano, com benefícios óbvios para alguns cidadãos de lá e de cá. Cá, pelo menos, ninguém será julgado, figurativa ou literalmente.
C de Caramba que o dr. Rio possui imensa iniciativa. Questionado sobre a Venezuela, o dr. Rio, que detesta ser questionado sobre qualquer assunto, fez o que costuma fazer: imitar o governo e decretar que “o tempo de Maduro acabou”. Não satisfeito, acrescentou ser prematuro reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Aparentemente, o que o dr. Rio propõe para a Venezuela é o vazio. Bate certo.
D de Diacho que a dra. Ana Gomes é mulher de convicções. Para a eurodeputada (é isso, não é?), o socialismo não falhou na Venezuela porque o regime do sr. Maduro – e, presume-se, do orangotango anterior – nunca foi socialista. É um “argumento” recorrente. Sempre que a aplicação prática do socialismo resvala para a ignomínia, o que acontece em cerca de 100% dos casos, deixa de ser socialismo e transforma-se na ideologia antipática mais à mão. Quando o socialismo funciona, o que acontece em cerca de 0% das situações, constata-se que o socialismo não falha.
E de É preciso ter lata. Para os senhores e as senhoras do BE, o “chavismo” do sr. Maduro já não presta, embora não fique claro quando é que, após anos de veneração, deixou de prestar. Se certamente não foi quando o regime começou a censurar, prender e matar opositores, talvez tenha sido quando interrompeu (?) o financiamento de agremiações similares ao BE. Mesmo assim, e em homenagem aos louvores de antigamente, o BE mantém ressalvas, lembrando a “pressão política instrumentalizada de fora” (leia-se Trump e Bolsonaro), e explicando que “nem Maduro, nem Guaidó” possuem “legitimidade para estar à frente da Venezuela”. Defender o primeiro, nestes dias em que o BE decidiu fingir-se moderado e democrático, pareceria mal. Defender o segundo, de facto legitimado pelo voto e pela perseguição de assassinos, seria uma moderação exagerada.
F de Felizmente o PCP não desilude. Em pleno século XXI (linda expressão), os ingénuos ainda julgam apanhar os comunistas em falso, ao notar que estes, apesar disto e daquilo, apoiam ditaduras sanguinárias. Esqueçam o advérbio, meus caros: não há “apesar” nenhum. O PCP apoia ditaduras sanguinárias porque isso está na sua essência e, não sei se repararam, no seu nome. “O PCP condena com veemência a nova operação golpista orquestrada e comandada pelos EUA contra a Venezuela e o povo venezuelano”, reza um comunicado, sendo que “Venezuela” e “povo venezuelano”, em português, significam o conjunto de oligarcas e respectivos jagunços encarregues de ambientar os teimosos nas virtudes do leninismo. É método velho: à medida que a pedagogia vai eliminando os teimosos pela bala ou pela larica, o PCP exalta as conquistas revolucionárias e critica a América por perturbar o idílio.
G de Graças a Deus pelo jornalismo de referência. Na Sic Notícias, enquanto se exibe um “twit” do imperador da Bolívia (“Nuestra solidaridad con el pueblo venezolano y el hermano @NicolasMaduro, en estas horas decisivas en que las garras del imperialismo buscan nuevamente herir de muerte la democracia y autodeterminación de los pueblos de Sudamérica.”), um jornalista descobre, sem estranhar, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Pouco depois, um especialista em temas, Nuno Rogeiro, repete, também sem manifestar qualquer surpresa, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Eis a utilidade da informação televisiva nacional resumida em minutos. Não admira que os canais ocupem a maior parte do tempo a debater foras-de-jogo e penáltis.
H de Hossanas ao serviço público. A RTP, que como as demais televisões ignorou, anos a fio, a triunfante marcha bolivariana para a radical penúria, informa que as ruas venezuelanas estão cheias de multidões “contra o governo e a favor do governo”, sem especificar que a proporção será a dos adeptos de um Benfica-Riopele no estádio da Luz. Garanto que preferia dissolver notas em ácido clorídrico a pagar semelhante esgoto. Misteriosamente, porém, o Orçamento de Estado não permite a opção.
I de I o que disse o prof. Marcelo? Provavelmente, que espera que tudo corra pelo melhor e que é preciso apurar responsabilidades, doa a quem doer. Falando a sério, não sei, nem quero saber, o que disse o prof. Marcelo, personalidade que enfeita “selfies” e que um dia voou para Cuba a fim de conhecer Fidel. Há limites para a paciência.
J de Juro que não imagino o que sucederá na Venezuela. Gostava que as pessoas recuperassem a exacta liberdade que o socialismo suprimiu. E, por muito que desconfie de heróis, tendo a acreditar que Juan Guaidó será o homem adequado ao processo, não tanto pela decência dos que o apoiam, mas pela indecência dos que o contestam, assumida ou, pior, disfarçadamente.
Nota de rodapé
Sobre a “Quadratura do Círculo”, disse o dr. Costa em depoimento gravado: “a democracia exige um debate plural, inteligente e culto e foi isso que o programa tem sido [sic] ao longo destes anos”. Sobre os incidentes no Bairro da Jamaica, disse o dr. Costa em resposta à dra. Cristas: “deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno.” Como todos os estadistas minúsculos, o dr. Costa é um enigma. Nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou no carácter.ís
COMENTÁRIOS:
Ahfan Neca: De A a J apenas? E as restantes letras? Gostava de as ler para a semana. A sexta à noite prolonga-se sempre um pouco pelo Sábado para ler a crónica do AG. Sempre boa, bem escrita, inovadora, criativa. Um soco no estômago de uma sociedade mal-cheirosa. Fizeram de Portugal um país a caminho de ser uma bolivariana Venezuela. A coisa é ainda mais absurda quando vemos que o que nos segura de cairmos na bolivariana valeta é a UE e as suas regras que até mentirosos cumpulsivos acabam por ter de cumprir por não terem dinheiro para não cumprirem. Ainda acabamos por ter de agradecer ao Soares o ter-nos metido na UE. Estranha forma de vida, dizia a fadista..
ProtoTypical > Cipião Numantino (…): Não chega a ser tanga, uma vez que o sentido de humor pressupõe argúcia e clarividência - e todos sabemos o quão falta de arcaboiço intelectual é essa chusma. No limite, entrincheiram-se na certeza de que, reconhecendo o colapso do projecto Marxista, seriam obrigados a dissolver os seus partidos e, consequentemente, a arranjar emprego como qualquer outro cidadão. Ora, acredita que, de tão trapaceiros e parasitários, esses seres se encontram dispostos a abdicar de tão lautos pecúlios e tão diversas regalias? O meu caro o reconhece, a princípio, acerca da sinistra e racista personagem: «enfarda mensalmente cerca de 3.500 mocas à pala dos desgraçados mártires dos contribuintes sempre de calças na mão (...).» O resto explica-se pela inoperância - ou indiferença - do comum cidadão, que teima em não chamar a si a responsabilidade pelo seu destino (julgo que seja esse o motivo que, no seio da sociedade Portuguesa, mais continua a contribuir para sustentar o ideário da Esquerda).
A reacção de Santos Silva é sintomática do baixo nível da casta que nos (des)governa: não apenas pelo timing, mas ainda mais pelo oportunismo que lhe subjaz. Pronuncia-se agora e não antes, pois agora e não antes a queda de Maduro parece inevitável; como tal, o Governo Português procura lavar as mãos e ostentar uma face pró-Democracia (apesar de, no fundo, não a possuir). E pronuncia-se agora sem algum dia se ter pronunciado sobre o regime de Eduardo dos Santos, o que demonstra o quão cúmplice Santos Silva tem sido, ao longo dos anos, de alguns dos mais sanguinários modelos políticos em existência: como Eduardo dos Santos nunca tombou, o seu tempo nunca se esgotou verdadeiramente. Constata-se, assim, que Costa, Centeno e Santos Silva são criaturas intermutáveis e não mais do que várias faces de uma mesma moeda.
José Carlos Lourenço: Crónica imperdível, pela ironia ácida, forma e substância. E o enigma dirigido a Costa do "nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou no carácter", a propósito da cor da pele do sujeito, é a cereja no cimo do bolo. Talvez a cor da pele mais apropriada do estadista seja "cor de burro a fugir" !!  

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