Parece que a paridade entre
homens e mulheres do norte gélido se obteve porque as mulheres iam à luta, como
os homens. Devem ser civilizações superiores, habituadas ao frio que torna os
povos nórdicos mais aconchegados entre si, na igualdade, embora no tempo dos
troianos existissem também amazonas aguerridas lá pelo leste. O calor dilata os
corpos e às vezes impõe afastamentos, o que justifica tanto das quesílias entre
os casais do sul europeu. A história de Lagertha,
contada por Salles da Fonseca, difere bem das do sul, não há que ver, dos
Cavaleiros da Távola Redonda, machos aguerridos a lutar pelas damas ou também
pelo místico Graal. Mas as damas mais do sul impunham proezas aos seus cavaleiros,
sabiam-na toda, eles tinham que cometer façanhas para serem dignos do amor das
damas, em ideais de antigamente, que não deixam de ser apatetados no seu
requinte que tanto depuraram as damas francesas, pelo menos. O nascimento dos
filhos tudo transtorna nas questões amorosas, embora eu julgue que a paridade
se transmite, breve, a estes. Nós usamos demais a ternura e o estardalhaço
linguareiro, e as crianças em breve tomam o freio, na família e nas escolas. Será
do calor também. Mas penso que os nórdicos têm, de facto, uma compostura
diferente da nossa, que sempre atribuí ao facto de existirem por lá monarquias,
impondo princípios e melhor educação. Mas, brincadeiras à parte, de meias
verdades, talvez, grave é o sentido de “família” nos novos tempos, pelo menos cá pelo sul.
E o texto que segue Vikings 4, de Salles
da Fonseca - “A Família e o
Lucro”, de Domingos
Lopes dá bem a imagem da problemática social
sobre a condição da mulher, na igualdade que conquistou, como fonte de receita
e de menor presença familiar.
I - VIGINGS - 4
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 07.01.19
Lagertha
é o exemplo das mulheres que lutaram militarmente nas guerras dos
povos nórdicos, nomeadamente daqueles a que hoje chamamos suecos e que povoam largamente a mitologia nórdica. Diz quem sabe
que há mitos femininos presentes em documentos, textos e poesia de toda a
Escandinávia.
Nas lendas escandinavas, Lagertha é esposa do guerreiro viking
Ragnar Lothbrok, é skjaldmö (“donzela de escudo”),
participa em diversas batalhas, assume a liderança militar e chega a Duquesa. Segundo o «Gesta Danorum», livro do século XII sobre feitos
escandinavos na particularidade dinamarquesa, da autoria do historiador
medieval Saxo Grammaticus, Lagertha
era guerreira e reconhecida valquíria. A presença de mulheres
guerreiras na mitologia nórdica parece mesmo indicar que elas tinham uma
posição social mais destacada do que noutras sociedades antigas, nomeadamente
as meridionais então conhecidas.
A
civilização viking era envolta em grande misticismo, a começar pelo uso das
runas, alfabeto mágico dos povos germânicos e como tinham uma religiosidade
baseada em cultos, actos e rictos, mas não em dogmas, a cultura religiosa
sofreu mudanças após o domínio cristão. O cristianismo introduziu novos
conceitos religiosos e influenciou as fontes históricas pelo que talvez hoje
não consigamos conhecer mais do que uma versão «interpretada» (para não dizer
«deturpada») da realidade viking original.
Os
mitos, lendas e sagas nórdicas só foram escritos e, portanto, fixados
culturalmente, na era cristã durante o processo de consolidação dos reinos da
Dinamarca, Noruega e Suécia.
Viking era um ofício ligado a operações de guerra, pirataria e
comércio marítimo, constituindo uma pequena parcela da população, formada na
maioria por camponeses. O modelo feminino ficou, assim, com
aspectos conflituantes: de um lado, havia deusas vikings associadas a valores
guerreiros, de autossuficiência, de feminilidade e de feitiçaria enquanto do
outro lado havia a Virgem Maria como modelo de pureza, submissão e devoção à
família.
Diferentemente
do cristianismo, na cultura viking havia sacerdotisas que dirigiam rituais de
sacrifício e ritos de adoração aos deuses. De um
modo geral, a mulher integrava expedições colonizadoras, podia participar na
defesa armada em casos de ataque, tinha plenos direitos perante a sociedade
tais como acesso à propriedade, direito à herança do marido e podia tomar a
iniciativa do divórcio.
Em
resumo, a mulher viking lutava e, portanto, tinha os mesmos direitos que os
homens. Por aqui se vê a diferença com as sociedades meridionais cujo argumento
principal para aplicação da «Lei Sálica» era e ainda é o de a mulher, não
combatendo, não ter os mesmos direitos que o homem.
Eis
como as sociedades nórdicas sempre aproveitaram ao máximo as potencialidades de
todos os seus membros, homens e mulheres, enquanto nós, cá pelo Sul, seguíamos
(e os muçulmanos continuam a seguir) uma prática misógina, redutora das
potencialidades endógenas globais.
Não é por acaso nem por azar que uns são desenvolvidos e outros
continuam boçais.
(continua) Para conhecer um pouco da mitologia nórdica, ver, por exemplo, em
II - A Família e o lucro
O que vale é que todos estão preocupados
em defender a família… Só que uns colocam o lucro acima de tudo, mesmo falando
da defesa da família. O lucro é a família dos mercados.
DOMINGOS LOPES PÚBLICO, 4 de Janeiro de
2019,
No
ar arrasta-se ainda o que resta da quadra natalícia e, como sempre, nela a
família ocupa um espaço especial. É tradicionalmente o momento de invocação da
importância da defesa da família.
A noção da família não foi sempre a
mesma; a título de exemplo e para não recuar muito no tempo, na época do
morgadio era diferente da gerada pela revolução industrial, e igualmente
diferente da criada na globalização mundial.
Vale
a pergunta se nos nossos dias o que conta é a família na sua plenitude como se
defende ou haverá algo mais importante que a subordina.
A direita, no que toca à abordagem
deste tema, proclama a todos os ventos a importância quase sagrada da família.
A extrema-direita faz da família o alfa e o ómega. Bolsonaro, no discurso da tomada de posse, invocou a família a
granel e exaltou as suas virtudes.
A igreja coloca a vida familiar no supremo altar dos valores,
fazendo dela um núcleo essencial onde pretende apoiar-se, e daí a justificação
do seu combate ao aborto, ao divórcio e à eutanásia.
Na grande maioria destas abordagens
chocam as proclamações a favor da família e o modo como os diversos poderes
dominantes esvaziam as bases em que ela assenta.
O
mundo de hoje é marcado pela competição feroz em que o objectivo é garantir o
lucro máximo que não se compadece com os problemas familiares de diversa ordem,
tidos como menores face à magnitude da produção e da produtividade.
O
novo Deus, o mercado, exige devoção, devendo os empregados terem presente que para aquele posto de trabalho está em
fila de espera um vasto número de candidatos de mão estendida.
Com
esta nova divindade chegou também a ideia que há direitos a mais. Os direitos adquiridos fazem, entre outros,
dos funcionários públicos um bando de madraços, tornando-os ingratos, pois o
que querem é ganhar mais e trabalhar menos.
A exigência cada vez maior aos
trabalhadores por parte das entidades patronais não pode deixar de ter
repercussões na vida familiar e até na queda
da natalidade.
Se os horários de trabalho conjugados
com o tempo gasto na deslocação para o local do trabalho ocupam grande parte do
dia, a disponibilidade reduz-se a quase nada para a vida familiar que tende a
secar por falta de combustível. Se há filhos, passam a ser um pesado encargo.
A mulher
é vista do lado na empresa como um encargo por causa da gravidez e do
aleitamento.
A ideia de uma espécie de
disponibilidade permanente choca com a necessidade de guardar energias e
afectos para a vida em família. Se a sociedade vive em constante
aceleração criando com os avanços tecnológicos novas dependências, em vez de
libertações, os cidadãos estão a ser agrilhoados por estes novos avanços porque
se soltam os ventos negativos da globalização que querem nivelar quem trabalha pelo mais baixo da escada.
Se a tudo isto juntarmos a deslocalização dos portugueses para o
litoral, criando também graves problemas no domínio da habitação e no
congestionamento da vida urbana, então, para além da disponibilidade para o
emprego, há ainda a juntar as horas de vai e vem de casa para o local de
trabalho.
Fazer
filhos requer disponibilidade financeira e amor, o que nos tempos modernos só
dá nas telenovelas. O que vale é que todos estão preocupados em defender
a família… Só que uns colocam o lucro acima de tudo, mesmo falando da defesa da
família. O lucro é a família dos mercados.
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