segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Divagações e outras verdades


Parece que a paridade entre homens e mulheres do norte gélido se obteve porque as mulheres iam à luta, como os homens. Devem ser civilizações superiores, habituadas ao frio que torna os povos nórdicos mais aconchegados entre si, na igualdade, embora no tempo dos troianos existissem também amazonas aguerridas lá pelo leste. O calor dilata os corpos e às vezes impõe afastamentos, o que justifica tanto das quesílias entre os casais do sul europeu. A história de Lagertha, contada por Salles da Fonseca, difere bem das do sul, não há que ver, dos Cavaleiros da Távola Redonda, machos aguerridos a lutar pelas damas ou também pelo místico Graal. Mas as damas mais do sul impunham proezas aos seus cavaleiros, sabiam-na toda, eles tinham que cometer façanhas para serem dignos do amor das damas, em ideais de antigamente, que não deixam de ser apatetados no seu requinte que tanto depuraram as damas francesas, pelo menos. O nascimento dos filhos tudo transtorna nas questões amorosas, embora eu julgue que a paridade se transmite, breve, a estes. Nós usamos demais a ternura e o estardalhaço linguareiro, e as crianças em breve tomam o freio, na família e nas escolas. Será do calor também. Mas penso que os nórdicos têm, de facto, uma compostura diferente da nossa, que sempre atribuí ao facto de existirem por lá monarquias, impondo princípios e melhor educação. Mas, brincadeiras à parte, de meias verdades, talvez, grave é o sentido de “família” nos novos tempos, pelo menos cá pelo sul.
E o texto que segue Vikings 4, de Salles da Fonseca - A Família e o Lucro”, de Domingos Lopes dá bem a imagem da problemática social sobre a condição da mulher, na igualdade que conquistou, como fonte de receita e de menor presença familiar.
I - VIGINGS - 4
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA   A BEM DA NAÇÃO, 07.01.19
Lagertha é o exemplo das mulheres que lutaram militarmente nas guerras dos povos nórdicos, nomeadamente daqueles a que hoje chamamos suecos e que povoam largamente a mitologia nórdica. Diz quem sabe que há mitos femininos presentes em documentos, textos e poesia de toda a Escandinávia.
Nas lendas escandinavas, Lagertha é esposa do guerreiro viking Ragnar Lothbrok, é skjaldmö (“donzela de escudo”), participa em diversas batalhas, assume a liderança militar e chega a Duquesa. Segundo o «Gesta Danorum», livro do século XII sobre feitos escandinavos na particularidade dinamarquesa, da autoria do historiador medieval Saxo Grammaticus, Lagertha era guerreira e reconhecida valquíria. A presença de mulheres guerreiras na mitologia nórdica parece mesmo indicar que elas tinham uma posição social mais destacada do que noutras sociedades antigas, nomeadamente as meridionais então conhecidas.
A civilização viking era envolta em grande misticismo, a começar pelo uso das runas, alfabeto mágico dos povos germânicos e como tinham uma religiosidade baseada em cultos, actos e rictos, mas não em dogmas, a cultura religiosa sofreu mudanças após o domínio cristão. O cristianismo introduziu novos conceitos religiosos e influenciou as fontes históricas pelo que talvez hoje não consigamos conhecer mais do que uma versão «interpretada» (para não dizer «deturpada») da realidade viking original.
Os mitos, lendas e sagas nórdicas só foram escritos e, portanto, fixados culturalmente, na era cristã durante o processo de consolidação dos reinos da Dinamarca, Noruega e Suécia.
Viking era um ofício ligado a operações de guerra, pirataria e comércio marítimo, constituindo uma pequena parcela da população, formada na maioria por camponeses. O modelo feminino ficou, assim, com aspectos conflituantes: de um lado, havia deusas vikings associadas a valores guerreiros, de autossuficiência, de feminilidade e de feitiçaria enquanto do outro lado havia a Virgem Maria como modelo de pureza, submissão e devoção à família.
Diferentemente do cristianismo, na cultura viking havia sacerdotisas que dirigiam rituais de sacrifício e ritos de adoração aos deuses. De um modo geral, a mulher integrava expedições colonizadoras, podia participar na defesa armada em casos de ataque, tinha plenos direitos perante a sociedade tais como acesso à propriedade, direito à herança do marido e podia tomar a iniciativa do divórcio.
Em resumo, a mulher viking lutava e, portanto, tinha os mesmos direitos que os homens. Por aqui se vê a diferença com as sociedades meridionais cujo argumento principal para aplicação da «Lei Sálica» era e ainda é o de a mulher, não combatendo, não ter os mesmos direitos que o homem.
Eis como as sociedades nórdicas sempre aproveitaram ao máximo as potencialidades de todos os seus membros, homens e mulheres, enquanto nós, cá pelo Sul, seguíamos (e os muçulmanos continuam a seguir) uma prática misógina, redutora das potencialidades endógenas globais.
Não é por acaso nem por azar que uns são desenvolvidos e outros continuam boçais.
 (continua)    Para conhecer um pouco da mitologia nórdica, ver, por exemplo, em
II - A Família e o lucro
O que vale é que todos estão preocupados em defender a família… Só que uns colocam o lucro acima de tudo, mesmo falando da defesa da família. O lucro é a família dos mercados.
DOMINGOS LOPES            PÚBLICO, 4 de Janeiro de 2019,
No ar arrasta-se ainda o que resta da quadra natalícia e, como sempre, nela a família ocupa um espaço especial. É tradicionalmente o momento de invocação da importância da defesa da família.
A noção da família não foi sempre a mesma; a título de exemplo e para não recuar muito no tempo, na época do morgadio era diferente da gerada pela revolução industrial, e igualmente diferente da criada na globalização mundial.
Vale a pergunta se nos nossos dias o que conta é a família na sua plenitude como se defende ou haverá algo mais importante que a subordina.
A direita, no que toca à abordagem deste tema, proclama a todos os ventos a importância quase sagrada da família. A extrema-direita faz da família o alfa e o ómega. Bolsonaro, no discurso da tomada de posse, invocou a família a granel e exaltou as suas virtudes.
 A igreja coloca a vida familiar no supremo altar dos valores, fazendo dela um núcleo essencial onde pretende apoiar-se, e daí a justificação do seu combate ao aborto, ao divórcio e à eutanásia.
Na grande maioria destas abordagens chocam as proclamações a favor da família e o modo como os diversos poderes dominantes esvaziam as bases em que ela assenta.
O mundo de hoje é marcado pela competição feroz em que o objectivo é garantir o lucro máximo que não se compadece com os problemas familiares de diversa ordem, tidos como menores face à magnitude da produção e da produtividade.
O novo Deus, o mercado, exige devoção, devendo os empregados terem presente que para aquele posto de trabalho está em fila de espera um vasto número de candidatos de mão estendida.
Com esta nova divindade chegou também a ideia que há direitos a mais. Os direitos adquiridos fazem, entre outros, dos funcionários públicos um bando de madraços, tornando-os ingratos, pois o que querem é ganhar mais e trabalhar menos.
A exigência cada vez maior aos trabalhadores por parte das entidades patronais não pode deixar de ter repercussões na vida familiar e até na queda da natalidade.
Se os horários de trabalho conjugados com o tempo gasto na deslocação para o local do trabalho ocupam grande parte do dia, a disponibilidade reduz-se a quase nada para a vida familiar que tende a secar por falta de combustível. Se há filhos, passam a ser um pesado encargo.
A mulher é vista do lado na empresa como um encargo por causa da gravidez e do aleitamento.
A ideia de uma espécie de disponibilidade permanente choca com a necessidade de guardar energias e afectos para a vida em família. Se a sociedade vive em constante aceleração criando com os avanços tecnológicos novas dependências, em vez de libertações, os cidadãos estão a ser agrilhoados por estes novos avanços porque se soltam os ventos negativos da globalização que querem nivelar quem trabalha pelo mais baixo da escada.
Se a tudo isto juntarmos a deslocalização dos portugueses para o litoral, criando também graves problemas no domínio da habitação e no congestionamento da vida urbana, então, para além da disponibilidade para o emprego, há ainda a juntar as horas de vai e vem de casa para o local de trabalho.
Fazer filhos requer disponibilidade financeira e amor, o que nos tempos modernos só dá nas telenovelas. O que vale é que todos estão preocupados em defender a família… Só que uns colocam o lucro acima de tudo, mesmo falando da defesa da família. O lucro é a família dos mercados.



Nenhum comentário: