Três textos de diferente projecção,
o primeiro, de Salles da Fonseca, de cariz psicológico, que servirá, no caso
dos dois seguintes, para aferir de responsabilidades de figuras nacionais, na
condução de alguns destemperos ideológicos nossos ou de actuação política, não
fora a importância, de dimensão exógena, que rodeia os
detentores de poderes para opinar ou construir, sendo o seu valor, do domínio endógeno, afinal, talvez menos justificativo de uma real importância
para tomar posições ou decidir, artificiosamente – e ardilosamente – falseando os
dados. No caso de Saramago e Lobo Antunes, da crónica de António
Pinto de Mesquita, só, de facto, um arrojo atrevido de imodéstia e
pedantismo justificam a posição de unionismo ibérico, antipatriótica e talvez
interesseira, de alargar vaidosamente a sua própria projecção internacional,
para todos os efeitos, desprezível. No caso do governo de mentirinha de António Costa, da crónica de Alexandre
Homem Cristo, vamos estando calejados por essa determinação de informar
sobre projectos que se não efectuam, talvez por falta real de verba, mas
indiscutivelmente para alcançar dividendos pessoais de uma “importância”, que
não corresponde a um “valor” real.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 10.01.19
O
valor individual é um conceito endógeno,
de medida subjectiva pelo próprio na razão inversa da humildade, na razão directa da vaidade e tem carácter estruturante,
perene.
A
importância é exógena, de medida objectiva pelos
circundantes próximos ou longínquos, sem obrigatória relação directa com a
realidade, frequentemente caduca, raramente perene, medida na razão inversa da
inveja alheia e na razão directa dos favores esperados pelos observadores.
Como
seria a sociedade se o valor individual fosse reconhecido externamente e a
importância medida pelo próprio com humildade?
Não
tenho uma resposta curta para a questão assim definida, apenas posso concluir
que a ordem dos factores não é arbitrária e que a importância de cada um é
apenas a que os outros lhe atribuem.
II - PENÍNSULA
IBÉRICA
A Utopia de
Saramago e Lobo Antunes
ANTÓNIO PINTO DE
MESQUITA
OBSERVADOR, 8/1/2019
Antes Saramago, agora Lobo Antunes. Ambos idealizam uma União Ibérica à qual reajo com aversão, mas a
opinião de dois dos maiores nomes da literatura não deve ser liminarmente
rejeitada. O exercício da sua ponderação é, no mínimo, apropriado, podendo-se
retirar daí lições importantes.
Primeiro, devemos constatar que o nascimento do
moderno conceito de Estado-Nação veio rescrever os feitos até então realizados
na nossa comunidade, motivados pelos mais difusos interesses, numa
narrativa que visa dar especial enfoque à nacionalidade. Até aí não
bebíamos da visão nacionalista da nossa História que bebemos hoje, pelo que
esta União não seria de todo estranha.
Em segundo lugar devemos agradecer à sorte não estarmos já unidos. A
política de casamentos na Península mais se assemelharia a um jogo de roleta,
daí a legitimidade dinástica de Filipe I
invocada por Lobo Antunes. A governação da União Ibérica pelos Filipes
fez-se com o reconhecimento dos privilégios de Portugueses, promessas de
respeitar os seus foros e isenções, de nunca nos dar para governador senão um
nobre português ou um membro da família real, bem como a criação de um Conselho
de Portugal, de forma a assegurar a autonomia administrativa no âmbito da
União.
Não estamos hoje unidos
porque o monarca, depois de cá residir dois anos, regressou a Espanha e com
isso ter complexificado a promulgação de leis e a assinatura de documentos. A
carga fiscal imposta para financiamento do esforço bélico Espanhol e ainda o
facto de o último dos Filipes terminar com as regalias prometidas pelo
primeiro, praticamente transformando Portugal numa província Espanhola, ajudou ao descontentamento. Veja-se que, já
na altura, também se recorreu às fake news para inspirar um levantamento contra
esta política, através da crença Sebastianina,
pela qual se tentou transferir as profecias do regresso de D. Sebastião para D.
João, Duque de Bragança, como meio de reforçar a sua legitimidade dinástica.
O princípio da subsidiariedade, segundo o qual uma
autoridade central apenas intervém a título subsidiário em relação à autoridade
local, é a pedra angular de qualquer União. As Uniões falham quando esta falha, e a União Ibérica falhou quando a
autoridade central se distanciou da autoridade local, e quando, sob o pretexto
de interesses comuns à União, nos quais não nos revíamos, atuou em nosso
desfavor.
Mas Espanha é hoje o principal parceiro comercial de Portugal.
As entidades espanholas controlam mais de um quarto do sistema bancário de
Portugal. As cadeias de valor estão cada vez mais integradas, havendo muitos
centros de decisão comuns de sucesso, e ainda políticas que são melhor
prosseguidas em conjunto, como por exemplo as energéticas e ambientais. Então
porque continuamos separados?
O problema estaria mais uma vez na subsidiariedade. Muito dificilmente nós nos reveríamos no
que os Espanhóis tendem a ver como interesses comuns, ao ponto de abdicarmos
totalmente da soberania. Exemplo disso são os problemas que os próprios
Espanhóis enfrentam ao tentar compatibilizar os interesses das suas diversas
regiões.
A Península é um eficaz tubo
de ensaio para a União Europeia e as suas dificuldades em
compatibilizar interesses divergentes sem se desfigurar. O Brexit é um
sintoma dessas dificuldades e qualquer projecto de exército Europeu terá de
passar pelo mesmo crivo. Se
Lobo Antunes defende que a cozinha Catalã é a melhor, ele certamente não quer
que esta desapareça, e quem me tira os Rojões à Moda do Minho, tira-me tudo!
III - GOVERNO
O faz-de-conta /premium
OBSERVADOR, 7/1/2019
O governo promete, aloca verba mas lança
concursos públicos abaixo do preço de mercado, que ficam vazios. Incompetência?
É mais provável o contrário: eis uma forma hábil de controlar a despesa pública
Após três anos de governo PS
e com eleições daqui a 9 meses, as regras do debate político mudaram: por um
lado, a culpa do que está mal passou a ser de Costa;
por outro lado, a verdade começou a vir ao de cima, expondo
como o governo incumpriu sucessivamente as garantias e as promessas feitas. Mas
há mais: com o passar do tempo, ficou também exposta uma abordagem “faz-de-conta”, que consiste em
montar diligências (políticas e administrativas) para transmitir a aparência de
se estar a resolver um determinado problema – sendo entretanto evidente que o
problema ficará por resolver e que essas diligências apenas servem para que o
governo afirme estar em cima do acontecimento.
Um dos exemplos mais sofisticados desta abordagem “faz-de-conta” está
na Educação e na Parque Escolar. Para a requalificação das
escolas, que o ministério da Educação elegeu como prioritária e em relação à
qual tem feito inúmeras declarações de compromisso político, o governo tem lançado concursos públicos
financeiramente inviáveis e aos quais as empresas não apresentam propostas. Ou
seja, para além de promessas e anúncios de verbas, nada realmente acontece.
Veja-se o caso da Escola Alexandre Herculano, no Porto. Em
2011, havia um projecto de recuperação orçamentado em 14 milhões de euros –
investimento elevado que, no período de contenção financeira 2011-2015, foi
suspenso. Cinco anos depois, em 2016, o edifício estava ainda mais degradado.
E, no início de 2017, quando a escola teve de fechar brevemente por falta de
condições (chovia nas salas), e após desentendimentos entre o
Ministério e a Câmara Municipal do Porto (CMP),
o ministro da Educação garantiu que o assunto o preocupava desde a sua tomada
de posse e que era “agora preciso actuar”. Percebeu-se, então, que a
solução passaria por a CMP assistir o Ministério no processo (para se obter
fundos comunitários) e que o projecto havia sido revisto para menos de metade do orçamento original (entre
os 6 e os 7 milhões de euros), opção que desde logo foi assinalada por
especialistas como inviável num edifício com aquelas características: segundo eles, era “uma forma de não se fazer a
obra”. O tempo passou e só em Outubro de 2018 é que
o concurso público para a requalificação da escola foi finalmente lançado.
Mas, conforme os avisos previram quase dois anos antes, os resultados mostraram
que o novo projecto era mesmo inviável: nenhuma das 14 empresas interessadas
no concurso apresentou proposta– e várias assinalaram que o valor-base de 7 milhões era insuficiente
para a empreitada.
E agora? Agora volta-se à
estaca zero e a requalificação não avançará tão cedo.
Mas isso não impede que o ministro da Educação afirme que “a requalificação da Escola
Secundária Alexandre Herculano, no Porto, é uma prioridade para o Governo, conforme tem ficado demonstrado no
processo de articulação com a Câmara do Porto”. Ou
ainda que “trabalhará afincadamente”
para que a obra se inicie no mais breve prazo. Ou seja, a versão oficial é que o governo fez tudo ao seu alcance e que
continuará a fazê-lo em 2019. Só que esta versão oficial tem dois problemas. O
primeiro é que ignorou os avisos, em Janeiro de 2017, de que o novo
projecto de requalificação era financeiramente inviável e que mantê-lo
corresponderia, na prática, a garantir que a obra não seria feita.
O segundo é que este não é caso isolado, mas sim um modus
operandi: existem mais exemplos do mesmo procedimento de
suborçamentação das empreitadas, inviabilizando a requalificação de escolas.
Por exemplo, a requalificação do histórico
Liceu Camões foi, logo em 2016, considerada prioridade do governo.
Contudo, só em Junho de 2018 foi autorizado o
concurso público para a empreitada de 12 milhões de euros, que acabaria vazio,
pois nenhuma empresa apresentou propostas. Em Outubro de 2018, um novo
concurso foi lançado, com reforço de verbas para quase 14 milhões de euros, mas o resultado foi o mesmo,
pois a única proposta entregue ultrapassou o tecto orçamental e, por lei, tem
de ser excluída. Outro exemplo: o
concurso público para a requalificação
do Conservatório Nacional foi lançado em Junho de 2018 (9 milhões de
euros), ficou sem propostas, e foi relançado em Outubro de
2018 (10,5 milhões de euros) – de acordo com o DN, em Novembro, caminhava para ficar novamente
sem propostas. Ainda outro exemplo: na
escola António Arroio, as obras de conclusão da requalificação da escola
foram adiadas por desistência dos
empreiteiros – que afirmaram a verba alocada ser demasiado baixa – e,
neste momento, com concurso público aberto, receia-se que faltem empresas
interessadas.
Nestes últimos três anos,
não faltaram declarações do governo sobre o quão prioritárias eram as obras de
requalificação das escolas portuguesas, sobretudo no caso das mais icónicas e
degradadas. Também não faltaram anúncios pomposos de verbas alocadas para a
requalificação destas escolas, dando a ideia de que o governo tem efectivamente
encetado os esforços possíveis para que os edifícios escolares sejam
requalificados. O
que tem sucessivamente faltado é mesmo a requalificação dessas escolas,
bloqueada por concursos públicos lançados abaixo do preço do mercado e,
consequentemente, sem empresas candidatas.
Há sempre a hipótese de tudo não passar de uma duradoura e assombrosa
incompetência de quem, no governo, gere estes dossiers. Mas, reconheça-se, é
muito mais provável o contrário: esta é uma forma muito competente e hábil de
controlar a despesa pública (em nome da contenção orçamental) e, ao mesmo
tempo, criar a aparência de compromisso político na resolução das questões
através de processos administrativos inconsequentes. O problema é que, tal como
no ilusionismo, os melhores truques não se devem repetir com frequência – se
vistos muitas vezes, toda a gente percebe como é que está a ser enganada.
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