sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O jornalismo de opinião é outra loiça



Ainda bem que ele existe, o jornalismo de opinião, ganha-se uma sagacidade maior com os pontos de vista diversos, ainda que divergentes, de acordo com as ideologias, talvez, mas também com a formação moral e literária de quem escreve. Se um jornal fosse apenas um depósito de informação seco e rígido, jamais os leitores poderiam neles rever uma formação política que permitisse uma escolha. Não se trata de zurzir no parceiro, mas um jornalismo de informação/opinião, se for ordenado de acordo com uma preparação literária que permita abranger vários espaços informativos, tornam-se um prazer de leitura e enriquecimento cultural. Quando leio as crónicas de Clara Ferreira Alves, por exemplo, fico com pena de as não poder guardar no meu blog, de tal modo é brilhante, contundente, sabedora e experiente dos assuntos que transmite. São autênticas peças de arte literária, que informam, historiam e ponderam, ainda que por vezes se discorde dos seus pareceres de um sectarismo esmorecido já, mas inegavelmente esclarecido. E sobretudo literário, que nos apraz conhecer. E tantos outros escritos de autênticos escritores que os jornais nos fornecem e que definem uma época democrática e livre de exprimir as opiniões próprias, com maior ou menor qualidade, é certo, mas são bastantes ainda, esses escritores de qualidade, que, tal como o seu antepassado cronista, visam “a clara certidom da verdade”,  não deixando, todavia, de transmitir rigor na observação dos factos. Benditos os jornais que no-los fornecem, os jornalistas de opinião, sendo Pacheco Pereira um destes, que esclarece e não deixa de zurzir, e talvez, nem sempre com razão, mas com “parti pris” e uma consciência orgulhosa do valor da sua opinião rigorosamente ilustrada.
OPINIÃO
No jornalismo o mais importante é a informação
Com a escassez de pessoas e o pouco trabalho de equipa, a feudalização e o mandarinato, os jornais são sucessões de opiniões com muito pouca informação por trás.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 12 de Janeiro de 2019
Um dos problemas do jornalismo contemporâneo português é a sua pouca atenção à informação e a sua substituição pela opinião. A opinião é um elemento importante do tecido democrático que estende pelo espaço público o debate, mas não substitui a informação, o velho programa do jornalismo de “quem, o quê, quando, onde, porquê e como”. Ora o que se está a passar é uma contínua degradação da informação e, pior do que isso, da “vontade de informar”, em detrimento de uma informação opinativa, uma forma de “narrativa” que envolve subjectivamente o seu autor naquilo que relata, e o prende a uma sucessão de opiniões e a uma escassez ou deturpação de informações.
Já tenho várias vezes denunciado esse processo que se tem acentuado à medida que as redacções se tornam mais desertificadas, mais hierarquizadas e mais feudalizadas. E é um processo mais grave na imprensa de referência. Quem cobre um partido, ou uma área da cultura, ou do espectáculo, ou uma manifestação de rua, é hoje pouco mais do que um jornalista ou dois, e muito menos uma equipa, mesmo nos grandes jornais. Esse(s) jornalista(s) é (são) “especializado(s)” num assunto, o que em si é positivo, mas detêm o controlo da “narrativa” sobre esse assunto, o que é mau. Isto soma-se ao efeito do “jornalismo de rebanho” que isola as opiniões solitárias e tende a uniformizar o produto final, e a diminuir o pluralismo.
São eles também que falam com as “fontes”, muitas delas abusivamente anónimas, e com todos os problemas que essa relação tem, havendo quase sempre uma espécie de tradoff entre jornalista e "fonte". E não adianta rasgar as vestes porque toda a gente sabe que é assim, a que acresce a relação muito menos transparente com as agências de comunicação. Ainda me estão por explicar por que razão quando uma empresa, um escritório de advogados, uma consultora, paga a uma agência de comunicação consegue “colocar” as sua notícias e quem não tem ou não paga o serviço, não consegue publicar nada, independentemente do seu valor informativo. Os casos mais evidentes são as páginas especializadas, por exemplo, do jornalismo económico.
Existe jornalismo tendencioso por simpatia política, mas nem sequer é disso que estou a falar, embora o produto final possa caber nessa categoria. Um exemplo, do falhanço de informação, que neste caso não cumpriu a obrigação de informar, foi o completo desconhecimento na campanha eleitoral brasileira para as presidenciais em Portugal, de que havia uma forte simpatia a favor de Bolsonaro, que depois se revelou nas urnas. Os nossos jornais dedicaram muito mais atenção ao PT, nem sequer se interessando por um fenómeno também nacional.
Mas voltando à feudalização crescente nos jornais - o jornalista A “manda” no que se publica sobre a Europa, o B sobre a crítica de livros, o C sobre o PS, etc. - e condiciona a “narrativa” sobre essa matéria, e nesse caso acaba por ser envolvido no que escreve. Se diz que um autor ou um artista são muito bons, muito dificilmente dirá que são maus, mesmo que as suas obras futuras sejam de inferior qualidade. O mesmo se passa com a apreciação das pessoas em que factores de simpatia ou antipatia são inevitáveis e acabam por condicionar a “narrativa”.
O que acontece é que se algum facto ou actuação colocar em causa a apreciação jornalística, quem fica em causa é também o jornalista, porque algures cometeu um erro de julgamento ou de apreciação, ou porque se envolveu tanto com uma opinião pessoal ou de grupo, que não pode, consegue ou deseja sair desse casulo em que se meteu. E é por isso que as “narrativas” não mudam, porque há uma resistência psicológica à mudança, quando ela põe em causa todo um perfil, toda uma série de apreciações, toda uma sucessão de opiniões. É por isso quando alguém é bom, ou esperto, ou hábil, ou responsável, fica sempre assim, porque não são os factos que mandam, mas o julgamento opinativo do jornalista. E quem é mau, ignorante, desleixado, incompetente, fica também sempre assim, pelas mesmas razões.
Com a solidificação da “narrativa”, os factos deixam de contar porque ou são híper-valorizados para acentuar uma opinião, ou são ignorados se se tornam “factos incómodos”, porque colocam em causa a apreciação que o jornalista tem feito, nalguns casos de há muito tempo para cá. Não é difícil fazer uma lista de amizades, ódios, gostos e desgostos, em que se percebe bem demais a simpatia ou a antipatia em todas as áreas do jornalismo. Com a escassez de pessoas e o pouco trabalho de equipa, a feudalização e o mandarinato, os jornais são sucessões de opiniões com muito pouca informação por trás. No caso dos jornalistas individuais, isto pode ser psicologicamente compreensível, mas é mau jornalismo.
Colunista

COMENTÁRIOS:
nelson  Portela-Loures 12.01.2019: No jornalismo o mais importante é a informação, mas para isso é preciso independência. Para a independência é preciso uma estrutura accionista ligada à actividade jornalística, com núcleo interior que personifique o próprio percurso histórico dos meios de comunicação. No terreno é preciso montar uma rede de correspondentes e, paralelamente, o enviado especial tem um papel determinante para observar in loco o foco da notícia. É assim que todos os jornais internacionais de qualidade sobreviveram à crise. No caso do "Público" sabem-se as limitações accionistas e a procura de redução de perdócios nos últimos anos. Portanto, este artigo, quanto à generalidade dos jornais portugueses, não analisa estas questões.
Fernando Costa, Lisboa 12.01.2019: Tenho para mim que se é um bom jornalista quando ficamos a conhecer os factos mas desconhecemos o que o jornalista pensa deles. Hoje em dia, regra geral, acontece exactamente o contrário.
JOSE GUSMAO, 12.01.2019 : Excelente "Opinião". Ao ler, me vejo lendo e assistindo programas jornalísticos aqui no Brasil.
Joao, Portugal 12.01.2019: Absolutamente. Os factos ou são hiper-ventilados com tal intensidade que se transformam em mentiras, ou são ignorados e omitidos. Para mim o mais criminoso é este último, a omissão. A omissão dos factos que contrariam e desmascaram a narrativa oficial é mais fácil, de desculpa fácil, e é usada exaustivamente e silenciosamente na manipulação criminosa, quer dos media de "referência", quer dos investigadores e juízes, aliás como hoje aqui há mais um exemplo.
bento guerra, 12.01.2019:  O jornalismo é uma das profissões que me merece menos consideração e devia ser ao contrário. Passaram do "4º poder" de conteúdos para o poder pela "forma", onde vale tudo, na competição por audiências
nunos,  cotovia 12.01.2019: O chamado "jornalismo de nicho". Exemplos: o racismo, a igualdade de género, a agenda LGB, os imigrantes e que parte do principio de que o povo português, até prova em contrário, é racista, machista, preconceituoso e xenófobo.


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