Ainda bem que ele existe, o jornalismo
de opinião, ganha-se uma sagacidade maior com os pontos de vista diversos,
ainda que divergentes, de acordo com as ideologias, talvez, mas também com a
formação moral e literária de quem escreve. Se um jornal fosse apenas um
depósito de informação seco e rígido, jamais os leitores poderiam neles rever
uma formação política que permitisse uma escolha. Não se trata de zurzir no
parceiro, mas um jornalismo de informação/opinião, se for ordenado de acordo
com uma preparação literária que permita abranger vários espaços informativos,
tornam-se um prazer de leitura e enriquecimento cultural. Quando leio as
crónicas de Clara Ferreira Alves, por exemplo, fico com pena de as não poder
guardar no meu blog, de tal modo é brilhante, contundente, sabedora e
experiente dos assuntos que transmite. São autênticas peças de arte literária,
que informam, historiam e ponderam, ainda que por vezes se discorde dos seus
pareceres de um sectarismo esmorecido já, mas inegavelmente esclarecido. E sobretudo
literário, que nos apraz conhecer. E tantos outros escritos de autênticos
escritores que os jornais nos fornecem e que definem uma época democrática e livre
de exprimir as opiniões próprias, com maior ou menor qualidade, é certo, mas
são bastantes ainda, esses escritores de qualidade, que, tal como o seu
antepassado cronista, visam “a clara certidom da verdade”, não deixando, todavia, de transmitir rigor na
observação dos factos. Benditos os jornais que no-los fornecem, os jornalistas
de opinião, sendo Pacheco Pereira um destes, que esclarece e não deixa de zurzir,
e talvez, nem sempre com razão, mas com “parti pris” e uma consciência
orgulhosa do valor da sua opinião rigorosamente ilustrada.
OPINIÃO
No jornalismo o mais importante é a
informação
Com a escassez de pessoas e o pouco
trabalho de equipa, a feudalização e o mandarinato, os jornais são sucessões de
opiniões com muito pouca informação por trás.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 12 de Janeiro de 2019
Um dos problemas do jornalismo
contemporâneo português é a sua pouca atenção à informação e a sua substituição
pela opinião. A opinião é
um elemento importante do tecido democrático que estende pelo espaço público o
debate, mas não substitui a informação, o velho programa do jornalismo
de “quem, o quê, quando, onde, porquê e como”. Ora o que se está a
passar é uma contínua degradação da informação e, pior do que isso, da “vontade
de informar”, em detrimento de uma informação opinativa, uma forma de
“narrativa” que envolve subjectivamente o seu autor naquilo que relata, e o
prende a uma sucessão de opiniões e a uma escassez ou deturpação de informações.
Já
tenho várias vezes denunciado esse processo que se tem acentuado à medida que
as redacções se tornam mais desertificadas, mais hierarquizadas e mais
feudalizadas. E é um processo mais grave na imprensa de referência. Quem cobre
um partido, ou uma área da cultura, ou do espectáculo, ou uma manifestação de
rua, é hoje pouco mais do que um jornalista ou dois, e muito menos uma equipa,
mesmo nos grandes jornais. Esse(s) jornalista(s) é (são) “especializado(s)”
num assunto, o que em si é positivo, mas detêm o controlo da “narrativa” sobre
esse assunto, o que é mau. Isto soma-se ao efeito do “jornalismo de
rebanho” que isola as opiniões solitárias e tende a uniformizar o produto
final, e a diminuir o pluralismo.
São
eles também que falam com as “fontes”, muitas delas abusivamente anónimas, e
com todos os problemas que essa relação tem, havendo quase sempre uma espécie
de tradoff entre jornalista e "fonte". E não adianta rasgar as vestes porque toda a
gente sabe que é assim, a que acresce a relação muito menos transparente com as
agências de comunicação. Ainda me estão por explicar por que razão quando
uma empresa, um escritório de advogados, uma consultora, paga a uma agência de
comunicação consegue “colocar” as sua notícias e quem não tem ou não paga o
serviço, não consegue publicar nada, independentemente do seu valor
informativo. Os casos mais evidentes são as páginas especializadas, por
exemplo, do jornalismo económico.
Existe
jornalismo tendencioso por simpatia política, mas nem sequer é disso que estou
a falar, embora o produto final possa caber nessa categoria. Um exemplo, do falhanço de informação, que
neste caso não cumpriu a obrigação de informar, foi o completo
desconhecimento na campanha eleitoral brasileira para as presidenciais em
Portugal, de que havia uma forte simpatia a favor de Bolsonaro, que depois se
revelou nas urnas. Os nossos jornais dedicaram muito mais atenção ao PT, nem
sequer se interessando por um fenómeno também nacional.
Mas
voltando à feudalização crescente nos jornais - o jornalista A “manda” no que
se publica sobre a Europa, o B sobre a crítica de livros, o C sobre o PS, etc.
- e condiciona a “narrativa” sobre essa matéria, e nesse caso acaba por ser
envolvido no que escreve. Se diz que um autor ou um artista são muito bons, muito
dificilmente dirá que são maus, mesmo que as suas obras futuras sejam de
inferior qualidade. O mesmo se passa com a apreciação das pessoas em que
factores de simpatia ou antipatia são inevitáveis e acabam por condicionar a
“narrativa”.
O
que acontece é que se algum facto ou actuação colocar em causa a apreciação
jornalística, quem fica em causa é também o jornalista, porque algures cometeu
um erro de julgamento ou de apreciação, ou porque se envolveu tanto com uma
opinião pessoal ou de grupo, que não pode, consegue ou deseja sair desse casulo
em que se meteu. E é por isso que as “narrativas” não mudam, porque há uma
resistência psicológica à mudança, quando ela põe em causa todo um perfil, toda
uma série de apreciações, toda uma sucessão de opiniões. É por isso quando
alguém é bom, ou esperto, ou hábil, ou responsável, fica sempre assim, porque
não são os factos que mandam, mas o julgamento opinativo do jornalista.
E quem é mau, ignorante, desleixado, incompetente, fica também sempre assim,
pelas mesmas razões.
Com
a solidificação da “narrativa”, os factos deixam de contar porque ou são
híper-valorizados para acentuar uma opinião, ou são ignorados se se tornam
“factos incómodos”, porque colocam em causa a apreciação que o jornalista tem
feito, nalguns casos de há muito tempo para cá. Não é difícil fazer uma
lista de amizades, ódios, gostos e desgostos, em que se percebe bem demais a
simpatia ou a antipatia em todas as áreas do jornalismo. Com a escassez de pessoas e o pouco trabalho de
equipa, a feudalização e o mandarinato, os jornais são sucessões de opiniões
com muito pouca informação por trás. No caso dos jornalistas individuais, isto
pode ser psicologicamente compreensível, mas é mau jornalismo.
Colunista
COMENTÁRIOS:
nelson Portela-Loures 12.01.2019: No jornalismo o mais importante é a informação, mas
para isso é preciso independência.
Para a independência é preciso uma estrutura accionista ligada à actividade
jornalística, com núcleo interior que personifique o próprio percurso histórico
dos meios de comunicação. No terreno é preciso montar uma rede de
correspondentes e, paralelamente, o enviado especial tem um papel determinante
para observar in loco o foco da notícia. É assim que todos os jornais
internacionais de qualidade sobreviveram à crise. No caso do
"Público" sabem-se as limitações accionistas e a procura de redução
de perdócios nos últimos anos. Portanto, este artigo, quanto à generalidade dos
jornais portugueses, não analisa estas questões.
Fernando Costa, Lisboa 12.01.2019: Tenho para mim que se é um bom jornalista quando
ficamos a conhecer os factos mas desconhecemos o que o jornalista pensa deles.
Hoje em dia, regra geral, acontece exactamente o contrário.
JOSE GUSMAO, 12.01.2019 : Excelente "Opinião". Ao ler, me vejo lendo
e assistindo programas jornalísticos aqui no Brasil.
Joao, Portugal 12.01.2019:
Absolutamente. Os factos ou são
hiper-ventilados com tal intensidade que se transformam em mentiras, ou são
ignorados e omitidos. Para mim o mais criminoso é este último, a omissão.
A omissão dos factos que contrariam e desmascaram a narrativa oficial é mais
fácil, de desculpa fácil, e é usada exaustivamente e silenciosamente na
manipulação criminosa, quer dos media de "referência", quer dos
investigadores e juízes, aliás como hoje aqui há mais um exemplo.
bento guerra, 12.01.2019: O jornalismo é
uma das profissões que me merece menos consideração e devia ser ao contrário. Passaram
do "4º poder" de conteúdos para o poder pela "forma", onde
vale tudo, na competição por audiências
nunos, cotovia 12.01.2019: O chamado "jornalismo de nicho".
Exemplos: o racismo, a igualdade de género, a agenda LGB, os imigrantes e que
parte do principio de que o povo português, até prova em contrário, é racista,
machista, preconceituoso e xenófobo.
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