quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Por causa de um livro


Livro sobre Leonardo Bernstein, de Barry Seldes que Salles da Fonseca apresenta, cuidadosamente, como leitura de interesse, e que, por ter assumido um tom de crítica política, me fez procurar na Internet dados sobre Bernstein, escutando igualmente concertos seus no YouTube. Para lá de ter composto as inesquecíveis músicas do musical West Side Story, li, nas minhas pesquisas, que também compôs para “Há Lodo no Cais”, filme marcante para mim, naqueles anos de Lourenço Marques, como igualmente o seria “West Side Story”, que revi cá.
Mas são dados do envolvimento político que refere Salles da Fonseca, e fui igualmente pesquisar na sacrossanta Internet, esteio dos leigos, e o que li não traduz a mesma visão negativa que se colhe, ao que parece, da leitura do livro de Barry Seldes. Pelo contrário, o seu pensamento de esquerda pareceu-me muito moderado, razão por que transcrevo igualmente da Internet um texto sobre a sua orientação ideológica, que aqui aparece como perfeitamente justa e equilibrada. Fiquei sem entender a zanga de Salles da Fonseca.

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  23.01.19
Título – LEONARD BERNSTEIN
Autor – Barry Seldes
Editora – Bizâncio
Edição – 1ª, Outubro de 2010
* * *
1 - Conceitos relevantes (que fui buscar à Wikipédia) para se perceber um dos tipos de questões que interessavam a Bernstein:
Música tonal - é toda a música que apresenta uma tonalidade definida, ou seja, uma hierarquia entre as notas utilizadas, girando em torno de uma principal;
Música atonal - é a música desprovida de um centro tonal, ou principal, não tendo, portanto, uma tonalidade preponderante;
Dodecafonismo - as 12 notas da escala cromática são tratadas como equivalentes, ou seja, sujeitas a uma relação ordenada e não hierárquica. As notas são organizadas em grupos de doze notas denominados séries as quais podem ser usadas de quatro diferentes maneiras; 1) série original, 2) série retrógrada (a série original tocada de trás para a frente), 3) série invertida (a série original com os intervalos invertidos) e 4) retrógrado da inversão (a série invertida tocada de trás para a frente). - Todo o material utilizado numa composição dodecafónica, seja melódico (estruturas horizontais) ou harmónico (estruturas verticais), deve ter origem na série.
2 - Mas ele interessava-se também por outros tipos de assuntos. Por exemplo, pela política. E, neste aspecto, foi para mim uma surpresa ao ficar a sabê-lo da esquerda mais activa nos EUA, a ponto de em tempos ter pertencido ao Partido Comunista da América – o que conseguiu encobrir nas várias investigações de que foi alvo ao longo da vida pelas autoridades da segurança interna, nomeadamente o FBI e comissões constituídas nos tempos da «caça às bruxas» de McArthur.
Nesta matéria, aliás, o livro é muito detalhado pois parece que o respectivo Autor, Barry Seldes, se não é militante dessas bandas, imita muito bem, tal a militância que ele próprio exala ao longo de toda a obra.
Contudo, musicalmente, Bernstein era conservador pois sempre alinhou pela música tonal e guerreou a atonalidade dos compositores mais reactivos contra Hitler, Mussolini e outros ditadores que tais. Mais: defendia a tese de que a música tonal, melodiosa e harmónica, é natural no ser humano e que a atonal só se percebe como reacção contra situações que se pretende denunciar.
Nós, leigos, conhecemos o West Side Story como a sua obra mais importante mas, afinal, ele tem outras que passaram com maior ou menor êxito pela Broadway e por diversas salas de concerto nas Américas e na Europa. Mas ficou por criar aquela «obra maior» que ele tanto tentou compor e nunca conseguiu. Porquê? Porque «quem muitos burrinhos toca, algum fica para trás». Actividade política por paixão (a causa israelita também o ocupou muito) e regência de orquestras por vocação e necessidades monetárias, não lhe deixaram tempo para a composição mais profunda e ficou-se por obras que ele próprio acabou por considerar menores.
Enfim, um personagem controverso em muitos aspectos da vida – a que o livro se refere amiúde - só recebendo louvores unânimes na divulgação musical e no brilhantismo das suas interpretações.
Para mim, reconheço com tristeza, foi um ícone que se desequilibrou do pedestal e quase caiu.

II - As minhas pesquisas na Internet:
1 - VIVA LEONARDO BERNSTEIN
JOÃO LOPES
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 25 Agosto 2018 
Da sinfonia à ópera, da televisão ao cinema, Leonard Bernstein é uma figura tutelar da música do século XX - nasceu no dia 25 de agosto de 1918, faz este sábado 100 anos
De que falamos quando falamos de Leonard Bernstein? Neste dia em que celebramos o seu centenário - nasceu a 15 de agosto de 1918, em Lawrence, Massachusetts -, valerá a pena recordar, antes do mais, a sua dimensão de pedagogo. Ele é, afinal, a figura carismática dos "Concertos para Jovens", realizados no Lincoln Center, em Nova Iorque, emitidos pela CBS no período 1958-1972 (e matéria de aprendizagem e fascínio para muitos adolescentes de todo o mundo, incluindo Portugal, através da RTP). Eis um exemplo: primeira parte do programa emitido a 6 de Novembro de 1964, dedicado às sonatas.
A condição de maestro (sem esquecer os seus dotes de pianista) será, sem dúvida, um elemento essencial para enquadrar a pluralidade do seu próprio trabalho enquanto compositor. Falecido em 1990, contava 72 anos, Bernstein deixou, de facto, uma obra imensa em que coexistem as matrizes mais "tradicionais" como a sinfonia, a ópera ou o bailado, a par de admiráveis "desvios" pelo teatro da Broadway ou as bandas sonoras cinematográficas (site oficial).

No domínio operático, Candide, inspirado na personagem de Voltaire, será, por certo, uma das suas composições mais famosas (a sátira filosófica de Voltaire, celebrando o prazer utópico do conhecimento face às atribulações do mundo real, foi publicada em 1759). Depois da estreia, em 1956, o libretto foi várias vezes revisto, tal como a música, tendo Bernstein estabelecido a "versão final" em 1989. Num registo desse ano, eis a abertura, com o autor a dirigir a London Sympnhony Orchestra. (*)
A sua relação com o cinema nem sempre será tão lembrada, quanto mais não seja pelo reduzido número de filmes em que esteve envolvido. Não mais de três, na verdade. No primeiro, Um Dia em Nova Iorque (1949), de Stanley Donen e Gene Kelly, foram usados apenas alguns dos seus temas, originalmente compostos para o musical On the Town, estreado na Broadway em 1944. Os dois outros são clássicos absolutos: Há Lodo no Cais (1954), de Elia Kazan, e West Side Story (1961), de Robert Wise e Jerome Robbins. Eis uma cena emblemática de Há Lodo no Cais, com a música de Bernstein a envolver Marlon Brando e Eva Marie Saint. (*)
West Side Story persiste como uma referência incontornável na história do género musical, sendo mesmo por vezes encarado como uma espécie de "ponto final" na idade de ouro do género. De um ponto de vista simbólico, a sua actualidade é tanto maior quanto nele se celebra uma América capaz de integrar os contrastes e contradições de uma população de muitas origens geográficas e culturais - por alguma razão, Steven Spielberg está a trabalhar num "remake" de West Side Story (ainda sem data de lançamento). Celebrando Bernstein e as muitas maravilhas da sua herança artística, vale a pena revermos a cena da canção "America", além do mais um pequeno prodígio coreográfico.

Anotações:
a)- Uma experiência arrebatadora com um dos filmes mais icónicos da história do cinema, vencedor de oito Óscares da Academia incluindo o de Melhor Filme. A Orquestra Sinfónica toca ao vivo a electrizante partitura de Leonard Bernstein, acompanhando a projecção do filme no grande ecrã, numa nova masterização em alta definição com os diálogos originais intactos. A tragédia romântica On The Waterfront (Há Lodo no Cais), um clássico intemporal realizado por Elia Kazan com argumento de Budd Schulberg e produção de Sam Spiegel, conta com as participações memoráveis de Marlon Brando, Karl Malden, Lee J. Cobb, Rod Steiger, Pat Henning e Eva Marie Saint – naquele que foi o seu primeiro papel cinematográfico – e uma magnífica banda sonora que permanece no repertório das orquestras sinfónicas de todo o mundo.

b) - West Side Story é um musical (dirigido por Robert Wise).com libreto Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim. É inspirado por Romeu e Julieta de William Shakespeare.

2 – Envolvimento político:
Alguns dos aspectos importantes apresentados por Bernstein:
Critica a doutrina do materialismo histórico ao considerar que há outros factores para além dos económicos que determinam os fenómenos sociais.
Critica as teses dialécticas por não conseguirem explicar todas as mudanças em organismos complexos, como as sociedades humanas.
Coloca também em causa as "leis" da inevitabilidade da concentração capitalista e do empobrecimento crescente do proletariado (aliás, provou com estatísticas que a situação económica do proletariado e o seu poder de compra vinham a melhorar, bem como começava a haver trabalhadores a tornarem-se proprietários aumentando assim a classe média).
Portanto, ataca a ideia da inevitabilidade histórica do socialismo por motivos económicos: o socialismo chegaria mais tarde ou mais cedo, sim, mas por motivos morais, por ser o sistema político mais justo e solidário.
E critica a ideia da existência de apenas duas classes sociais, uma opressora e uma oprimida, reivindicando a existência de várias classes interligadas e de um interesse nacional superior.
Em alternativa às teses marxistas que criticava, Bernstein defendia a melhoria gradual e constante das condições de vida dos trabalhadores (dar-lhes meios para ascender à classe média), tinha dúvidas quanto à necessidade de nacionalizações em massa de empresas e recusava a via da violência revolucionária para atingir o socialismo (como o socialismo era inevitável por motivos morais, não era necessário derramar sangue por ele − acabaria por chegar um dia).
Criticas recebidas
Foi o principal teórico marxista combatido pelos socialistas revolucionários, com Rosa Luxemburgo que condenou o Socialismo Evolutivo de Bernstein em seu ensaio Reforma ou Revolução? publicado em 1900. Na prática, a força da corrente reformista continuou a ter grande penetração nos grandes movimentos organizados.



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