É como o comentador Jacob van der
Sluis define esta análise de Teresa de Sousa “Cinco
retratos (incompletos) do Conselho Europeu”. Talvez o seja,
o meu saber político é muito mais que frugal, praticamente insignificante, pelo
que a tentativa da jornalista de nos esclarecer com uma argumentação sequente
dos factos, estabelecendo paralelos com as outras cimeiras e reflectindo, por
vezes, a sua subjectividade crítica, para mim foi bastante expressiva, pelo que
agradeço à sua autora a lucidez dos seus pontos de vista, de reflexão crítica. Jacob van der
Sluis defende, naturalmente, o seu estatuto de pertencente
aos países da frugalidade e da desenvoltura altiva, e retribui uma ou outra
alfinetada da jornalista portuguesa com o prego a fundo da sua fria
superioridade nortenha, incomodado, talvez, pelo destaque atribuído ao papel
humano de Merkel - e Macron - nessa cimeira.
ANÁLISE
Cinco retratos (incompletos) do Conselho Europeu,
A táctica que os “frugais” levaram
para a cimeira passava por abrir fogo contra Paris e Berlim e tentar a todo o
custo dividir os outros.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 21 de
Julho de 2020,
Um acordo histórico. O adjectivo é totalmente merecido. Em dois
meses a União Europeia conseguiu ir mais longe do que nos últimos dez anos. Talvez porque a capacidade destruidora desta crise
deixa as anteriores a larga distância. Quebraram-se vários tabus. O volume do plano de recuperação, no seu conjunto, é
impressionante – 1,8 biliões, dos quais 750 mil
milhões são para financiar a reconstrução económica e social nos próximos três
anos, dos quais 390 mil milhões são a fundo perdido. Se somarmos o “pacote” de 540 mil
milhões (em empréstimos) para o
socorro mais imediato, aprovado em Junho pelo Eurogrupo, a soma não deixa
dúvidas a ninguém. Os mercados rejubilaram. Os juros da dívida de Itália não se
aproximavam tanto dos da Alemanha desde Janeiro. “Pela primeira vez, os 27
líderes da União Europeia concordaram em estabelecer um défice federal
enquanto instrumento de gestão macroeconómica de uma crise”, escreve o editor
para a Europa do Financial Times, Ben Hall.
Foi um passo histórico, mas apenas o primeiro de uma dura caminhada que a
Europa tem pela frente que será plena de dificuldades e de desafios. Nem Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão, que revelou uma
enorme inteligência na construção deste plano, nem Christine
Lagarde, a presidente do BCE, que
conseguiu aguentar o barco com um gigantesco programa de compra de dívida,
escondem que pode vir a revelar-se insuficiente. A
pandemia vai continua a manifestar-se com altos e baixos, por muito mais tempo.
A retoma não será em V – rápida e exuberante –, como se chegou a acreditar. A
queda das economias, que já está estimada em números inimagináveis (10% do PIB
europeu), pode ser ainda maior.
O regresso do eixo franco-alemão. Na conferência de imprensa final que deram em
conjunto, Merkel e Macron resumiram em
duas frases o que foi conseguido já na madrugada desta terça-feira. “Tempos
extraordinários obrigam a esforços extraordinários”,
disse a chanceler. “Todos deveríamos saudar o facto de termos
aprovado um mecanismo que permite a emissão de dívida conjunta”, acrescentou o Presidente francês. “O
lado mais importante e mais inovador do acordo é a emissão de dívida nos dos
mercados de capitais para a transferir para os Estados-membros mais duramente
atingidos pela pandemia, em parte sob a forma de subvenções”, resume Mujtaba Rahman, director
do Grupo Europa, no Politico.eu. Estabelece “um precedente para a forma
como os 27 devem lidar com choques externos no futuro (…) A zona euro está a
partir de agora suportada numa arquitectura orçamental mais robusta”. O
“milagre” tem nome próprio: Angela Merkel. Se o
acordo merece ser qualificado de “histórico”, ninguém pode recusar a ambos
(Merkel e Macron) não apenas a paternidade, mas também a determinação de lutar
por ele. Contra
ventos e marés, o que, neste caso, quer dizer contra as vistas (mais) curtas e
os egoísmos nacionais que emergiram com uma força inusitada, se tivermos em
atenção a natureza e a dimensão desta crise. Desta cimeira e deste acordo ficou
também uma lição que convém não esquecer nos próximos tempos. Para que a Europa
ainda se possa salvar das tempestades internas e externas que a desafiam, precisa
como do pão para a boca da liderança franco-alemã.
Como comprar moralistas. No final da noite de segunda-feira, o título que
fazia a manchete na edição online do Financial Times resumia o estádio das
negociações: “Rebates oferecidas aos ‘frugais’ para ultrapassar o
impasse.” Daí para a frente, tudo passou a correr
bem. A táctica que os “frugais” levaram para a cimeira passava
por abrir fogo contra Paris e Berlim e tentar a todo o custo dividir os outros,
em nome de uma dupla e piedosa preocupação. Recuperar o velho “risco moral”,
submetendo os países do Sul a uma vigilância constante sobre a aplicação dos
fundos – não por parte da Comissão, como é de regra, mas dando a cada governo o
direito de vetar a qualquer momento eventuais transferências. Apresentaram-se como os lídimos defensores do Estado
de direito em relação aos países de Visegrado – sobretudo à Hungria e à
Polónia. Mas este objectivo louvável esfumou-se
rapidamente quando os “frugais” (pelo menos, alguns) perceberam que não
conseguiam dividir (com o primeiro argumento) a frente constituída pela
convergência entre o Sul e o eixo franco-alemão. A partir daí, a táctica
passou a ser “atrair” os violadores do Estado de direito para as suas
trincheiras, tentando convencer Orbán de que não tinha muito a ganhar com o
fundo, até porque o seu país foi bastante poupado à pandemia, tentando comprar
os outros com pequenas e médias ofertas simpáticas. A manobra falhou. Por
várias razões, embora uma delas possa muito bem ser comum: não há nada que
substitua, também para esses países, o conforto e a segurança de fazer parte da
União Europeia. E, entre Rutte e a chanceler, não terão tido grandes
dúvidas sobre de que lado estava a força.
Voltando
ao Financial Times, tudo acabou com um negócio muito simples: pagar em rebates a
aprovação do plano. A conta é impressionante. Holanda: mais 22,3%; Suécia: mais
48,3%; Dinamarca: mais 119%; Áustria: mais 311%. Rutte leva para casa qualquer
coisa como 14 mil milhões de euros ao longo de sete anos; Kurz passa de cerca
de 900 milhões para mais de três mil milhões. A Alemanha não teve qualquer
aumento.
Santos e pecadores. Dez
anos depois da crise financeira e oito
anos depois da crise do euro,
já foram tiradas muitas lições sobre a forma como a Europa lidou com esta dupla
crise. Os “programas de ajustamento” impostos a Portugal, Grécia e Irlanda
pecaram por excesso e por total insensibilidade social. Ao
ponto de Wolfgang Schäuble já ter reconhecido que não teria, talvez, feito as
coisas da mesma maneira. O
chamado “risco moral” criou estereótipos e divisões profundas entre norte e sul
que foram sendo superadas aos poucos, nomeadamente porque os três países da
troika recuperaram a sua credibilidade europeia. Tentar regressar ao mesmo
discurso, que divide artificialmente a Europa entre “santos” e “pecadores”, não
teria sentido em qualquer circunstância. Até porque a discussão já é feita
noutros termos, levando em conta o que ganham os “santos” com o mercado interno
e com uma moeda única feita muito mais à sua medida do que à dos “pecadores”. É quase ofensivo, perante a dimensão
humana, económica e social da pandemia. O que Merkel compreendeu
rapidamente foi que a Europa e o euro não resistiriam a uma situação em que os
efeitos brutais da pandemia fossem atenuados pelos países com maior margem de
manobra financeira e deixassem à sua sorte (e à dos mercados) aqueles que não
dispunham dessa margem. Perderiam todos.
A cimeira mais longa? Não. Faltaram 25 minutos para bater o recorde
alcançado em Dezembro de 2000, na célebre cimeira de Nice sob presidência
francesa. Em regra, são as cimeiras que se ocupam de dinheiro que levam
mais tempo. Nice foi a excepção e compreende-se porquê. A revisão do Tratado
de Maastricht tinha como ponto central a redistribuição do poder. Entre
“grandes” e “pequenos” e, sobretudo, entre a França e a Alemanha. A Europa era ainda a 15, mas a redistribuição
tinha de levar em conta o inevitável alargamento a leste, que viria a
concretizar-se em 2004, com a entrada de mais dez países, todos eles de pequena
e média dimensão, à excepção da Polónia. A
preocupação dos “grandes” era não ficarem numa situação de dependência da
conjugação de votos dos “pequenos e médios”. Não foi fácil de ultrapassar, com
o Governo português a bloquear a cimeira até que fosse encontrada uma solução
que preservasse o princípio de facilitar consensos, em vez de abrir as portas a
“imposições”. Mas o grande dilema que levou a cimeira a alguns momentos
dramáticos foi a questão da paridade de votos entre a França e uma Alemanha
que, reunificada, passava a ter mais 20 milhões de pessoas do que as outras
duas grandes potências – França e Reino Unido. Se as decisões passassem a ser
tomadas por uma combinação de critérios entre o número de Estados e a
percentagem da população, a velha paridade rompia-se.
Jacques Chirac não hesitou em invocar
o passado da Alemanha. Gerhard Schroeder foi uma espécie de Mark Rutte. Não
chegou a Nice com a biografia de Chopin debaixo do braço para “matar o tempo”,
mas exibiu com veemência o seu aborrecimento – para não dizer desdém – com o
que se estava a passar à volta da mesa. Tinha
duas preocupações: reformar a economia alemã para que saísse depressa da
profunda recessão criada pela unificação económica e monetária (que toda a
Europa estava a pagar); demonstrar que a Alemanha passava a ter tanto direito a
defender o seu “interesse nacional” como a França ou como a Inglaterra, porque
passara a ser uma nação “tão soberana como as outras.” A era de Kohl
tinha acabado. Os fantasmas que ensombravam a
França desde a unificação, e que quase levaram ao chumbo do Tratado de
Maastricht, ainda pesaram sobre a rejeição do tratado constitucional, em 2005,
que os Países Baixos, por outras razões, também chumbaram.
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
Jonas Almeida MODERADOR: Para além dos rebates que essencialmente cobrem a ajuda
frugal (não tenho críticas, reflecte fielmente a preferência desses cidadãos) a
verdade é que, como se lê no The Economist, "the question of how the EU
will pay back the sums borrowed has been left largely unanswered". Mais à
frente explica que garantido mesmo está "To preserve the recovery fund’s
grants, cuts fell on so-called future-oriented areas like research, health-care
and climate adjustment". Há tanta coisa estranha neste acordo. E isto é
antes de descobrir que "Num cenário favorável, as verbas podem começar a
chegar apenas em Junho do próximo ano" ...
Jonas Almeida MODERADOR: Para comparação peguemos no meu frugal preferido, a
Dinamarca, e, fora da UE, no UK. Em ambos os casos accionou-se a
impressora para cobrir os salários logo durante a falta. Que esquemas estão
então a ser alimentados por estes acordos "incompletos" sem
mecanismos conhecidos que só dão sinal daqui a um ano?
Jonas Almeida MODERADOR: Jacob van der Sluis, digo isto em atenção ao seu
excelente português, que é coisa que aprecio enormemente em quem não nasceu
nele: na língua de Camões as negativas somam-se. Assim a sua conclusão deveria
ser "não vale nada".
Jacob van der Sluis INICIANTE: A divisão entre norte e sul foi inventada pelas
jornalistas como esta. Um jornalismo frugal. 21.07.2020
Fun.eduardoferreira.883473 INICIANTE: Porquê? Tocou-lhe o orgulho nacional de Paraíso Fiscal?
21.07.2020
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