Ai de nós se, ingenuamente, ou com as
reservas resultantes de uma educação menos liberal, nos atrevemos a defender
posições ou pontos de vista contrários aos da afectação democrática, que não
passa de uma real ditadura, pela manipulação do pensamento e imposição de novos
valores contrários aos do conservadorismo respeitável – numa sociedade que
defende a liberdade e a igualdade sociais. Quanto à fraternidade – para elegermos
sempre os dogmas da Revolução Francesa, que subservientemente seguimos, já
caldeados nas arengas filosóficas posteriores, que - sempre servilmente -
imitamos, essa tal de fraternidade manifesta o seu fervor numa direcção apenas
– por cá, digo, os acomodados aceitando as orientações técnicas dos impositores,
cuja cartilha sobressai, para efeitos de recompensa, ou de premiação
distintiva. Os não acomodados sujeitam-se, é claro, à indiferença ou desprezo
desses novos opinantes.
De toda a maneira, gostámos de ler a
crónica de ANA ISABEL TOMATAS, que nos dá
a conhecer o para lá europeu, talvez mais digno do que o que por aqui vamos
construindo, sem alicerces de racionalidade ou sensatez.
Liberdade condicional: viver na Polónia no
pós-eleições 2020
A 12 de Julho, a Polónia reelegeu o
presidente Duda, um político conservador de direita. Para quem não está a par,
Duda promoveu a família de “um homem, uma mulher e as suas crianças”,
mostrando-se totalmente contra o aborto, a adopção por casais do mesmo género,
a comunidade gay (apelidando-a de “ideologia de género” pior do que o
comunismo) e incitando à violência.
ANA ISABEL TOMATAS: 28 anos, mestre em Gestão de
Recursos Humanos e aspirante a cronista. Tem um blogue chamado “aTomatasnanet”.
Vive entre a Polónia e o Reino Unido
PÚBLICO, 17 de Julho de 2020
Quando
escrevemos Polónia, uma das perguntas-chave no Google é: “A Polónia
é um país seguro?”. A resposta
do browser é sim, que é um país seguro. No entanto, opinião diferente tem as
pessoas que cá vivem.
Vivo
na Polónia desde Janeiro de 2017. Foram as oportunidades de emprego e a
qualidade de vida que me fizeram ficar. Quando comecei a debater vários
temas, apercebi-me de algumas diferenças em relação a Portugal: os
preservativos e as pílulas não são facultados nos centros de saúde; a pílula do
dia seguinte não está disponível nas farmácias e apenas é cedida se o médico
autorizar; os gays têm “amigos/as” e não companheiros; e a opinião da
igreja tem uma enorme importância. O peso da Igreja Católica é tão forte no país que se realizam manifestações
contra o aborto nas ruas, com padres e freiras à frente da marcha, fotografias
de fetos mortos em diferentes fases da gestação e uma música alusiva ao tema.
Desde
que vivo na Polónia só conheci um presidente, o presidente Duda,
eleito em Agosto de 2015 e reeleito em Julho de 2020.
A primeira ronda de eleições não deu a maioria absoluta a nenhum dos candidatos
e partimos (aqui sim, com alguma esperança) para a segunda ronda de eleições —Duda
versus Trzaskowski. A 12 de
Julho último, a Polónia reelegeu o presidente Duda, um
político conservador de direita.
Para quem não está a par, Duda, durante a sua campanha, promoveu
a família de “um homem, uma mulher e as suas
crianças”, mostrando-se totalmente contra o aborto, a adopção por
casais do mesmo género, a comunidade gay (apelidando-a “ideologia de género” pior do que o
comunismo) e incitando à violência.
Decidi
falar com várias pessoas (polacas e estrangeiras) que vivem aqui (e preferem
anonimato). A Pessoa 1 contou-me que vai sair da Polónia. É polaca, de
Sandomierz, mas procura um país onde tenha liberdade de expressão, em que não
se sinta insegura por ser mulher nem pelos seus amigos gays. Sente-se
triste pelo país em que a Polónia se está a tornar. “Até a
minha família está dividida entre pessoas que defendem a liberdade de escolhas
e pessoas que estão radicalmente contra a comunidade gay e o aborto”, confessa.
Praticamente
todos os entrevistados observam uma Polónia dividida. Mas, ao contrário
da resposta que eu imaginava — divisão campo/cidade —, as respostas
focaram-se mais no nível de educação dos polacos e menos na localização, o que
comprova também o mapa eleitoral.
Um
outro entrevistado, Pessoa 2, que se considera um bom ser humano e com uma
mente aberta, acredita que, nos próximos três anos, muitos polacos, para além
de uma vasta maioria de estrangeiros, começarão a equacionar procurar outro
país para viver: “Temos a certeza de que, nos próximos anos, nada vai mudar
e, se mudar, vai ser para pior”. A Pessoa 3 não pôde assumir aos pais que é
gay. Durante o tempo em que viveu com um companheiro, visitava os pais sozinho
ou acompanhado do “amigo” e frequentava a missa aos domingos. “Para os meus
pais, o mais importante são as aparências. Eles sabem que sou gay, mas não o
verbalizam.”
Confesso
que é assustador viver num país onde a democracia está a ser constantemente
abalada, em que o ultra nacionalismo cresce, em que ser-se “pessoa”
já não é suficiente. Um dos
entrevistados – Pessoa 4 – revelou ainda que “a Polónia já está contra os
próprios polacos, portanto, com o tempo estará também de costas voltadas para
os estrangeiros”. Duda ganhou as eleições e a Polónia parece estar
prestes a perder a sua liberdade.
TÓPICOS
COMENTÁRIO:
Roberto34
EXPERIENTE: Obrigado
por este testemunho. É pena que a situação esteja assim mas as eleições
demonstraram que a sociedade está divida e portanto considero que ainda há
esperança.
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