Seria bom que as ajudas da UE significassem
um recomeço em moldes de diferente estrutura e que conseguíssemos alcançar um
retrato menos aviltante do que este traçado por Miguel de Sousa Tavares, como, de resto, muitos outros cronistas de igual
têmpera humanística não podem deixar de revelar. Mas a educação não é o nosso
forte, e sem ela seremos sempre “o que
não nasceu para isso” a que aspiramos, ainda que amemos os muitos exemplos
de figuras do nosso reconhecimento pátrio. O problema está mesmo na
massificação, no “status quo” do
nosso deixar correr inerte e sem brio. Só mesmo o velho milagre da nossa crença
sebastianista para nos safar. Mas também isso é balela de pequenez natural.
Venham os dinheiros. Recomecemos.
OPINIÃO
Estender a mão, sim, mas com imensa dignidade
Nós estamos como Gene Kelly. Atrás de
nós, e abaixo de nós, temos um regime decadente e um sistema insustentável que
vai ao charco a cada sopro. Mas, depois da pedinchice, celebramos com altivez.
OBSERVADOR, 20 de Julho de 2020
Nesta
nossa terra somos muitíssimo sensíveis a todos os gestos que possam sugerir o
mais leve vestígio de “humilhação nacional”. É um tique frequente de quem é
pequenino, sobretudo em palcos internacionais: sobrecompensamos os sentimentos
de inferioridade com um excesso de susceptibilidade. Também acontece com os
caniches. Em 2012, numa reunião do Eurogrupo, Vítor Gaspar baixou a cabeça para
falar com o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble (que estava sentado
numa cadeira de rodas) e durante meses não se falou de outra coisa –
humilhação!, vergonha!, o governo português dobrado aos alemães! Agora, num
encontro com o primeiro-ministro da nossa crença sebastianista a intercederholandês
Mark Rutte, em Haia, António Costa fez uma vénia mais pronunciada, e lá veio
outra vez o coro – humilhação!, vergonha!, o governo português dobrado aos
holandeses!
Aquilo
que boa parte do povo português parece ter dificuldade em perceber, porque os
resultados eleitorais são o que são, é que só somos pequeninos porque há 500
anos que não trabalhamos para ser grandes. Não é propriamente uma
inevitabilidade. Países que ainda há algumas décadas eram tão ou mais pobres do
que nós, hoje encontram-se no top mundial. Infelizmente, entre o nosso défice
de educação, a vocação predatória das nossas elites, a fragilidade das nossas
instituições e a mentalidade salazarista do “pobrete mas alegrete”, vamos
arrastando a nossa desencantada mediania pela cauda da Europa.
Como
bem intuiu Hergé, seremos sempre os Oliveira da Figueira da União Europeia.
Os vendedores de objectos exóticos, os organizadores de grandes eventos e os
distribuidores de brindes inúteis. Na cabeça dos nossos políticos, não
damos para muito mais. António Costa foi à reunião de Bruxelas oferecer
máscaras portuguesas a líderes europeus (em elegante estojo personalizado) e
mostrar os seus sapatinhos de cortiça 100% nacional. Porque é que Macron não
tem necessidade de usar sapatos curiosos e Merkel dispensa a distribuição de
máscaras catitas? Porque as indústrias francesa e alemã não precisam de
operações de marketing de pechisbeque. Vendem-nos carros, máquinas,
electrodomésticos, medicamentos.
Olhem
para o que tem sido o último quarto de século. Portugal é invariavelmente um
país estagnado em tempos normais; com crescimento anémico em tempos de vacas
gordas; e à beira da bancarrota mal surge uma crise. É assim que queremos
continuar, de mão eternamente estendida? Tudo indica que sim. Mas ai de quem se
atreva a humilhar a nação valente e imortal, que se lançou ao mar há 600 anos e
ainda hoje não se cala com isso, talvez por não ter muito mais para celebrar.
No filme Serenata à Chuva há uma cena maravilhosa em que Gene Kelly conta aos repórteres a história da sua juventude. À medida que vemos as imagens do passado, com Kelly a ser humilhado em espectáculos escabrosos nos mais imundos pardieiros, ele garante aos jornalistas que tem um lema na vida que nunca abandonou: “dignidade, sempre dignidade”. Nós estamos como Gene Kelly. Atrás de nós, e abaixo de nós, temos um regime decadente e um sistema insustentável que vai ao charco a cada sopro; para nos salvarmos do pântano passamos a vida a reclamar dinheiro aos amigos ricos; mas, depois da pedinchice, celebramos com altivez. Ou então mostramos um daqueles gráficos que valem “mil horas de negociação”, como escreveu Elisa Ferreira, confundindo uma devastadora falta de produtividade com um extraordinário empenho.
No filme Serenata à Chuva há uma cena maravilhosa em que Gene Kelly conta aos repórteres a história da sua juventude. À medida que vemos as imagens do passado, com Kelly a ser humilhado em espectáculos escabrosos nos mais imundos pardieiros, ele garante aos jornalistas que tem um lema na vida que nunca abandonou: “dignidade, sempre dignidade”. Nós estamos como Gene Kelly. Atrás de nós, e abaixo de nós, temos um regime decadente e um sistema insustentável que vai ao charco a cada sopro; para nos salvarmos do pântano passamos a vida a reclamar dinheiro aos amigos ricos; mas, depois da pedinchice, celebramos com altivez. Ou então mostramos um daqueles gráficos que valem “mil horas de negociação”, como escreveu Elisa Ferreira, confundindo uma devastadora falta de produtividade com um extraordinário empenho.
Dignidade, sempre dignidade.
Jornalista
COMENTÁRIOS:
VOldVic1 MODERADOR: "É
um tique frequente de quem é pequenino, sobretudo em palcos internacionais:
sobrecompensamos os sentimentos de inferioridade com um excesso de
susceptibilidade. Também acontece com os caniches": apesar de estar no
mesmo barco, obrigado pela gargalhada; e rio-me não porque discorde, mas porque
já vi este filme imensas vezes. Quem duvidar do que diz deve lembrar-se do hino
nacional: "Heróis do mar...".
OldVic1 MODERADOR: “Mas ai de
quem se atreva a humilhar a nação valente e imortal, que se lançou ao mar há
600 anos e ainda hoje não se cala com isso, talvez por não ter muito mais para
celebrar”: acertou de tal maneira na “mouche” que o buraco da sua seta passou a
ser a “mouche”. Quando a realidade põe a nu a nossa mediocridade secular,
corremos a esconder-nos atrás das glórias passadas. Não é por acaso que a obra
literária nacional é “Os Lusíadas”, uma ficção místico-heróica desprovida de
qualquer sentido de auto-crítica. Quando Portugal substituir “Os Lusíadas”
pel’” Os Maias” de Eça, começaremos a resolver os nossos problemas eternos, mas
para isso teremos de ser capazes de nos olharmos ao espelho sem ilusões.
cidadania 123 INICIANTE: Caro JMT, que visão pessimista de Portugal. Concordo
que os nossos políticos assumem posturas divergentes, quando estão aqui e
quando vão reunir-se com os grandes da Europa. E ficam inchados por qualquer
momento em que são tratados como iguais nesse clube. Mas use a sua avaliação
histórica de Portugal e avalie se não vale a pena estar neste clube onde se
pode pechinchar e obter apoios, mantendo uma imagem de alguma dignidade, apesar
das vénias excessivas? Imagina que os alemães, holandeses ou franceses têm uma
imagem melhor de povos como os eslovacos, lituanos, gregos, polacos, húngaros?
Um país não é apenas o crescimento do seu pib, e não queiramos ter os problemas
que outros países mais ricos têm...
Nuno Silva EXPERIENTE: Até África cresceu mais do que os países do sul da Europa
incluindo a França, desde o nascimento do euro (e já nem falo do alargamento
apressado e da globalização, senão vomito). Vir falar que todos estes países
são "lamechas pedintes", é não entender realmente o que se passa, em
conversa de tasca do Chega/IL/CDS...
Jonas Almeida MODERADOR: Concordo completamente. JMT descreve eximiamente o
lamechas que ele também é. Fomos avisados, de Thatcher a Stiglitz e passando
por João Ferreira do Amaral que o euro era uma "divergence machine".
Uma receita para a ruína que sucede à perda da autodeterminação económica. Este
é o momento em que organizamos a revolta, defenestramos os Vasconcelos,
assinamos o 50 e viramo-nos para o resto do mundo, a que pertencemos. A UE é
uma pocilga, só mesmo os porcos (PIGS) lá querem ficar. O "mais
Europa" foi sempre "mais da m do costume". Parabéns m-osos,
fizeram-no mais uma vez.
Anjo Caído MODERADOR: É aquela pocilga jeitosa onde nos dão dinheiro e um
enquadramento jurídico de primeiro mundo. Se calhar devíamos sair para crescer
na medida em que aprenderíamos à nossa custa que só com pedinchice não vamos
lá. Talvez tenha razão, Jonas. Talvez Portugal seja tão infantil que lhe faça
mal todo o mimo que lhe dão no colinho da UE.
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