Para pôr os pontos nos ii, terçando
armas pelos que mais ponderadamente encaram o problema dos efeitos da pandemia
na economia, com bom senso (e bom gosto), acrescidos de um critério de
racionalidade e justiça. É o que faz Salles
da Fonseca, neste texto ironicamente apelidado de “Análise de risco”, pois calcula que o que afirma lhe
valerá a oposição de muitos dos nossos adeptos das caridadezinhas - internas,
de menor efeito, e mais as vindas do exterior, às quais em boa hora nos
acolhemos, em exploração contínua e exigente.
Julgo que as divergências dos climas
também são responsáveis por todas essas disparidades comportamentais de que
trata Salles da Fonseca na sua análise, os frios nortenhos tornando as pessoas
mais calculistas ou mais previdentes, em defesa de um bem-estar que as proteja
das frialdades climáticas, os calores do sul levando ao maior desleixo, imprevidente
e impúdico.
O certo é que uma situação
inesperadamente invulgar, que força a um enclausuramento estúpido, fez ruir as
economias, e a nós, os da cauda trapalhona, aqui estamos na primeira fila, de
mão estendida, sem saber ainda bem como aplicar o maná exterior, na
incompetência de um trabalho de casa ainda mal definido, ao que se diz. Por
agora, estamos de férias.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 26.07.20
Eis,
a partir de um artigo de opinião publicado há dias no Público[i], as perguntas que por aí correm…
… «O que quer a Holanda? Continuar a ser o país que, a seguir ao
Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno? Preservar o Euro? Manter as
sedes das multinacionais europeias graças a .um sistema fiscal altamente “competitivo”
que suga os impostos de outros países? Tudo isto sem custos?
Eis
a minha resposta: - Exactamente, é isso mesmo que a Holanda quer e
tem as suas razões para assim querer.
Tudo
– perguntas e resposta – no âmbito da questão política europeia resultante da
criação de um instrumento (da crise orçamental plurianual) de
recuperação económica provocada pela pandemia.
Explico-me:
as divergências Norte-Sul resultam de conceitos de vida, de modos de
governação, de níveis de educação, de civismo.
A
dicotomia europeia também se pode definir entre países
frugais (os doadores, do Norte)
e saber ainda bemperdulários (os recebedores, «da Coesão», do Sul).
Creio,
contudo, que há perspectivas que não têm vindo à colação mas que explicam
muitas diferenças. Casos de Polícia à parte, atenho-me apenas a questões
estruturais. Tomemos a Holanda como exemplo dos doadores e
Portugal como representante dos recebedores.
Conceitos de vida – Tanto Calvino
(teólogo
muito influente sobretudo na Suíça e na Holanda) como Lutero (Alemanha
e Escandinávia) afirmavam que só o trabalho a favor do bem-comum
agradava a Deus e, daí, ser o garante da salvação do pecador. Divinizado o trabalho de utilidade global, vá cada
um de inventar o seu próprio meio de salvação eterna. Assim
floresceu o empreendedorismo protestante,
calvinista e luterano. Por
contraste, a teologia católica garantia a salvação eterna através
do financiamento da Igreja, a
fracturante questão do «negócio das bulas». O catolicismo não divinizou o trabalho e, naquelas
épocas remotas, não definiu o bem comum terreno como algo a estimular. Resumindo, uns trabalham com o fito de se
salvarem; os outros «seek for rents» venham elas donde vierem desde que
suficientes para pagar a salvação. Laicizados os tempos e desatemorizada a
ira divina, restaram conceitos de vida substancialmente diferentes: o
do trabalho para uns; o do desenrascanço para outros.
Modos de governação – Naturalmente, a governação de uma sociedade
produtiva e auto-motivada para o bem como pode ser diferente da governação de
uma sociedade descentralizada por não ter outra motivação que não o bem-estar
individual com grande motivação no consumo. À
sociedade auto-controlada
basta uma administração definidora de parâmetros e medidora da
respectiva execução, à sociedade
«quântica»[ii] pode
haver necessidade de prover uma administração também executante, bastante mais
pesada que a meramente medidora. O
refinamento da governação orientadora está na parametrização genérica; a administração
executante vicia-se em «meter o nariz» em tudo e, com frequência, no moderno «negócio das bulas» a que
geralmente chamamos corrupção. A administração de uma sociedade auto-controlada é naturalmente menos dispendiosa do que a uma que tem Por todas estas razões – e por mais algumas que eu
possa ter esquecido - e/quer meter-se
em tudo; uma sociedade produtiva gera mais meios de pagamento que uma
vocacionada ao consumo; a carga fiscal «per capita» pode ser mais ligeira na
sociedade produtiva do que a pesada administração exige na sociedade «quântica».
Níveis de educação e de civismo – A educação sempre foi considerada nas sociedades
protestantes como um instrumento essencial para que se pudesse alcançar um
nível tão elevado quanto possível na contribuição para o bem comum. Daí, o
desaparecimento há muitas gerações do nosso flagelo que é ainda o analfabetismo
adulto. Uma pessoa instruída tem naturalmente maior capacidade contributiva
para o bem comum do que um analfabeto; um instruído tem, naturalmente, um grau
de consciência social mais sofisticado do que um analfabeto.
*
* *
É por todas estas razões – e por mais
algumas que me possam ter escapado – que a Holanda quer…
… continuar
a ser o país que, a seguir ao Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno – pois produz o
que os «da Coesão» não
produzem e gostam de consumir…
… preservar
o Euro – como moeda forte, que inspira
confiança a quem dela se serve, pois uma moeda fraca não inspira confiança e sem confiança não há economia que funcione
sobretudo quando as políticas cambiais servem sobretudo para ocultar problemas
de competitividade…
… manter
as sedes das multinacionais europeias graças
a um sistema fiscal altamente “competitivo” que suga os impostos de outros
países? – permitindo que a concorrência fiscal na UE seja uma realidade
com uma sistema de contas uniformizado, com um apuramento competitivo da
matéria tributável e com taxas a aguçarem essa mesma concorrência até que
cheguemos a uma minimização da carga fiscal pelo aligeiramento dos custos das
administrações públicas e ao desaparecimento do moderno «negócio das bulas».
E tudo isto sem custos? – Não! À
custa de muito trabalho inventivo em prol do bem comum. À custa da discussão
periódica em eleições dos diversos conceitos de bem comum com cada Partido a
apresentar a sua própria proposta de bem comum, nada tendo a ver com lobbies clubistas de interesses mais particulares que gerais.
Perante
um cenário destes, concluo com uma pergunta: - Que outra
análise de risco deve um prudente aforrador fazer?
Julho de 2020
Henrique Salles da Fonseca
Tags:
"política
internacional"
COMENTÁRIOS:
COMENTÁRIOS:
Henrique
Salles da Fonseca,
26.07.2020: Adorei esta
tua análise que partilho! Lúcia Morgadinho Martins
Anónimo,26.07.2020: José
Guerra gosta disto.
Anónimo 27.07.2020: Muito bom,
fundamentado e polémico, assim classifico o teu post, Henrique, o qual passo a
comentar brevemente. A dicotomia Norte-Sul tem como subjacente um choque de
culturas (em sentido lato), como mencionas, assim como também a percepção (e não
importa o quanto ela corresponda à realidade) que cada povo tem em relação a
outro. A fábula da cigarra e da formiga é perfeitamente aplicável. Temos os
frugais e temos os perdulários. Temos os trabalhadores e temos os adoradores do
Sol (Fernando Namora chamou isso aos do Norte), do vinho (não do whisky) e das
mulheres (mas não temos red lights, pelo menos de montra aberta). O pior que
pode acontecer é um povo sentir-se injustiçado ou humilhado. Temos exemplos
históricos e recentes a esse propósito. A paz punitiva imposta pelo Tratado de
Versailles à Alemanha foi, certamente, uma das causas da ascensão de Hitler ao
poder. A forma como a Grécia foi tratada na década que agora terminou explica a
tomada de poder pela esquerda radical que, logo aí chegada, deixou cair o
atributo radical, mas não se livrou de ter de ceder o seu lugar,
prematuramente, à Direita. Nós ainda nos lembramos de o nórdico dizer a alguém,
também nesse período, que era ele que lhe estava a pagar o almoço com os seus
impostos.
Felizmente, e disso tenho poucas dúvidas, que o chamado mecanismo travão do “cabaz de Natal” vai ser usado, por frugais ou não, e isto pela simples razão que cada País tem interesse que o dinheiro seja bem aplicado, pois isso será do interesse de todos, já que cada um e todos os Países têm interesse que o mercado interno volte a funcionar em pleno. Esse Poder, mais ou menos hard, mais ou menos soft, mais na ribalta ou mais nos bastidores, irá ser exercido, nem que seja pelo Órgão que vai ser criado para acompanhar a aprovação e execução dos projectos.
Respondendo à tua pergunta final, que outra análise de risco um aforrador prudente deve fazer, é ter em atenção como o seu País está a alocar os fundos da UE, pois disso dependerá também a evolução macroeconómica, numa primeira fase, e financeira, seja do Estado ou Privada, designadamente bancária, a seguir. No comentário anterior ao teu post “Vem aí o Pai Natal”, de 21/7, já tinha deixado alguns alertas sobre as características de projectos a aprovar. Realço agora que eles têm de ter impacto positivo na produtividade e na competitividade. Possivelmente, em vez de meia dúzia de grandes projectos, embora rentáveis, mas de retorno a longo prazo, nesta conjuntura importará mais que sejam projectos em maior número, menos avultados e de pay-back mais rápido. Tu e eu fomos muito influenciados por Keynes. Mas atenção: ele teve a sua época, as circunstâncias são muito diferentes e vivemos em economias abertas. Abraço. Carlos Traguelho
Felizmente, e disso tenho poucas dúvidas, que o chamado mecanismo travão do “cabaz de Natal” vai ser usado, por frugais ou não, e isto pela simples razão que cada País tem interesse que o dinheiro seja bem aplicado, pois isso será do interesse de todos, já que cada um e todos os Países têm interesse que o mercado interno volte a funcionar em pleno. Esse Poder, mais ou menos hard, mais ou menos soft, mais na ribalta ou mais nos bastidores, irá ser exercido, nem que seja pelo Órgão que vai ser criado para acompanhar a aprovação e execução dos projectos.
Respondendo à tua pergunta final, que outra análise de risco um aforrador prudente deve fazer, é ter em atenção como o seu País está a alocar os fundos da UE, pois disso dependerá também a evolução macroeconómica, numa primeira fase, e financeira, seja do Estado ou Privada, designadamente bancária, a seguir. No comentário anterior ao teu post “Vem aí o Pai Natal”, de 21/7, já tinha deixado alguns alertas sobre as características de projectos a aprovar. Realço agora que eles têm de ter impacto positivo na produtividade e na competitividade. Possivelmente, em vez de meia dúzia de grandes projectos, embora rentáveis, mas de retorno a longo prazo, nesta conjuntura importará mais que sejam projectos em maior número, menos avultados e de pay-back mais rápido. Tu e eu fomos muito influenciados por Keynes. Mas atenção: ele teve a sua época, as circunstâncias são muito diferentes e vivemos em economias abertas. Abraço. Carlos Traguelho
Jorge Cerejeira
27.07.2020: Leitura clara a objectiva. Obrigado!
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