segunda-feira, 27 de julho de 2020

Vir a terreiro



Para pôr os pontos nos ii, terçando armas pelos que mais ponderadamente encaram o problema dos efeitos da pandemia na economia, com bom senso (e bom gosto), acrescidos de um critério de racionalidade e justiça. É o que faz Salles da Fonseca, neste texto ironicamente apelidado de “Análise de risco”, pois calcula que o que afirma lhe valerá a oposição de muitos dos nossos adeptos das caridadezinhas - internas, de menor efeito, e mais as vindas do exterior, às quais em boa hora nos acolhemos, em exploração contínua e exigente.
Julgo que as divergências dos climas também são responsáveis por todas essas disparidades comportamentais de que trata Salles da Fonseca na sua análise, os frios nortenhos tornando as pessoas mais calculistas ou mais previdentes, em defesa de um bem-estar que as proteja das frialdades climáticas, os calores do sul levando ao maior desleixo, imprevidente e impúdico.
O certo é que uma situação inesperadamente invulgar, que força a um enclausuramento estúpido, fez ruir as economias, e a nós, os da cauda trapalhona, aqui estamos na primeira fila, de mão estendida, sem saber ainda bem como aplicar o maná exterior, na incompetência de um trabalho de casa ainda mal definido, ao que se diz. Por agora, estamos de férias.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 26.07.20

Eis, a partir de um artigo de opinião publicado há dias no Público[i], as perguntas que por aí correm…
«O que quer a Holanda? Continuar a ser o país que, a seguir ao Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno? Preservar o Euro? Manter as sedes das multinacionais europeias graças a .um sistema fiscal altamente “competitivo” que suga os impostos de outros países? Tudo isto sem custos?
Eis a minha resposta: - Exactamente, é isso mesmo que a Holanda quer e tem as suas razões para assim querer.
Tudo – perguntas e resposta – no âmbito da questão política europeia resultante da criação de um instrumento (da crise orçamental plurianual) de recuperação económica provocada pela pandemia.
Explico-me: as divergências Norte-Sul resultam de conceitos de vida, de modos de governação, de níveis de educação, de civismo.
A dicotomia europeia também se pode definir entre países frugais (os doadores, do Norte) e saber ainda bemperdulários (os recebedores, «da Coesão», do Sul).
Creio, contudo, que há perspectivas que não têm vindo à colação mas que explicam muitas diferenças. Casos de Polícia à parte, atenho-me apenas a questões estruturais. Tomemos a Holanda como exemplo dos doadores e Portugal como representante dos recebedores.
Conceitos de vida – Tanto Calvino (teólogo muito influente sobretudo na Suíça e na Holanda) como Lutero (Alemanha e Escandinávia) afirmavam que só o trabalho a favor do bem-comum agradava a Deus e, daí, ser o garante da salvação do pecador. Divinizado o trabalho de utilidade global, vá cada um de inventar o seu próprio meio de salvação eterna. Assim floresceu o empreendedorismo protestante, calvinista e luterano. Por contraste, a teologia católica garantia a salvação eterna através do financiamento da Igreja, a fracturante questão do «negócio das bulas». O catolicismo não divinizou o trabalho e, naquelas épocas remotas, não definiu o bem comum terreno como algo a estimular. Resumindo, uns trabalham com o fito de se salvarem; os outros «seek for rents» venham elas donde vierem desde que suficientes para pagar a salvação. Laicizados os tempos e desatemorizada a ira divina, restaram conceitos de vida substancialmente diferentes: o do trabalho para uns; o do desenrascanço para outros.
Modos de governação – Naturalmente, a governação de uma sociedade produtiva e auto-motivada para o bem como pode ser diferente da governação de uma sociedade descentralizada por não ter outra motivação que não o bem-estar individual com grande motivação no consumo. À sociedade auto-controlada basta uma administração definidora de parâmetros e medidora da respectiva execução, à sociedade «quântica»[ii] pode haver necessidade de prover uma administração também executante, bastante mais pesada que a meramente medidora. O refinamento da governação orientadora está na parametrização genérica; a administração executante vicia-se em «meter o nariz» em tudo e, com frequência, no moderno «negócio das bulas» a que geralmente chamamos corrupção. A administração de uma sociedade auto-controlada é naturalmente menos dispendiosa do que a uma que tem Por todas estas razões – e por mais algumas que eu possa ter esquecido - e/quer meter-se em tudo; uma sociedade produtiva gera mais meios de pagamento que uma vocacionada ao consumo; a carga fiscal «per capita» pode ser mais ligeira na sociedade produtiva do que a pesada administração exige na sociedade «quântica».
Níveis de educação e de civismoA educação sempre foi considerada nas sociedades protestantes como um instrumento essencial para que se pudesse alcançar um nível tão elevado quanto possível na contribuição para o bem comum. Daí, o desaparecimento há muitas gerações do nosso flagelo que é ainda o analfabetismo adulto. Uma pessoa instruída tem naturalmente maior capacidade contributiva para o bem comum do que um analfabeto; um instruído tem, naturalmente, um grau de consciência social mais sofisticado do que um analfabeto.
* * *
É por todas estas razões – e por mais algumas que me possam ter escapado – que a Holanda quer…
continuar a ser o país que, a seguir ao Luxemburgo, mais beneficia do mercado interno – pois produz o que os «da Coesão» não produzem e gostam de consumir…
preservar o Euro – como moeda forte, que inspira confiança a quem dela se serve, pois uma moeda fraca não inspira confiança  e sem confiança não há economia que funcione sobretudo quando as políticas cambiais servem sobretudo para ocultar problemas de competitividade…
manter as sedes das multinacionais europeias graças a um sistema fiscal altamente “competitivo” que suga os impostos de outros países? – permitindo que a concorrência fiscal na UE seja uma realidade com uma sistema de contas uniformizado, com um apuramento competitivo da matéria tributável e com taxas a aguçarem essa mesma concorrência até que cheguemos a uma minimização da carga fiscal pelo aligeiramento dos custos das administrações públicas e ao desaparecimento do moderno «negócio das bulas».
E tudo isto sem custos? – Não! À custa de muito trabalho inventivo em prol do bem comum. À custa da discussão periódica em eleições dos diversos conceitos de bem comum com cada Partido a apresentar a sua própria proposta de bem comum, nada tendo a ver com lobbies clubistas de interesses mais particulares que gerais.
Perante um cenário destes, concluo com uma pergunta: - Que outra análise de risco deve um prudente aforrador fazer?
Julho de 2020
Henrique Salles da Fonseca

[i] - Fernando Venâncio
[ii] - Eufemismo de trapalhona

COMENTÁRIOS:


COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da Fonseca, 26.07.2020: Adorei esta tua análise que partilho! Lúcia Morgadinho Martins
Anónimo,26.07.2020: José Guerra gosta disto.
Henrique Salles da Fonseca 27.07.2020Isabel Pedroso gosta disto
Henrique Salles da Fonseca, 27.07.2020: Obrigado. Vou transcrever. Luís Soares de Oliveira
Anónimo 27.07.2020:  Muito bom, fundamentado e polémico, assim classifico o teu post, Henrique, o qual passo a comentar brevemente. A dicotomia Norte-Sul tem como subjacente um choque de culturas (em sentido lato), como mencionas, assim como também a percepção (e não importa o quanto ela corresponda à realidade) que cada povo tem em relação a outro. A fábula da cigarra e da formiga é perfeitamente aplicável. Temos os frugais e temos os perdulários. Temos os trabalhadores e temos os adoradores do Sol (Fernando Namora chamou isso aos do Norte), do vinho (não do whisky) e das mulheres (mas não temos red lights, pelo menos de montra aberta). O pior que pode acontecer é um povo sentir-se injustiçado ou humilhado. Temos exemplos históricos e recentes a esse propósito. A paz punitiva imposta pelo Tratado de Versailles à Alemanha foi, certamente, uma das causas da ascensão de Hitler ao poder. A forma como a Grécia foi tratada na década que agora terminou explica a tomada de poder pela esquerda radical que, logo aí chegada, deixou cair o atributo radical, mas não se livrou de ter de ceder o seu lugar, prematuramente, à Direita. Nós ainda nos lembramos de o nórdico dizer a alguém, também nesse período, que era ele que lhe estava a pagar o almoço com os seus impostos.
Felizmente, e disso tenho poucas dúvidas, que o chamado mecanismo travão do “cabaz de Natal” vai ser usado, por frugais ou não, e isto pela simples razão que cada País tem interesse que o dinheiro seja bem aplicado, pois isso será do interesse de todos, já que cada um e todos os Países têm interesse que o mercado interno volte a funcionar em pleno. Esse Poder, mais ou menos hard, mais ou menos soft, mais na ribalta ou mais nos bastidores, irá ser exercido, nem que seja pelo Órgão que vai ser criado para acompanhar a aprovação e execução dos projectos.
Respondendo à tua pergunta final, que outra análise de risco um aforrador prudente deve fazer, é ter em atenção como o seu País está a alocar os fundos da UE, pois disso dependerá também a evolução macroeconómica, numa primeira fase, e financeira, seja do Estado ou Privada, designadamente bancária, a seguir. No comentário anterior ao teu post “Vem aí o Pai Natal”, de 21/7, já tinha deixado alguns alertas sobre as características de projectos a aprovar. Realço agora que eles têm de ter impacto positivo na produtividade e na competitividade. Possivelmente, em vez de meia dúzia de grandes projectos, embora rentáveis, mas de retorno a longo prazo, nesta conjuntura importará mais que sejam projectos em maior número, menos avultados e de pay-back mais rápido. Tu e eu fomos muito influenciados por Keynes. Mas atenção: ele teve a sua época, as circunstâncias são muito diferentes e vivemos em economias abertas. Abraço.
Carlos Traguelho
Jorge Cerejeira 27.07.2020: Leitura clara a objectiva. Obrigado!

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