sábado, 4 de julho de 2020

Caminhemos, pois



Tant bien que mal, a honestidade do pensamento e da crítica subvertida pela arbitrariedade da demagogia prepotente, porque em situação proeminente. Esperemos que não se verifiquem os agoiros de Alberto Gonçalves. Afinal não foi pela democracia que lutaram os, já hoje, dinossauros - que é como se sente hoje a geração dos que partilharam - ou não - entusiasmos e reviravoltas da mudança? Mas a verdade é que a democracia do nosso fabrico caseiro sempre manifestou os azedumes demagógicos próprios de uma cartilha de afectividade condicionada não pela ilustração do saber livresco mas pela explosão da “sensibilite” de afectos, segundo o alvo dessa – de aparente carinho pela pobreza humilde, de ódio real pelo burguês que estuda ou trabalha e até por vezes enriquece. Segundo Alberto Gonçalves, caminhamos a passos largos no sentido da mesa censória inquisitorial, que um ministro ditador tenta estabelecer, a caminho do do congénere venezuelano. E a sociedade aceita, povo adaptável, segundo o cibo.

O caminho para a Venezuela faz-se caminhando /premium
O governo podia “monitorizar” a corrupção, a incompetência e, para não desprezar a filha do sr. Vieira da Silva, o nepotismo. Em vez disso, optou por fiscalizar o que os cidadãos escrevem
OBSERVADOR, 04 JUL 2020
Depois de consumar a aquisição de 95% dos “media” tradicionais através da troca de “publicidade institucional” por propaganda informal, os senhores que mandam nisto resolveram preocupar-se com as “redes sociais”. Segundo uma senhora que é ministra de uma coisa por ser filha daquele sr. Vieira da Silva que era ministro de outra coisa (estou a brincar: são de facto dois génios numa única família), o governo vai “monitorizar” o “discurso de ódio” na internet. A ministra explica que estará interessada, cito, “na forma de propagação deste discurso nas plataformas ‘online’ e nas mensagens que contém”, além de “identificar autores e monitorizar processos de queixas”. De caminho, recolhem-se “dados que fundamentem linhas de acção política” e presta-se “formação a todos os actores que tenham que lidar com a matéria”. Ou seja, o “discurso de ódio” será censurado, criminalizado e, façamos figas, os seus perpetradores punidos.
Em teoria, acho muito bonito. O ódio é um sentimento desagradável e nada justifica que, em vez de se darem bem, as pessoas andem para aí a rebaixar o próximo (ou o anterior). Na prática, o enredo turva-se: quem distingue o que é ódio do que não é? As autoridades, com certeza. E quem concedeu às autoridades a capacidade de fazer semelhante distinção? Deus Nosso Senhor ou, mais provavelmente, as autoridades elas mesmas. O problema passa pela subjectividade do ódio.
Como não se deve argumentar mediante exemplos, vou usar três ou quatro. Toda a gente, excepto os próprios “fascistas”, concorda que criticar “a ciganada que vive do rendimento mínimo” se enquadra no “discurso de ódio”. Mas desejar o fuzilamento dos “fascistas” que criticam “a ciganada que vive do rendimento mínimo” parece ser uma expressão salutar de benevolência e amor. Outro exemplo? Toda a gente, excepto os próprios, concorda que demonstrar simpatia pública pelos actuais presidentes dos EUA e do Brasil se integra no “discurso de ódio”. Mas venerar os currículos dos srs. Fidel ou Maduro é apenas uma forma de humanismo e um sintoma sadio de “consciência revolucionária”. Um penúltimo exemplo: elogiar o benfiquista André Ventura é “discurso de ódio”. Mas admirar o leninista Francisco Louçã, e arranjar-lhe cargos institucionais e profissionais onde ele possa espraiar a respectiva lucidez, é matéria de elementar bom senso. Por fim, discordar das lendas do “aquecimento global” talvez constitua um “discurso de ódio”. Mas alinhar com a fúria da pequena Greta contra os que têm de ser pendurados em cordas de piano por discordarem das lendas do “aquecimento global” é um progressismo louvável.
No fundo, e à superfície, não é muito complicado. O “discurso de ódio” é aquilo que um poder autoritário define enquanto tal. Dado que o poder, aqui, é marxista, o “discurso de ódio” são as opiniões de que a esquerda não gosta. E quem diz as opiniões, diz os sujeitos que as emitem, os livros e os filmes e as canções que as veiculam, as estátuas que as simbolizam e o sistema económico e social que as permite. E, lá está, as páginas nas “redes sociais” que as reproduzem.
Não vamos dramatizar. O governo não quer mal a ninguém. Somente pretende conhecer que bitaites odientos percorrem a “net”, os nomes dos bandalhos que os cometem, os números de telefone, as moradas físicas e electrónicas, os laços familiares, os postos de trabalho, etc. E tudo para meros efeitos estatísticos, incluindo a produção de gráficos em Excel, o silenciamento, as ameaças pessoais, a chantagem no emprego e restantes minudências vitais à estabilidade do regime e à coesão da sociedade. Numa hipotética candidatura a um cargo na função pública, ou na privada em risco de expropriação, é naturalíssimo que um “xenófobo” ou “homofóbico” seja preterido em favor do moço que oscila entre o BE e o PS, abomina “os americanos” e tem pela teocracia iraniana um carinho especial.
É claro que, na ânsia de “monitorizar” desgraças, o governo podia olhar para dentro e “monitorizar” a corrupção, a incompetência e, para não desprezar a filha do sr. Vieira da Silva, o nepotismo. Em vez disso, optou por fiscalizar o que os cidadãos escrevem no Facebook. Também é importante.
Quase tão importante quanto ignorar os nossos defeitos é admiti-los. Eu admito a minha ingenuidade, ou o meu optimismo. Durante os tristes anos recentes, acreditei que a “Europa” seria um obstáculo aos apetites mais drásticos de um governo socialista sustentado por comunistas. Acontece que o mundo da Covid deixou a Europa num caos e derrubou as últimas barreiras do decoro e das obrigações dos gangues caseiros. Num ápice, com o conluio do prof. Marcelo e a paralisia cerebral das gentes, o PS acaba de tomar conta disto, de repartir o saque com BE e PCP e, se sobrarem, umas migalhas com o dr. Rio. Hoje, nem levemente se disfarçam as nacionalizações, as negociatas, as nomeações, o culto dos chefes, a “ilegalidade” de ajuntamentos, os patrocínios da banca, a subjugação da “oposição” e dos “media”, o populismo reles contra “o estrangeiro” e, enfim, a vigilância das “redes”. Os inimigos da democracia têm razões para festejar o arranjo. Os restantes são livres de odiá-lo. Ou eram.


COMENTÁRIOS
Antonio Vasconcelos: Começa a ser difícil encontrar o AG no Observador...
Elisabete Carvalho: Para os “adeptos“ do sistema, lamento “informá-los” de que, definitivamente, não vão passar entre os pingos da chuva... A não ser que consigam uma cunha para o rol dos 500 M... ELES não brincam em serviço!!! E também já não disfarçam!  Vejam, mas sobretudo analisem, por exemplo, as capas de ‘The Economist’ desde 2017. E ponham os neurónios a funcionar! É uma questão “de pormenor” (leia-se, de SOBREVIVÊNCIA)...
Elisabete Carvalho: As “notícias “ do Brasil estão a dar “frutos”... Sheeple! Mais do que nunca... sheeple! Leiam/releiam Orwell e o seu professor A. Huxley (nomeadamente o ‘Brave New World’! Vão “adorar”...)! E depois escolham qual ‘Storm’ preferem, já que, segundo parece, não restam muitas opções...
João Melo de Sampaio: Alberto Goncalves: não se preocupe... a ministra e' baril além de filha do vesgo dos perdigotos... com o seu 1,50 mts de altura, pernocas de copeira e sapato 34, foi, dizem as "biotrolices" xuxas, campeã de natação... dela só' se espera coisa boa...
Zacarias Bidon: O que a ministra quer fazer, parece-me, é nacionalizar a censura. É coerente. Já que o Berto Careca trouxe o assunto à baila, onde é que ele estava na altura em que a censura do Observador dificilmente permitia que o número de comentários aos seus artigos atingisse a dezena?
Jorge Carvalho: A nova censura totalmente implantada. Onde irá ser o novo Tarrafal?
José Paulo C Castro: Lamento, caro AG, mas de agora em diante só poderei dizer que as suas crónicas são execráveis. E digo mesmo mais, execrável na exacta medida em que as medidas do actual governo não o são. É assim que se fala perante a presença de qualquer pide na net...

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