“Traições
não, não admito a ninguém!”- foi o grito de Dâmaso Salcede, no capítulo XV de “OS MAIAS”, em cena inapagável
que para sempre nos definiu, de seres com um pobre orgulho ineficaz. Paulo Rangel prova a sua eternidade, ao não deixar
escapar mais esse episódio do nosso grotesco de penúria humilhada, que passa
pela referência a uma aliança há muito quebrada, (embora na origem de uma
Ínclita Geração com relevo no mundo, que o ignora, naturalmente e que, aliás, é
irrelevante no caso). A crónica de Paulo
Rangel é rigorosa e séria, objectiva e certeira, merecemos a crítica mas não
aprendemos, imunes à honestidade e autocrítica, e sempre de mão estendida.
OPINIÃO
A diplomacia do queixume e das
queixinhas
Esta diplomacia das queixinhas não
resolve problema nenhum, deteriora a imagem e o prestígio de Portugal e
menoriza e despreza os portugueses.
PÚBLICO14 de Julho de 2020
1. Da
situação actual das fronteiras europeias, todos temos conhecimento. Cada
Estado-membro toma as suas decisões de reabertura de
fronteiras,
total ou parcial, livre ou condicionada, baseado nos seus próprios critérios,
sem que haja a obediência a um enquadramento comum. Este “estado da arte”,
embora presuntivamente legal, é altamente censurável. Numa situação excepcional
como esta, mesmo à margem das regras, era decisivo ter aceitado uma coordenação
efectiva da Comissão. Decisivo para restaurar a confiança dos cidadãos e para
gerar confiança entre os Estados-membros, assim garantindo um gradual e seguro
restabelecimento da liberdade de circulação. Este é talvez o único ponto em
que, nesta triste saga da abertura ou fecho de corredores, o Governo português
tem razão.
2. Quanto ao
resto, a linha definida pelo Governo português, assumida pelo ministro dos
Negócios Estrangeiros e pelo primeiro-ministro, é claramente prejudicial ao
país. Não me custa a crer que, nos bastidores da política internacional, o
Governo procure dar o seu melhor. Mas no palco público, nacional e
internacional, caiu na diplomacia do queixume e da recriminação. Esta
diplomacia das queixinhas não resolve problema nenhum, deteriora a imagem e o
prestígio de Portugal e menoriza e despreza os portugueses, explorando um
nacionalismo bacoco, de ressaibo a Estado Novo.
O
Governo tem-se queixado recorrentemente de que as orientações da Comissão não
estão a ser seguidas, mas Portugal foi lesto a quebrá-las, quando não abriu
fronteiras com a Espanha a 15 de Junho, recusou depois abri-las a 22 de Junho (conforme fora proposto pelo
lado espanhol) e terminou a fazer aquela pacóvia cerimónia de abertura a 1 de Julho. Um Governo não pode lamentar-se de que os outros não
seguem os conselhos da Comissão, se ostensivamente rejeitou pô-los em prática.
Por
outro lado, assim que, em meados de Junho, começou a ver listas negras
selectivas, o ministro dos Estrangeiros não só alegou injustiça e até
perseguição como ameaçou com retaliações e retorsões. Pouco depois, o primeiro-ministro pôs água na fervura,
afastando a política da retaliação. Mas não deixa de ser irónico que António
Costa, que agora condena as represálias recíprocas, tenha tido o seu ministro
Santos Silva, em pleno fórum TSF de 19 de Junho, a defendê-las.
Veio já mais tarde o transe britânico. Convém lembrar que, embora em
transição, o Reino Unido já não faz parte da União e
nunca fez parte do espaço Schengen. Compreensivelmente, pela importância que o
turismo britânico tem para Portugal, foi este o momento mais dramático,
conducente a um discurso de nacionalismo primário, assente na vertigem da
perseguição. Para
Costa e Santos Silva, Portugal
estaria a ser objecto de uma cabala, de uma espécie de conspiração
internacional para “amarfanhar” o país, o nosso turismo, a nossa economia. As
declarações de Santos Silva foram impertinentes e faroleiras e o tweet do
primeiro-ministro, com um gráfico habilidoso (para não dizer manhoso), foi
lamentável. E mais uma vez – como no episódio da bravata anti-holandesa –,
muito danoso para a imagem internacional do país e até do primeiro-ministro.
A esta ocorrência, juntou-se ainda o Presidente da República, que,
pungentemente, apelava à velha amizade e aliança luso-britânica.
3. Analisemos
a teoria da conspiração anti-portuguesa. Trata-se de uma tese disparatada,
descabida, na velha esteira das “desculpas de mau pagador”. Basta examinar
superficialmente as decisões dos países que têm posto condicionamentos à
entrada dos oriundos de Portugal, para ver que o critério é objectivo.
Não existe nenhuma sanha ou hostilidade para com Portugal ou qualquer
preferência pelos nossos vizinhos espanhóis ou primos italianos. Existe um critério –
com o qual se pode concordar ou não, que pode ter-se
por adequado ou inapropriado –, mas que é aplicado estritamente a todos os que
se achem em idêntica situação. O critério é o do número de novos infectados em
função da população e a melhor maneira de reverter as limitações criadas não é
seguramente a diabolização dos outros.
O
desatino das mil justificações e desculpas não fica por aqui. Prossegue para a
teoria de que os restantes países mistificam os seus números, omitem testes
e alteram resultados para se livrarem do risco de serem excluídos dos tais
corredores de turismo. A acusação é temerária e tem óbvias implicações
diplomáticas. Nem Sánchez, nem Conte, nem Mitsotakis hão-de gostar de serem
tratados pelo governo português como confabuladores ou mentirosos. Mas vale a
pena perguntar: e os nossos números, serão fiáveis? Os indícios que temos, com
necessidade constante de tentar explicar incongruências e disparidades, apontam
para um retrato absolutamente fiel? Não estou a pôr nem porei as mãos no fogo
pelas estatísticas apresentadas por outros Governos – o controverso caso
espanhol é mesmo paradigmático –, mas sinceramente as nossas também levantam
dúvidas que outros, a qualquer momento, podem explorar.
Falta,
pois, a grande desculpa trumpiana – a feitura de mais testes –, que de tanto
desmentida por especialistas e pelo bom senso não merece mais do que esta
linha.
4. Já
o disse há um mais de um mês, mas creio que vale a pena repetir. Não devemos
com certeza abandonar a frente diplomática e a pedagogia da adopção de
critérios mais completos e mais fiáveis. Mas o melhor que podemos fazer pelo
nosso país, pela nossa economia e pela preparação para uma eventual segunda
vaga é combater a disseminação actual da infecção que, todos reconhecem, é
anormalmente alta. Se enfrentarmos corajosamente essa adversidade, não haverá
critério nem ranking que possa ser esgrimido em nosso desfavor. Se o
governo tivesse actuado em tempo na zona da Grande Lisboa, em vez de se
preocupar com uma que é bem capaz de nos trazer mais dissabores
do que vantagens, não era preciso arranjar tanta desculpa. Nem arranjar tanta
desculpa nem inventar tanta culpa.
NÃO. Genocídio
de Srebrenica. O massacre de bósnios muçulmanos há 25 anos veio demonstrar que
nunca estamos livres da barbárie. Contra o negacionismo e a impunidade, é fundamental
lembrar esse horror.
NÃO. Orbán
e Costa: duplo padrão. Hoje Costa encontra-se com Orbán. Costa não critica
Orbán. Onde estão os anti-Fidezs portugueses? Não seria altura de fazer do rule
of law um critério de repartição dos fundos?
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