quarta-feira, 1 de julho de 2020

Mais uma prova



De quanto é enorme o fosso que nos separa do resto do mundo dito civilizado. O texto de Rui Tavares é disso prova, no seu discurso, comedido embora, sobre os atavismos bacocos desta nossa sociedade de penúria generalizada. Faço minhas as palavras (sublinhadas) do comentador Manuel Figueira, inclusive sobre o AO, embora tenha corrigido, no meu blog, os casos em que aquele o seguiu.
OPINIÃO
Quem tem medo de Destemidas?
Será possível que as crianças e adolescentes portuguesas não possam ver referências a direitos LGBT ou de saúde reprodutiva que foram considerados apropriados para as crianças e adolescentes francesas da mesma geração?
PÚBLICO, 26 de Junho de 2020
A página da wikipédia sobre Destemidas, a série de animação que foi suspendida da RTP após queixas de espectadores, conta-nos da génese desta obra original francesa que se dedica em curtos episódios a apresentar biografias de mulheres que marcaram a história. Desde a mais antiga, Agnodice, a primeira mulher médica (e ginecóloga) na Grécia do século IV antes de Cristo. Até uma mulher futurista como a atriz e inventora Hedy Lamarr (1914-2000), que além de estrela de Hollywood inventou sistemas de comunicações que cedeu gratuitamente ao esforço aliado contra os nazis na II.ª Guerra Mundial.
Gostaria certamente que o meu filho (a minha filha ainda é muito pequena para isso, mas lá chegará) pudesse ver agora as histórias da rainha Jinga, de Angola, ou da dançarina e resistente Joséphine Baker, ou da galerista e fundadora de museus Peggy Guggenheim. E se vierem a fazer uma terceira série, ideias não faltam — desde a rainha e escritora Margarida de Navarra à revolucionária luso-italiana Leonor da Fonseca Pimentel, à idealizadora da Declaração Universal de Direitos Humanos Eleanor Roosevelt, ou a Mae Jemison, a primeira astronauta negra a sair do planeta. É uma ideia fantástica, necessária e difícil de realizar: para muitas épocas históricas é difícil encontrar documentação e narrativas que façam justiça as vidas das muitas mulheres inspiradoras que mereciam ser conhecidas pelas gerações atuais e futuras de meninos e meninas. A série ganhou os prémios mais prestigiados, a começar pelo de Angoulême em 2019, na sua versão em banda desenhada, e a acabar no Prémio Eisner para a melhor série adaptada nos EUA.
A página de wikipédia de Destemidas faz referência ainda aos vários países em que a série passa. E dentro em breve Portugal poderá ter lá uma menção que nos encherá de vergonha: a de que a série foi suspensa no nosso país por causa de queixas relativas ao episódio sobre Thérèse Clerc, uma feminista francesa que lutou pela legalização do aborto e que era homossexual assumida. Custa a crer que tenha sido precisamente por essas razões que a série tenha sido suspensa, mas não há nenhuma outra justificação plausível. E custa a crer porque, aparentemente, a série não foi suspensa nem criticada em mais nenhum país, pelo que se imagina que não fosse chocante para o seu público-alvo em países comparáveis ao nosso. Será possível que as crianças e adolescentes portuguesas não possam ver referências a direitos LGBT ou de saúde reprodutiva que foram considerados apropriados para as crianças e adolescentes francesas da mesma geração? A sério, em 2020?
Tudo isto poderíamos esclarecer facilmente se pudéssemos ver o episódio em questão, ao menos na plataforma RTPPlay, onde a RTP tem disponíveis todo o género de conteúdos — presumivelmente com controle parental, nos casos adequados — mas o episódio em questão, e aparentemente outros, foram também retirados.
O que não me custa a crer é que entre muitos dos espectadores que se queixaram esteja também gente que se queixa de uma suposta ditadura do politicamente correto contra a liberdade de expressão. Como se sabe, as queixas contra a censura e a favor da liberdade de expressão têm curiosas características de polarização: dependendo de quem gosta dos conteúdos em causa, mudam rapidamente de lado. Se eu gosto, é liberdade de expressão; se não gosto, deve ser censurado. Melhor seria, pedagógicas para mais quando se trata de uma televisão pública, ter critérios simples e claros: deve aquilo poder passar que tenha qualidades estéticas e— o que neste caso parece evidente — num quadro geral de respeito pelos valores constitucionais e dos direitos fundamentais — o que neste caso parece ainda mais evidente — e permitindo um acesso a um leque amplo e plural de linguagens e de opiniões. Se as crianças não têm falta de séries e episódios que põem em cena valores conservadores ou tradicionais, mesmo quando já não são comuns hoje em dia, porque não poderão ter também acesso a valores mais modernos ou progressistas?
O que é certo é que há hoje — muitas vezes a coberto da crítica ao “politicamente correto”, mas exercendo uma vontade censória mais real e punitiva — uma vaga de pressão tradicionalista que já tem obrigado a fechar exposições em museus ou a desprogramar filmes um pouco por todo o mundo, do Brasil à Rússia, e sem o escândalo generalizado que as posições mais exageradas do “politicamente correcto” sempre garantem na imprensa. Não sei se foi este o caso aqui, mas é importante que seja esclarecido. É que se fôssemos a ceder a essas pressões tradicionalistas, 2020 acabaria por ser como 1950.
E essa possibilidade torna ainda mais premente a defesa da rebeldia em nome da liberdade e da felicidade que uma série como Destemidas permite conhecer no feminino. Cheira-me que vamos precisar de mais destemidas e destemidos no futuro próximo.
Historiador; fundador do Livre
TÓPICOS
COMENTÁRIOS
antifascista INICIANTE: Rui Tavares, o melhor amigo do Chega. 26.06.2020
mário borges EXPERIENTE: Os terroristas do pensamento cristão em acção.
Joao EXPERIENTE: “Sempre que abrimos a boca, há hoje um burocrata de indignação a medir cada palavra, e a encontrar nelas curvaturas proibidas”…digo eu há muito e disse aqui o joão miguel tavares em 10/8/2017 “Os burocratas da indignação”. Depois dos burocratas de Bruxelas andarem a perseguir e proibir as curvaturas das bananas vem aqui o Tavares perseguir e criticar a aplicação das leis e regulamentos sobre classificação e faixas etárias definidos pelos portugueses para espectáculos e filmes. Diz o Tavares que talvez, não sabe bem, mas talvez seria porque há um beijo lésbico que até ilustra. A minha pergunta é se nesse filme há algum beijo hétero. Haverá? Até quase aposto que não há, ou como diz o Tavares, talvez, não sei, mas talvez não haja um beijo hétero.
Pelo pergunto o que é de relevante em “uma feminista francesa que lutou pela legalização do aborto” e que era homossexual assumida, se ser activista e militante pelos direitos das mulheres se ter sido Homossexual. Eu pensava que as orientações e actos sexuais de cada pessoa, nomeadamente os homossexuais, deveriam ser de cada um e não serem brandidos ou exibidos eles mesmos como objectivo. “Custa a crer” que seja assim, como diz o Tavares, mas “não há nenhuma outra justificação plausível” como também diz o Tavares.
Portanto eu só lamento que o activismo e militância de “uma feminista francesa”, mãe de quatro filhos, reconhecida e valorizada pela sua militância pela sociedade e até condecorada oficialmente e a nível governamental, seja reduzida, caricaturada, estereotipada e ilustrada simplesmente como “homossexual” ou “lésbica”. Ah e claro que se cumpra a lei.
Manuel Brito.205795 MODERADOR: Acho que já estava mais que na altura de o Público o convidar para colunista, dada a frequência e extensão dos seus comentários.
Joao EXPERIENTE: Meu caro, eu prezo muito a minha liberdade, nomeadamente a da expressão.
Mafalda RomaINICIANTE: É uma pena que a série tenha sido suspendida por estas razões. Não faz sentido em Portugal de 2020, e devíamos, tínhamos obrigação, de estar melhor do que isto. Li o livro "Destemidas", que deu origem à série, foi editado em Portugal em 2019 pela Levoir. É um livro fantástico, mas a biografia de Thérèse Clerk também não está lá. Espero que a Levoir edite o 2ºvolume, com as restantes biografias de mulheres extraordinárias.
James Courtauld INICIANTE: Suspender um programa num canal de Tv de muito baixa audiência porque duas mulheres se beijaram demonstra o enorme atraso de Portugal em matéria de costumes.
Manuel Figueira INICIANTE: Caro RT: Da maioria dos seus textos gosto muito, às vezes um pouco menos: deste muito. Mas do que gosto mais é da racionalidade e sentido analítico que os enformam. E da forma serena, elegante e educada como expõe as ideias, sem ofender ninguém: um exemplo para muitos escrevinhadores nos jornais. Mas uma coisa me desagrada muito: a adesão acrítica ao Acordo Ortográfico (ou Aborto Ortográfico), que tem lançado o caos na Língua Portuguesa. Até os Decretos-Leis trazem facto numa linha e fato algumas linhas abaixo: facto continua a escrever-se como sempre se escreveu. É para mim um mistério o amor do RT a esta excrescência normativa, fruto da demência de dois Marretas: Malaca Casteleiro (Portugal) e Evanildo Bechara (Brasil).
Margarida Paredes, cansada de ler comentários de Trolls da extrema-direita, fascistas e racistas neste Forum. Desisti de ser Moderadora. INFLUENTE: Manuel Figueira, o seu comentário foi aprovado por um Moderador "iluminado" que nem as regras de publicação leu. Não são admitidos comentários com Links ou Hiperligações.
Manuel Figueira INICIANTE: AGORA SEM LINK (não sabia que não se podia pôr) Caro RT: Na sequência do comentário anterior, em que mostrei o meu desagrado pela sua adesão acrítica ao Acordo Ortográfico e referi o descalabro que este introduziu na Língua Portuguesa, mostro-lhe quatro exemplos da sua contradição em aderir a uma coisa que não cumpre: Junho – pelo AO escreve-se todo com caixa baixa: junho Espectadores – pelo AO não leva c: espetadores Wikipédia – com ou sem AO, começa com caixa alta: Wikipédia II.ª Guerra Mundial – com ou sem AO, a numeração romana não leva ordinais sobrelinhados: II Guerra Mundial Use o Corrector da Língua Portuguesa Lince, que é grátis (mas só com os textos convertidos em Word 97-2003)
28.06.2020 08:42
ana cristina MODERADOR: Em 2020 um beijinho animado que leva a censura só pode ser coisa de tarados. Eles andam aí.
José Teixeira, admirador de Margarida Paredes, que desistiu de ser moderadora no exato instante em que foi despromovida de moderadora. INICIANTE: Quando vieram buscar os blocos de actividades da Porto Editora eu fiquei em silêncio porque não gostava dos blocos. Quando retiraram o E Tudo o Vento Levou não disse nada porque não era dos meus filmes preferidos. Quando proibiram as Destemidas já não havia ninguém que pudesse protestar.
Margarida Paredes, cansada de ler comentários de Trolls da extrema-direita, fascistas e racistas neste Forum. Desisti de ser Moderadora. INFLUENTE: Muito bem Rui Tavares. As minhas netinhas são pequeninas mas quando forem mais velhinhas espero que possam ver essa série sobre mulheres Destemidas que mudaram o mundo. A RTP2 submeteu-se à censura dos mais conservadores, não estava à espera. Pensei que Portugal escapava a este retrocesso civilizacional. Estava enganada. O Brasil é já aqui.
Manuel Figueira INICIANTE: Margarida: Anda distraída, pois o novo normal que muitos «democratas impolutos» nos querem impor passa por vestir os bebés-meninos de azul e os bebés-meninas de cor-de-rosa. Nada como uma boa tradição para nos criar um mundo sereno. Esquecem-se de que a tradição sempre foi mudando ao longo dos tempos e o mundo nunca foi sereno. Mas vá tentar convencê-los disto.
Manuel Brito.205795 MODERADOR: WLM, na sua ânsia de escrever, você nem consegue ler primeiro. Se Margarida Paredes fala das suas netas há fortes probabilidades de que tenha também filhos, não lhe parece? É preciso ter estômago para comentários como o seu.
 

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