Uma crónica serena e objectiva, de um
analista seguro de si e que se manteve aprumado sempre, nos seus esclarecimentos,
de uma nobreza sem tréguas e sem medo dos ventos contrários. Um prazer de
leitura, a de Jaime Nogueira Pinto, mas uma
descrença nesse Chega do seu
apoio, partido que, para vingar, necessitaria do apoio de outros partidos mais
à direita. Estes, todavia, estão acomodados no seu canto, bezerros mamando nas
tetas costumeiras, para quem os valores da “velha guarda” nunca afinal
contaram. E assim vamos vivendo, no despenhadeiro habitual da nossa incúria
interesseira.
A Direita, as direitas e a chegada do Chega /premium
O Chega é, por enquanto, um partido pequeno que sai dos
cânones da “velha direita” religiosa e monárquica sem que assuma a radicalidade
anti-regime da direita nacional-revolucionária.
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 03 jul
2020
Enquanto
dormia - o Miguel Pinheiro ou a Filomena Martins preparam para si um guia
resumido do que se passa, logo de manhã pelas 9h00, todos os dias úteis.
Em política temos, cada vez mais, de
andar de dicionário na mão. Mas
neste país, governado pela direita de 1926 a 1974 e governado pela esquerda
desde 1974, até nos dicionários políticos encontramos fake concepts – ora por
interesse partidário, ora por incompetência dos dicionaristas, ora, vá-se lá
saber porquê.
Em
1974, depois do golpe dos capitães, o país virou à esquerda. O que não era
estranho, pois há muito que a esquerda fazia a cabeça das pessoas – nas
faculdades, nas páginas literárias dos vespertinos, na comunidade literária e
intelectual. Salazar e os responsáveis do regime tinham abandonado
qualquer preocupação de combate de ideias ou de batalha cultural. As organizações
oficiais do regime eram de um profundo
desinteresse e indigência nessas matérias e França – cuja cultura
era, ao tempo, dominada pela esquerda sartriana – era a bíblia dos
oráculos domésticos.
Nessa
decadência e dependência intelectual e cultural da Direita e das direitas nos
anos finais do Estado Novo começou a guerra de África. A chamada “Situação”,
que no ano de 1958, com o raid eleitoral de Humberto Delgado, passara
por uma situação extremamente perigosa, vai sobreviver graças à trégua – e até
à renovação – que a guerra de África trouxe nos seus primeiros anos. Houve, por
um tempo, uma União Sagrada – com o apoio dos velhos oposicionistas
republicanos, alguns bem mais “africanos” que Salazar, para a defesa do
Império; e houve também, mesmo entre os mais novos, um sentimento identitário
que repolitizou a Direita.
Havia,
fora das organizações oficiais, alguns núcleos críticos “de direita”, e
de muitas direitas: salazaristas que achavam
que o regime se tornara uma plutocracia autoritária, mas que absolviam disso o
“Doutor Salazar”; velhos nacionais-sindicalistas, que achavam que o 28 de Maio
fora uma “Revolução Traída”, alguns tentados a passar para o “Reviralho”;
monárquicos de várias persuasões, desde miguelistas a liberais, certos de que
Salazar os enganara; católicos tradicionalistas, zangados com o Concílio;
intelectuais e jovens neofascistas. E de todos estes grupos e das suas
publicações –Agora, Debate, Tempo Presente –
ia também sair dos liceus e nas Universidades uma nova geração que, em resposta
à ofensiva da esquerda associativa, que juntava numa frente comum as famílias
da esquerda – comunistas, católicos progressistas e “Reviralho”
tradicional – uma
direita revolucionária, ou nacional revolucionária. Era
mais nova (entre os quinze e os vinte anos) era “estrangeirada” e até
desenraizada, nas leituras e, mais importante, no modo de combater e na
formulação das causas. E tinha percebido, que, a uma ideia revolucionária e
empolgante só se resistia com uma outra ideia, também revolucionária e
empolgante, só que de sinal contrário.
O que uniu estas direitas –
além do anti-comunismo,
que era uma causa negativa partilhada com muita gente que não era de direita –
foi a questão de África e da guerra de África, que também congregava gente que não era de direita.
As esquerdas no poder, entre 25 de
Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, neutralizaram pela prisão, pelo exílio
e pela proibição dos partidos a resistência da direita que lhes podia fazer
frente, que levou roda de “fascista”, deixando só a direita domesticada. Esta direita fez causa comum com o PS
para neutralizar a deriva da esquerda revolucionária em 25 de Novembro, perante
a neutralidade colaborante do PCP e das suas “Forças Armadas”. E assim nasceu o regime cultural assente
no arco de governação PS-PSD-CDS, com uma ideologia “antifascista”, que evoluiu
para a correcção política, e uma partilha do poder político e
político-económico no Estado e na Economia, tendo no centro os dois partidos do
Bloco Central que às vezes se aliaram também à esquerda, como o PS no caso da
Geringonça se aliou com o BE e o PCP. A
Academia, sobretudo nas Humanidades, foi ficando uma coutada exclusiva da
extrema esquerda e o jornalismo e a “cultura” foram sendo enfeudados pelas
várias esquerdas.
O PSD
e CDS-PP (com as excepções das temporadas
Manuel Monteiro-Portas, e do recente movimento intelectual protagonizado por
Miguel Morgado, 5.7) nunca
quiseram sequer ouvir falar de batalha cultural e a esquerda continuou sozinha
no campo das ideias, passando tranquilamente do marxismo-leninismo do PCP para
as causas gramscianas da “Nova Esquerda”
americana. Por isso,
46 anos depois de ter tomado o poder do Estado, manteve e mantém um inabalável
monopólio nas ideias e na informação, um monopólio que se reafirma todos os
dias, nas páginas dos periódicos e nos noticiários de televisão.
O
aparecimento do Chega de André Ventura teve
a novidade e o mérito de, pela primeira vez, pôr em questão este quadro, com
uma direita, que, num regime de esquerda, resistia à domesticação e não pedia
licença para entrar no sistema político, mesmo intitulando-se anti-sistema.
Trazia
com certeza as marcas do que se está a passar nas Américas e na Europa,
onde novas figuras e novos partidos quebravam o tradicional modelo do centro
governante.
Estes
partidos traziam também novos valores: eram claramente nacionalistas, e mais eurocépticos e eurocríticos que anti-europeus, querendo uma Europa das
Nações.
A sua diversidade reflectia-se numa
política crítica da imigração e sobretudo da imigração extraeuropeia e
islâmica. Mais ainda,
de uma imigração que não se integrava porque não se queria integrar. Insistia
também numa ajuda securitária, com o agravamento de penas para pedófilos,
violadores e predadores sexuais em geral.
Num
ensaio muito oportuno, Riccardo Marchi, um investigador italiano que tem vindo a estudar,
desde há quinze anos, o fenómeno das direitas e da Direita em Portugal,
classifica o Chega como um partido de nova direita radical e populista, que se
integra na corrente que, com as suas especificidades nacionais, vem surgindo em
toda a Europa: chamam-lhes partidos identitários ou de “nova
direita” porque não se assemelham ideologicamente nem à “velha direita”
nacional conservadora e socialmente elitista, nem à extrema-direita nacional-revolucionária
e fascistizante.
Ou seja, não querem nem a restauração
da monarquia, nem o nacional-catolicismo; mas também não alinham numa versão
neo-fascista de alternativa ideológica à democracia e de solidarismo social na
economia. São ambíguos quanto ao liberalismo económico, embora não sejam
liberais, ou institucionalmente liberais, nem na política nem nos costumes.
Curiosamente,
embora o Estado Novo e o salazarismo estejam há meio século afastados do poder,
a trilogia retórica que o auto-definia – Deus, Pátria, Família –
está hoje muito inculcada em regimes de direita, como por exemplo na Hungria,
na Polónia e até na Áustria. De resto,
o salazarismo foi, no tempo e no modo da Europa Ocidental dos anos trinta, uma
espécie de terceira via ou solução de equilíbrio entre o conservadorismo
católico-corporativo das direitas moderadas e o nacionalismo autoritário e
anti-democrático dos fascismos mediterrânicos e populistas.
O Chega é, por enquanto, um partido pequeno que sai dos
cânones da “velha direita” religiosa e monárquica sem que assuma a radicalidade
anti-regime da direita nacional-revolucionária, que nunca deixou de criticar o
25 de Abril e de o culpar pelo fim do Império pela decadência nacional.
Como
todos os partidos novos, o Chega vai ter agora de enfrentar o tempo mais perigoso
da sua existência. Já assusta o sistema, que o considera um inimigo a
exterminar, e que, depois de uma táctica de isolamento pelo silêncio, converge
nos ataques. Assenta na vocação inata do seu líder para o combate político
e na sua capacidade de pegar numa série de temas tabu que os partidos da
“direita” do sistema – PSD e PP – não se atreveram a levantar a tempo.
Mas vai ter de encontrar uma forma de se apresentar pela positiva,
pelos valores defendidos, e não apenas pela desmontagem do sistema no poder ou
pelas qualidades políticas do seu líder.
Para isso vai precisar de um back-up ideológico
e estratégico – e de um esteio político-doutrinário actualizado dos valores a
defender, a contrapor e a propor. Até porque, num combate político-cultural, o
campo de batalha são as cabeças dos “influenciadores” e dos eleitores; e, para
vencer, é preciso, primeiro, convencer.
COMENTÁRIOS
Gabriel Moreira: Eu acho que o Ventura não é própriamente contra ciganos ou muçulmanos.
Ele entende é que todos têm de
cumprir as leis do país.
António Marques Mendes: Inteligente como sempre, mas o autor parece gostar da direita reaccionária
tipo Orban. Ventura, tal como essa direita, são apenas uma manifestação
proto-fascista sem futuro num mundo progressivo. A solução para a direita
moderna, que caracterizei no teste publicado no meu blog, está a surgir no
partido republicano dos EUA entre aqueles que se opõem a Trump como o
economista Greg Mankiw.
José Pedro Faria >António Marques Mendes: Uma direita moderna e
inteligente é sempre bem vinda. Mas Ventura não é o paradigma da direita
retrógrada e fascista exactamente porque ele não tem convicções políticas e não
qualquer projecto social ou económico. Tenta apenas atrair as atenções de quem
clama genericamente contra corruptos, muçulmanos ou ciganos, utilizando chavões
de taberna. O problema é que está rodeado de pessoas perigosas, escondidas num
partido que se procura distanciar-se da extrema direita folclórica da saudação
nazi, assumindo assim uma aparente diferente natureza.O Ventura não é de
direita nem de esquerda, é apenas um oportunista que descobriu um nicho de
mercado político e explora-o muito bem. É esperto, e está no caminho certo para
crescer já que diz aquilo que muitas pessoas gostam de ouvir, mesmo que sejam
rematados disparates. É um exemplo acabado de populista rasca. Além disso, como
se vê por esta caixa de comentários, criou, com o apoio do seu staff, um núcleo
de centenas de falsas contas que espalha pelas redes sociais. Tem futuro, o
rapaz.
Rosa Baptista: O Chega tem tudo para crescer muito. Tem
o apoio do povo, porque ele é o único que defende os seus direitos na
Assembleia da República e defende também a integridade da Nação Portuguesa,
enquanto outros pugnam por a entregar de mão beijada aos globalistas, ou à
China, ou a outra elite qualquer. Os
portugueses que se prezam, vêem isto! Não são cegos! E a única oportunidade que
têm é de reclamar os seus direitos em eleições! Veremos
o que está para vir, porque o André Ventura deve estar preparado para mil e uma
cascas de bananas debaixo dos pés!
Jorge Carvalho:
Excelente
artigo. Obrigado Jaime Nogueira Pinto
Carolina Nunes: Os ataques ao Chega resumem-se à defesa dos beneficiários do regime dos
seus próprios interesses para que nada mude, o povo se mantenha manso e a
corrupção e empobrecimento do países continue. Quando os partidos moderados
deixam de representar a maioria dos eleitores é natural que a procura pelos
extremos aumente. Tal como em toda a Europa, também em Portugal se vai passar o
mesmo.
Ping PongYang > Carolina Nunes: Isso é tudo muito bonito, mas
a GNR vai à mesma apreender-lhe o Fiat Punto à porta do lagar onde trabalha... Aquelas jantes de 22" que lhe
meteu e os 5 escapes não estão averbados para aquele modelo. Lamento
estragar-lhe tanto entusiasmo.
João Pimentel Ferreira: Tanto Latim quando Chega obtém votos apenas via medo primário aos ciganos e
muçulmanos.
Voto Em BrancoJoão > Pimentel Ferreira: não, obtém votos por ser o
principal partido q se opõe à máfia de poder instalado dos partidos tradicionais
q controlam toda a nação, incluindo a justiça e o banco de Portugal
Tiago Vasconcelos > João Pimentel Ferreira: O medo a ciganos e muçulmanos
não é "primário". Da mesma forma que o medo a regimes fascistas e
comunistas também não pode ser considerado primário. É baseado em evidência
estatística indiscutível.
Carolina Nunes > João Pimentel Ferreira: Ná, tal como noutros países
europeus, o Chega está a corroer as bases do regime, denunciando em público o
que a maioria do povo pensa: que Portugal é um dos países mais corruptos da
Europa e é por isso que está a empobrecer há décadas. Os problemas com as
minorias, que são bem reais, servem para chamar à atenção, mas não é a
principal causa de crescimento do partido.
Basilio Magno: O artigo é excelente mas parece que o autor se encontra na morgue dum
hospital a colocar etiquetas em cadáveres. O Chega é isso tudo e não é nada
disso porque já nada é clássico na política portuguesa. Instalou se a politica
do conveniente quotidiano. Se um assunto hoje traz proventos de acordo com os
rumos políticos particulares de cada partido é martelar até brilhar. Amanhã
noutro que melhor convier. E claro ocultar/negar/contradizer/ deixar para
quando der jeito aquilo que não convém nesse momento.
Graciete
Madeira: Excelente
analise.
Carla Baptista: Excelente, como sempre. Em termos gerais e no plano doutrinário
subscreveria na integra. Porém, no caso especifico e concreto do partido CHEGA,
discordo por inteiro da conclusão inevitável da sua lição. Não creio que, neste
momento, o partido careça de qualquer reforço de cariz ideológico-doutrinário
para poder crescer e se estabelecer de forma perene. Pelo contrário, nesta
fase, estar a amarrar o partido a um pesado arcabouço ideológico, embora atraente
para um número muito restrito de quadros, seria contraproducente e de nenhum
efeito prático no eleitorado que está disponível para ser conquistado. Muito
longe de ideologia, para crescer exponencialmente, o partido precisa
exclusivamente de duas coisas de grande simplicidade. Primeiro: não se deixar
capturar pelas prebendas e pelo canto de sereia do centrão político-mediato. E,
segundo, manter amarras de aço ao dia-a-dia do português comum. Isto é, manter
e aprofundar o conhecimento íntimo do que se passa nas savanas e acampamentos
de betão de Lisboa, Setúbal e Porto; na actividade policial, criminal e
imigratória, nos transportes urbanos, no uso e fundos da segurança social,
saúde e habitação; na ideologia de "género" e homossexualista e
finalmente, e cada vez mais, no ataque cerrado e tirânico à fundamental
liberdade de expressão. Munido deste conhecimento detalhado da vida real do
português comum, ao partido CHEGA bastará tão-só verbalizá-lo, de forma
incessante e em tom bem audível, a todo o tempo e em todos os fóruns possíveis.
Isto e só isto, sem excessivas amarras ideológicas, gritar bem alto que o rei
vai nu; vocalizar a realidade da vida dos portugueses comuns, que, ao serviço
da oligarquia política, económica e social, toda a comunicação social silencia,
assegurará a esse partido, muito em breve, o exercício de funções governativas.
Marie de Montparnasse: Quando fala um intelectual como JNP todos ganhamos. Desejo que o seu enorme
conhecimento chegue ao CHEGA.
Eduardo Abreu: Excelente artigo. A demonstração clara de que os fantasmas inventados pelos
avençados do regime têm destino certo: o caixote do lixo.
Guilherme Valente: Um texto de JNP que li com interesse, finalmente. O que o politicólogo R.
Marchi disse na entrevista ao OBS. é o que penso e escrevi-o no Sol há um ano.
AV não é extrema-direita (como hoje no I se escreve três vezes citando a
Sábado, tal como Salvi i e Le Pen, a Filha, também não são. E ao contrário de
Catarina Martins e JS, AV Ventura até quer a UE, rectificada, como disse JNP.
No texto deste só não vejo onde está a “direita nacional-revolucionária, que
nunca deixou de criticar o 25 de Abril e de o culpar pelo fim do Império pela
decadência nacional.“, como ele refere. Escondida, no cemitério? À espera que a
querida extrema esquerda a cavalgar o racismo dos pseudo-anti-racistas a
acorde?
Lourenço de Almeida: Julgo que será entre o capitalismo na economia, defesa das liberdades
individuais e genericamente liberalismo na sociedade e patriotismo/nacionalismo
com a defesa de algum tradicionalismo no imaginário que fará a festa.
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