Em apoio ao magnífico texto de Salles da Fonseca sobre Salazar – magnífico
de saber esclarecido e de ousadia altiva de homem de pundonor – resolvi acrescentar
um texto enviado pelo meu filho Luís,
que
possui a capacidade analítica suficiente para se aperceber dos desaires em que
há muito tombámos e que nos não dão perspectivas de um futuro menos soturno do
que aquele que dolorosamente auguramos para os nossos vindouros. Um dos
comentadores desse texto sobre um artigo de M.Soares sobre Salazar, informou
que Mário Soares foi o maior
coveiro da pátria - mas o certo é que teve acompanhantes grados e ainda hoje
continuamos a cavar com afinco, pobres que somos. Mas achei formidável que esse
texto merecesse comentários tão críticos sobre M. Soares, que nos seus tempos de conquistador
emplumado envergonhava qualquer um, quer nos seus passeios mundanos, de
irrequietudes bacocas, quer até em entrevistas, como uma de que me lembro, um confronto
entre Felipe Gonzalez e ele, em
que aquele se mostrou intelectualmente muito mais bem apetrechado do que Soares, que mais não fez do que debitar as
balelas costumeiras sobre socialismo e quejandos.
O texto do Dr. Salles da Fonseca, admirável de verticalidade corajosa, serviu de
pretexto para o tal, enviado pelo Luís, retirado de
https://consciencianacional.blogspot.com/2020/04/um-breve-perfil-psicanalitico-do-dr.html?spref=fb&fbclid=IwAR24YCd35t7oEK4DWOzvBVvhH2AK_PLEgqblXUT2hT7H211DW-Ctb8mGnsA
- e seus comentadores. Agradeço também por esse motivo.
I - EFEMÉRIDE
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA A BEM DA NAÇÃO28.07.20
Estava
eu há 50 anos a estagiar na EPAM - Escola Prática de Administração Militar, na
Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa, quando foi anunciada a morte do Doutor
Salazar. Ocorrência esperada a qualquer momento face à situação clínica do
enfermo, nada aconteceu. Ao contrário do que os seus adeptos ferrenhos
queriam, o povo não se manifestou em rios de lágrimas nem se ouviram coros
de prantos; ao contrário do que os comunistas queriam, não houve manifestações
de júbilo nem as valetas das ruas se encheram de sangue. Nada,
absolutamente nada. E nós, os crentes na Primavera Marcelista, imaginámos
que o Professor Marcelo Caetano se sentiria então mais à vontade para conduzir
Portugal no caminho suave para a democracia e com as colónias a caminho da
autonomia integrada num processo pacífico.
Por
todas estas razões, posso hoje afirmar que há 50 anos nada aconteceu:
nem para salazaristas, nem para comunistas, nem para marcelistas.
Mas
se a ocorrência não foi charneira histórica, ela pode hoje servir para lembrar
algumas realidades sobre o Doutor Salazar:
Ao contrário da propaganda
comunista, o Doutor Salazar não era fascista. Pelo contrário, instituiu um
Estado de Direito – um Direito autocrático, sem dúvida, mas Direito
publicamente conhecido de todos os cidadãos, aplicável a todos, sem excepção;
Herdeiro de um Estado falido,
manteve sempre a política do equilíbrio das Finanças Públicas e condicionou
todo o desenvolvimento – económico e social – a esse equilíbrio;
Autocrata, nunca fingiu ser
democrata, muniu-se dos instrumentos de segurança nacional (não propriamente de
segurança pessoal) que lhe pareceram convenientes. Refiro-me à PIDE já que
tanto a Legião Portuguesa como a Brigada Naval não passavam de puros bluffs a
que ele próprio, depois da guerra civil espanhola, deixou de dar qualquer
importância – serviam para que uns quantos «maduros» se fardassem a fingir que
eram uns durões. A Mocidade Portuguesa era uma brincadeira de crianças;
Em política externa, o Doutor
Salazar foi exímio e nas épocas mais conturbadas assumiu a pasta dos Negócios
Estrangeiros para gerir o processo sem intermediários. E a URSS não tomou a
Península Ibérica como Stalin tinha imaginado.
E assim foi o que há 50 anos quase passou despercebido. Mas que hoje
refiro como um estadista que nos salvou do nazismo, do fascismo e do comunismo.
E
mais não digo porque acho que basta e porque não sei muito mais que dizer.
Julho
de 2020 Henrique Salles da Fonseca
II - Quarta-feira,
22 de abril de 2020
"Os
vinte anos passados sobre a morte do Dr. Salazar comemoram-se aqui da
maneira tradicional: os amigos rezam-lhe por alma e peregrinam até Sta. Comba
para cobrir de flores a humilde campa do velho senhor; os inimigos: a estupidentzia
indígena, aproveitando a venalidade senil dum contínuo reformado, divertiu-se
caluniosamente a mixurucar na vida íntima do falecido. Como corolário das
festas, perseguido por remotas, recônditas e recalcadas memórias de si, o
sr. Mário Soares desceu do seu alto pedestal, e fez imprimir no Público uma
extensa, descompassada e sobranceira crónica, onde, com inútil jactância, se
assume como um anti-Salazar, um Salazar às avessas, axiologicamente invertido:
todos os defeitos do antigo chefe do governo são
considerados como qualidades do fundador do actual regime; todas as qualidades
do fundador do antigo regime são consideradas como defeitos do cronicador. Vale a pena - já agora - vasculhar
psicanaliticamente as profundezas da personalidade do célebre croniqueiro
algarvio. Este seu texto tão estranho - e por vezes tão amargurado chega a
parecer um caso de psicastenia insublimada.
Analisemos
em pormenor o "breve perfil" de António de Oliveira
Salazar pelo sr. Mário Soares:
António de Oliveira Salazar usava os apelidos em ordem inversa à que é corrente em Portugal e como é hábito em Espanha: o pai era o sr. Oliveira, feitor e pequeno proprietário rural; a mãe, Maria do Resgate, é que era Salazar, personalidade dominante da família a quem o filho sempre se sentiu, afectivamente, muito ligado. Deveria chamar-se, portanto, António Salazar de Oliveira. Mas curiosamente foi o nome da mãe, Salazar, que sempre usou em último lugar. O sr. Soares (ignora mesmo, não finge ignorar...) que só depois de 1911, da lei do Registo Civil se normalizou oficialmente em Portugal a ordem dos matronímicos, embora sem rigidez coerciva. Na Beira, no final do séc. XIX e princípio do séc. XX, ainda era muito costume antepor o apelido da mãe ao do pai nos registos paroquiais. Salazar, todavia, toda a vida assinou Oliveira Salazar - e não apenas Salazar - como parece querer insinuar o sr. Mário Soares. Os seus livros estão assinados Oliveira Salazar; toda a correspondência ou foi rubricada com as iniciais O.S., ou foi subscrita Oliveira Salazar. Salazar de Oliveira é um delito que deve ser imputado ao próprio baptizado - que sempre usou o matronímico no fim. Como se chamava Oliveira Salazar é natural, no entanto, que usasse apelidos pela ordem registada na igreja, apesar de ser costume no nosso tempo as pessoas usarem apenas o último apelido: o Soares, o Múrias, o Cadilhe... Assinar Salazar de Oliveira seria tão parvo como se, agora, o sr. Mário Soares resolvesse subscrever-se Mário Alberto Soares Nobre.
António de Oliveira Salazar usava os apelidos em ordem inversa à que é corrente em Portugal e como é hábito em Espanha: o pai era o sr. Oliveira, feitor e pequeno proprietário rural; a mãe, Maria do Resgate, é que era Salazar, personalidade dominante da família a quem o filho sempre se sentiu, afectivamente, muito ligado. Deveria chamar-se, portanto, António Salazar de Oliveira. Mas curiosamente foi o nome da mãe, Salazar, que sempre usou em último lugar. O sr. Soares (ignora mesmo, não finge ignorar...) que só depois de 1911, da lei do Registo Civil se normalizou oficialmente em Portugal a ordem dos matronímicos, embora sem rigidez coerciva. Na Beira, no final do séc. XIX e princípio do séc. XX, ainda era muito costume antepor o apelido da mãe ao do pai nos registos paroquiais. Salazar, todavia, toda a vida assinou Oliveira Salazar - e não apenas Salazar - como parece querer insinuar o sr. Mário Soares. Os seus livros estão assinados Oliveira Salazar; toda a correspondência ou foi rubricada com as iniciais O.S., ou foi subscrita Oliveira Salazar. Salazar de Oliveira é um delito que deve ser imputado ao próprio baptizado - que sempre usou o matronímico no fim. Como se chamava Oliveira Salazar é natural, no entanto, que usasse apelidos pela ordem registada na igreja, apesar de ser costume no nosso tempo as pessoas usarem apenas o último apelido: o Soares, o Múrias, o Cadilhe... Assinar Salazar de Oliveira seria tão parvo como se, agora, o sr. Mário Soares resolvesse subscrever-se Mário Alberto Soares Nobre.
Todavia, o facto do eminente
articulista dar tanto relevo a este mínimo particular da biografia de Salazar
tem a sua significância psicanalítica.
Começa a revelar-se (a impor-se) o complexo de Édipo que, porventura, perturba o inconsciente do famoso
combatente anti-fascista, e justifica algumas pequenas inverdades deste seu
texto - e muitas das suas acções políticas.
O complexo de Édipo é, como se
sabe, uma locução técnica de psicanálise utilizada pela primeira vez por Freud
parece que devido à influência de Jung. A personagem trágica de Édipo arrastado
pela fatalidade ao assassínio do pai e ao incesto com a mãe, é utilizada por
Freud para caracterizar o ódio contra o pai e o amor pela mãe. O célebre
neurologista austríaco considerava esta aberração psíquica como inata,
universal e perene. Dois outros tão famosos psicanalistas, Adler e Jung, seus
discípulos, consideravam-na, porém, como adquirida nos primeiros anos de
infância quase até à puberdade; e patológica caso se prolongasse pelos tempos
fora sem motivações fundamentadas na realidade histórica do complexado.
Salazar, parece, na verdade, ter estado sempre efectivamente
muito mais ligado à mãe do que ao pai. Ao dr. Soares talvez não tenha podido
acontecer o mesmo - tanto que, em casa dele, a senhora sua mãe, antes de se
casar com o senhor seu pai, era a empregada doméstica - que o dr. João Lopes
Soares fora padre. Dos arcanos mais escondidos da alma, o sr. Soares parece não
perdoar isso ao pai. É natural, mas não é razão para censurar o Salazar por
gostar da mãe...
Assim,
governado na infância e na adolescência por um pai severo, austero e
disciplinador que não o deixava pôr o pé em ramo verde, o sr. Soares transfere
psicologicamente para a personalidade de Salazar a recordação esquecida e
frustrada do dr. João Lopes Soares. Também Salazar durante a maior parte da
infância, da adolescência e da maturidade do sr. Soares, o não deixou pôr o pé
em ramo verde, severo, austero, disciplinador e económico, como fora o paizinho
do articulista. Salazar, contudo, não chegou a ser padre, foi apenas
seminarista. Para o sr. Soares agora também isso é imperdoável.
Seguindo
a debruçar-se sobre a personalidade de Salazar o sr. Soares escreve:
Filho
de gente pobre (o sr. Soares gaba-se de ser filho de gente rica), educado num
meio muito católico (o pai do sr. Mário Soares foi educado para padre) (...)
Salazar cursou o seminário (como o dr. João Soares) chegando a tomar ordens
menores (dr. João Soares tomou ordens maiores). (...) Os seus alunos (dele
Salazar, evidentemente...) nunca lhe negaram competência... (o dr. João Soares
foi considerado no seu tempo excelente pedagogo...) mas diziam dele que era um
professor distante, exigente, ensimesmado, sem calor humano - exactamente o que
dizem do pai do sr. Soares os antigos alunos do Colégio Moderno - sem porem em
dúvida as qualidades pedagógicas do antigo sacerdote; e o contrário do que
recordam os discípulos do Prof. Salazar ainda vivos, aquela juventude dos
anos vinte, saída da Lusa Atenas, que espalhou a fama do técnico de finanças e,
no fundo, foi responsável pela sua entrada para o governo de Vicente de
Freitas, em 1928.
A
sua formação cultural e política (continua o sr. Soares) foi feita nos meios
católicos e ultra-conservadores... A do dr João Soares também - só que este,
quando chegou à idade da razão por ser a das maiores loucuras, atirou com a
sotaina às malvas, aliou-se à esquerda republicana e anti-clerical dos últimos
anos da Monarquia e, em 1911, iniciou-se na Maçonaria com o nome simbólico de
Rousseau (...) atingindo o grau 32 do Rito Escocês Antigo e Assente do Grande
Oriente Lusitano Unido (*).
O contrastante paralelismo entre as duas personalidades é, também aqui, evidentíssimo: o Dr. Oliveira Salazar foi um ultra-conservador, filiado no CADC [Centro Académico de Democracia Cristã] que usou o pseudónimo de Alves da Silva nos artigos para o "Imparcial", o dr. Lopes Soares, filiado na Loja Paz do Gr.Ori.Lus.Un., foi ultra progressista e anti-clerical com a alcunha esotérica de Rousseau. Será que o dr. Soares não perdoa ao pai autêntico o ter-se filiado na Maçonaria e ter sido apaniaguado de Afonso Costa? E que, representando inconscientemente o dr. João Soares na figura de Oliveira Salazar, se vinga neste das pseudo afrontas que recebeu do outro?
O contrastante paralelismo entre as duas personalidades é, também aqui, evidentíssimo: o Dr. Oliveira Salazar foi um ultra-conservador, filiado no CADC [Centro Académico de Democracia Cristã] que usou o pseudónimo de Alves da Silva nos artigos para o "Imparcial", o dr. Lopes Soares, filiado na Loja Paz do Gr.Ori.Lus.Un., foi ultra progressista e anti-clerical com a alcunha esotérica de Rousseau. Será que o dr. Soares não perdoa ao pai autêntico o ter-se filiado na Maçonaria e ter sido apaniaguado de Afonso Costa? E que, representando inconscientemente o dr. João Soares na figura de Oliveira Salazar, se vinga neste das pseudo afrontas que recebeu do outro?
Membro
do Centro Católico - escreve ainda Soares - Salazar chegou a ser deputado em
1921. Tentou uma vez usar da palavra no Parlamento - foi um fracasso.
Se
a historieta fosse verdadeira, quer dizer, se Salazar tivesse tentado usar da
palavra na Câmara dos Deputados, com certeza que teria fracassado, tanto que
ele era o contrário de um parlamentar. Infelizmente a anedota é falsa.
Salazar
assistiu a uma única reunião do Parlamento: a da inauguração da sessão
legislativa, no dia 25 de Junho de 1921. Não interveio - porque ninguém
interveio, ocupados os pais da Pátria em elegerem a mesa e em organizarem as
comissões. Nunca mais regressou ao palratório de S. Bento, antes do advento do
Estado Novo. Mesmo assim,
graças certamente ao seu prestígio científico, elegeram-no membro da
comissão do orçamento, e da comissão de estatística, e da comissão da instrução
superior - e para presidir a comissão de inquérito aos serviços do ministério
das Colónias - apesar de ausente.
Aquele
Parlamento foi dissolvido depois da revolução do 19 de Outubro. Salazar não
teve ocasião de fazer ouvir a voz de falsete nos espectáculos de S. Bento senão
depois do 28 de Maio. O mesmo aconteceu ao dr. Lopes Soares que, eleito
deputado para a sessão legislativa de 1915-1916, posto que tenha comparecido a
várias reuniões parlamentares, nunca fez ouvir a maviosa voz.
Toda a crónica do "Público" é conduzida neste tom de revoltada filiação. Até na crítica que não chega a haver à obra do Dr. Salazar se pressentem os recalcamentos do sr. Soares. O pai é o personagem constantemente descrito pelo sr. Soares. Salazar surge apenas como um pretexto para o articulista cevar os seus rancores de menino, as amarguras da infância sem amor e da adolescência mesquinha: o pai tirano com a vida irremediavelmente estragada pelos erros da juventude; o político falhado e vencido por outro político (antigo seminarista também) mais feliz e persistente; o homem honrado que toda a vida foi pobre mas que, enriquecido graças à tranquilidade que o Estado Novo lhe dava para trabalhar, não via com bons olhos nem a liberdade do filho mais novo, nem as suas aventuras políticas que poderiam pôr em perigo o funcionamento do Colégio Moderno, fonte da sua recente abastança.
Salazar - prossegue Soares - não foi um "duce", nem um "führer" nem sequer um caudilho; nunca se fardou (...) Ficou sempre como um civil muito lente de Coimbra, distante, secreto, composto! Nunca gostou de manifestações, nem se sentia bem entre as massas populares ou ao calor das intimidades, dos correligionários mais entusiastas (...) Um ar tímido de eterno "défroqué" não se sentia manifestamente à vontade nas vestes do "condottieri".
Toda a crónica do "Público" é conduzida neste tom de revoltada filiação. Até na crítica que não chega a haver à obra do Dr. Salazar se pressentem os recalcamentos do sr. Soares. O pai é o personagem constantemente descrito pelo sr. Soares. Salazar surge apenas como um pretexto para o articulista cevar os seus rancores de menino, as amarguras da infância sem amor e da adolescência mesquinha: o pai tirano com a vida irremediavelmente estragada pelos erros da juventude; o político falhado e vencido por outro político (antigo seminarista também) mais feliz e persistente; o homem honrado que toda a vida foi pobre mas que, enriquecido graças à tranquilidade que o Estado Novo lhe dava para trabalhar, não via com bons olhos nem a liberdade do filho mais novo, nem as suas aventuras políticas que poderiam pôr em perigo o funcionamento do Colégio Moderno, fonte da sua recente abastança.
Salazar - prossegue Soares - não foi um "duce", nem um "führer" nem sequer um caudilho; nunca se fardou (...) Ficou sempre como um civil muito lente de Coimbra, distante, secreto, composto! Nunca gostou de manifestações, nem se sentia bem entre as massas populares ou ao calor das intimidades, dos correligionários mais entusiastas (...) Um ar tímido de eterno "défroqué" não se sentia manifestamente à vontade nas vestes do "condottieri".
Consagrado
ao trabalho "casou-se com a Pátria" (...) Por isso não tivera tempo
de constituir família. Tanto
bastou para que a Oposição, o chamado reviralho malevolamente o proclamasse
misógino, se não coisa pior aos olhos do marialvismo lusitano. Mas não. Sempre apreciou o convívio feminino e não
só, ao que parece, nas suas formas platónicas (...) E desde logo (fulana) a sua
delicada companheira (...) que incontestavelemtne foi a "sua mulher"
até ao fim da vida, à semelhança das amas dos padres, descritas por Camilo
muito ao estilo do séc. XIX.
Não fora o caso do artigo ter um
carácter evidentemente psicasténico - o menos que se poderia dizer deste naco
de prosa é de que é deselegante. Principalmente
para o dr. João Lopes Soares. Escrito
pelo filho dum despadrado chega a ser patético. São as frustrações
familiares reprimidas do ilustre estadista que de novo vêm à superfície do seu
espírito. O sr. Soares na ânsia inconsciente de apagar uma recordação frustrante,
esquece-a - e deixa-se ir, continua a deixar-se ir - na corrente dos boatos
que, durante quarenta anos, salpicaram a honorabilidade da sra. Maria. Sem
querer, contudo acaba por fazer recordar publicamente a sua mais amargurante
recordação esquecida: que o pai era padre e vivera com a mãe maritalmente à
semelhança dos padres descritos por Camilo muito ao estilo do séc. XIX.
Isto
se verifica, verificando a profunda injustiça que o sr. Soares faz a seu pai. O dr. João Soares foi uma personalidade superior. Para
além da actividade pedagógica. Mesmo politicamente. Envolvido na intentona de
26 de Agosto de 1931, ao lado do pai da sra. D. Maria de Jesus Barroso Soares,
foi preso, deportado para os Açores e exilado em Espanha. Depois nunca mais se
meteu em política. Nem nas campanhas eleitorais de Norton de Matos em 1949, nem
na de Humberto Delgado em 1958. O ensino, a partir de 1935, foi toda a sua vida
- o ensino e as preocupações que o filho mais novo lhe dava e que ele supunha
sempre metido pelas caixas dos teatros ou em modestas pândegas pelas
"boîtes" lisboetas como qualquer outro filho família da pequena
burguesia dos anos cinquenta.
Nem essa vida política e docente irrepreensível do pai o sr. Soares lhe perdoa, ao que parece. Ministro das Colónias num Ministério do Dr. Domingos Ferreira (antigo sacerdote como ele) o dr. João Soares foi dos melhores ministros das colónias da I República. Os seus três meses de governo, em 1919, ficaram marcados por medidas que perduraram e resolveram vários problemas pendentes. João Soares considerava as colónias parte integrante do território nacional. Como republicano histórico, defendeu-as com a alma e o coração. Foi por elas que Portugal se envolveu na I Grande Guerra. Por elas morreram muitos milhares de soldados portugueses nos Campos da Flandres e nas savanas africanas. Por elas se passou fome em Portugal, os portos e a pobre marinha mercante de então bloqueados pelos submarinos e corsários alemães. Ao chegar ao governo, o dr. João Soares só se preocupou em justificar tamanhos sacrifícios. Um autor insuspeito - o dr. Joaquim Veríssimo Serrão, na sua monumental "História de Portugal" - descreve assim a obra do dr. João Lopes Soares como Ministro das Colónias:
Nem essa vida política e docente irrepreensível do pai o sr. Soares lhe perdoa, ao que parece. Ministro das Colónias num Ministério do Dr. Domingos Ferreira (antigo sacerdote como ele) o dr. João Soares foi dos melhores ministros das colónias da I República. Os seus três meses de governo, em 1919, ficaram marcados por medidas que perduraram e resolveram vários problemas pendentes. João Soares considerava as colónias parte integrante do território nacional. Como republicano histórico, defendeu-as com a alma e o coração. Foi por elas que Portugal se envolveu na I Grande Guerra. Por elas morreram muitos milhares de soldados portugueses nos Campos da Flandres e nas savanas africanas. Por elas se passou fome em Portugal, os portos e a pobre marinha mercante de então bloqueados pelos submarinos e corsários alemães. Ao chegar ao governo, o dr. João Soares só se preocupou em justificar tamanhos sacrifícios. Um autor insuspeito - o dr. Joaquim Veríssimo Serrão, na sua monumental "História de Portugal" - descreve assim a obra do dr. João Lopes Soares como Ministro das Colónias:
O
novo grande impulso para a valorização das possessões em África e do Oriente
ficou a dever-se à passagem do João Lopes Soares pelo Ministério das Colónias.
Embora reduzida no tempo, de 30 de Março a 30 de Junho de 1919, a sua política,
assente numa boa formação pedagógica, fez dele um dos mais fecundos estadistas
no campo da administração ultramarina. Restabeleceu as cartas orgânicas (...) e
deu novo estatuto às missões religiosas (...) foi ainda o ministro João Soares
quem retirou do ponto morto a resolução do problema bancário das colónias
portuguesas. O dr. joão Soares portou-se sempre como um verdadeiro patriota. O
filho acabou por destruir a obra do pai.
Não
vale a pena ir mais longe. Se se quisesse responder cabalmente à prosa do sr.
Mário Soares, seria necessário transcrever o artigo todo (linha por linha). A
descolonização exemplar é, talvez, o último gesto de vingança que Soares comete
contra o pai dominado pelo seu complexo de Édipo.
Desbaratando o Ultramar Soares julga apagar, para sempre, das páginas da História de Portugal, o nome do pai. Simbolicamente, em termos de psicanálise, comete um parricídio.
Desbaratando o Ultramar Soares julga apagar, para sempre, das páginas da História de Portugal, o nome do pai. Simbolicamente, em termos de psicanálise, comete um parricídio.
Mas
há mais: ao referir-se à tacanha relação que - diz ele - Salazar - homem pobre
- tinha com o dinheiro - o sr. Soares volta aos seus velhos recalcamentos.
Era pública e notória a economia do dr. João Soares. Nos meios da
pequena pândega lisboeta dos anos cinquenta e sessenta, o sr. Soares era
conhecido como um pelintra: o paizinho não lhe abonava mais que o
indispensável. Para viver na deportação de S. Tomé em 1972 teve o sr.
Soares que aceitar o generoso auxílio do seu amigo Jorge de Melo, dono da CUF,
que lhe arranjou um chorudo e mírifico emprego naquela província ultramarina,
mais bem pago do que o próprio governador. Em Paris
também foi o capitalista Manuel Bullosa, quem o sustentou - que o dr. João
Soares não abria os cordões à bolsa. O
sr. Soares dá a entender agora que o pai lhe deixou uma grande fortuna - e é
bem de crer que sim, pois os terrenos da estrada de Malpique, a quintarola em
Nafarros, a casa do Vau no Algarve debruçada sobre o mar, e segundo se diz - a
próxima compra duma quinta em Monchique - tudo adquirido depois do 25 de Abril
- não poderiam ser possuídos em tão pouco tempo, se o sr. João Soares não
tivesse deixado aos filhos uma grandíssima fortuna. Tudo junto pode ser que valha
um milhão de contos. Não é em quinze anos que se ganham esses contos tais, se
os não tivesse recebido em herança.
A aparência de mediania que o sr.
Soares exteriorizava antes da gloriosa revolução dos cravos - era causada pela
relação tacanha que o senhor seu pai tinha com o dinheiro, incapaz de gastar um
tostão mal gasto, sujeito probo e poupado que, com desgosto, observava a prodigalidade
do filho mais novo.
Não há que ver: o breve perfil de Salazar que o sr. Mário Soares escreveu, parece muito mais o breve perfil de sr. João Lopes Soares, do que um estudo biográfico sobre o fundador do Estado Novo. Onde está Salazar podem os leitores pôr João Lopes Soares e retirarem da prosa as divagações irónicas e sobranceiras que o sr. Soares faz, procurando simbolicamente atingir o homem que até 1968 governou Portugal durante quarenta anos.
Não há que ver: o breve perfil de Salazar que o sr. Mário Soares escreveu, parece muito mais o breve perfil de sr. João Lopes Soares, do que um estudo biográfico sobre o fundador do Estado Novo. Onde está Salazar podem os leitores pôr João Lopes Soares e retirarem da prosa as divagações irónicas e sobranceiras que o sr. Soares faz, procurando simbolicamente atingir o homem que até 1968 governou Portugal durante quarenta anos.
Soares
não discute a política financeira de Salazar porque não está academicamente
habilitado para isso. É uma prova de honestidade e humildade intelectuais. A
política externa, todavia, resume-a a um fortuito encadeamento de propícios
azares que, se o Hitler tivesse ganho a II Guerra Mundial, teriam sido fatais
para o país. O
facto histórico e incontroverso de Salazar nunca ter viajado é prova provada de
que o génio diplomático Salazariano é um mito inventado pelos seus
correligionários. Para ele que é o Pepe Rápido da Diplomacia, o Speedy Gonzalez
da política externa (destruiu em poucas semanas um Império que levara cinco
séculos a construir) isso deve ser um pecado capital... Para quem tem como
único compêndio diplomático "A Volta ao Mundo em Oitenta Dias" é, com
certeza, uma imperfeição fatal. Os êxitos, portanto, foram mero produto da
sorte...
Sistema
político cujo único valor absoluto é a quantidade (tudo o mais é relativo) esta
democracia tem de ser, por força, mediocracia: os homens superiores quadram-se
mal com o seu igualitarismo tendencial. Verdadeiramente
só lhe interessam os medíocres, é por isso que o alevantar da cabeça de um,
obriga a baixar a cabeça dos outros. O dr. João Soares foi um homem superior,
Salazar também. Carregados de defeitos ambos; cheios de qualidades os dois. O
sr. Mário Soares não lhes perdoa. É "democrata".
Medíocre, mediocridade e mediocracia usam-se aqui com a sinonímia que lhes dá o Grande Buarque: medíocre como sinónimo de pessoa sem relevo, vulgar, ordinária ou mediana; mediocridade como a qualidade intrínseca do medíocre; mediocracia, significando o predomínio social e político das classes médias, da burguesia, dos medíocres. O sr. Soares não é muito estúpido, nem muito inteligente - antes pelo contrário. honesto q.b. detesta cordialmente o Catão. Eu também. Sem ser analfabeto tornou-se conhecido pelo vasto leque das suas ignorâncias. Não sendo o cúmulo da má educação, já não escandaliza quando se porta mal à mesa: toda a a gente o desculpa, conhecendo-lhe os antecedentes. É o expoente máximo da mediocridade nacional. Por isso devemos respeitá-lo como símbolo vivo do regime que gloriosamente nos governa."
Medíocre, mediocridade e mediocracia usam-se aqui com a sinonímia que lhes dá o Grande Buarque: medíocre como sinónimo de pessoa sem relevo, vulgar, ordinária ou mediana; mediocridade como a qualidade intrínseca do medíocre; mediocracia, significando o predomínio social e político das classes médias, da burguesia, dos medíocres. O sr. Soares não é muito estúpido, nem muito inteligente - antes pelo contrário. honesto q.b. detesta cordialmente o Catão. Eu também. Sem ser analfabeto tornou-se conhecido pelo vasto leque das suas ignorâncias. Não sendo o cúmulo da má educação, já não escandaliza quando se porta mal à mesa: toda a a gente o desculpa, conhecendo-lhe os antecedentes. É o expoente máximo da mediocridade nacional. Por isso devemos respeitá-lo como símbolo vivo do regime que gloriosamente nos governa."
É
o que sofremos. Nem o dr. João Soares, nem o Dr. Oliveria Salazar cabem
inteiros neste quadro mediocrático
(in Salazar sem Máscaras, Nova Arrancada, pp. 137-143).
*
Dicionário da Maçonaria Portuguesa - A. H. Oliveira Martins, 1.º Vol. L357/58 -
Ed. Delta Lx. 1986.
João Albuquerque23 de abril de 2020: Um
retrato bem tirado ao Mário Soares. Costuma referir-se que, em França, vivia
bem. Um dos "heróis" que eu conhecia, daqueles que, para fugirem à
guerra das colónias, fugiam para França, disse-me que o Mário Soares não se
ensaiava muito para cravar este e aquele. Foi ainda antes do 25 de Abril
que, em tempo de campanha para eleições, ouvi a primeira intervenção política
de Mário Soares. Uma desilusão. Disse ele que o país estava a fazer uma despesa
enorme com a guerra das colónias e que bastava acabar com a guerra para todos
os portugueses ficarem ricos. Um apelo à ganância dos portugueses que os
presentes aplaudiram entusiasticamente. Apelo a contar que a ganância o
ajudasse a ele a vender as colónias aos interesses internacionais. Eram estes
os nossos "democratas".
Victorino da Costa, 15
de maio de 2020: :
Com a idade alguns dos meus órgãos
internos enfraqueceram entre eles o estômago. Falar sobre esse complexado de
Édipo "vendedor" de propriedade alheia malcriado e fanfarrão iria
fazer-me vomitar... Que a terra lhe seja leve... como o chumbo !!!
Silva Silva 27 de julho de 2020: Uma análise muito bem conseguida sobre a personalidade
de quem mais danos causou ao país desde a sua fundação. Esperemos que após os
seus serviçais estarem bem enterrados a história lhe faça justiça. A maior Vergonha
e incompetência que alguma vez dirigiu esta nação. Um abraço para os que ainda continuam lúcidos.
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