Era Afonso da Maia que, surpreendido nas
suas caridadezinhas, assim responde ao marquês comovido ante os seus gestos
esmoleres, enquanto aquele as disfarça empurrando as mulheres agradecidas, para
as escadas traseiras. Mas o fosso das desigualdades sociais parece ser vergonhosamente
superior numa Índia de castas e de animais sagrados, como bem descreve Salles
da Fonseca, que tudo isso presenciou, na revolta inútil por tão superiores
anomalias, que deixam o mundo indiferente. Mundo muito mal feito, indeed, mas nós
temos, pelo menos, as escadas traseiras das nossas caridadezinhas, e somos bons
nisso. Além dos peditórios.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 05.07.20
Comecemos
pelo dicionário de português[i]:
Pobreza – penúria
de bens;
Indigência –
pobreza extrema;
Miséria – inópia,
falta do necessário
E agora passemos para a Índia.
Para onde? Por exemplo, para o Tamil Nadu
mas também poderia ser para Calcutá, zonas
urbanas do Maharastra,… onde a miséria assume graus superlativos
inimagináveis por um português do século XXI. Só vendo. E eu vi crianças,
mulheres e homens a vasculhar no lixo ubíquo disputando qualquer coisa
comestível com vacas, cães, ratos… Por ali, as vacas (não os bois) são
sagradas mas as pessoas que se desenrasquem como puderem. Se há uma
política de segurança social, ela não dá sinais de si; pelo contrário, parece
que a política oficial é a do abandono social. E há quem diga que a Índia é a maior
democracia do mundo. É que uma
parte enorme da população está entregue à miséria superlativa, totalmente
abandonada e isso não é democracia. Será qualquer outra coisa mas democracia
não é certamente.
É nesta realidade social que aparecem
empresas multinacionais a oferecer postos de trabalho. Para os padrões
ocidentais, vão para ali pagando uma ridicularia, parece que a higiene e
segurança no trabalho é «coisa» desconhecida por aquelas bandas, que muitos
trabalhadores são apenas crianças, que dormem e comem no local de trabalho e se
submetem a outras condições inimagináveis no Ocidente. Mas dormem sob um tecto, talvez amealhem algumas
Rupias, não precisam de chafurdar no lixo à procura de qualquer coisa
parecida com comida, têm que vestir e não andam com um trapo sujo a tapar-lhes
apenas «as vergonhas» como vi por todas aquelas cidades por que passei.
Tudo é relativo: o que parece
horrível para um ocidental, é bom para um indiano que consegue um desses postos
de trabalho levando-os a aspirar pelo aparecimento de muitas mais empresas
ocidentais que os tirem da miséria superlativa em que os políticos indianos os
deixam.
Mas,
na verdade, estas empresas nem sequer são as tais multinacionais ocidentais e
sim empresas indianas cujos clientes são essas multinacionais. Ou seja,
a solução passaria pela existência daquilo a que entre nós se chama a Inspecção
do Trabalho que
obstasse às situações que acima refiro.
E a pergunta é: com que moral é que qualquer político indiano pode
apresentar tal ideia se os tais «abusos» são o «paraíso» em comparação com as
condições que a classe política oferece aos seus cidadãos?
Outro absurdo: as
campanhas que correm no Ocidente contra as marcas que «exploram o trabalho
infantil no Oriente».
Então,
no que ficamos? Na necessidade imperiosa de os políticos indianos se
passarem a preocupar com as necessidades mais básicas e elementares dos seus
cidadãos.
Imbuídas de uma cultura humanista, Goa, Damão e Diu bem podiam dar o
exemplo com uma proposta política centrada nos Valores Humanos e não sobretudo
nos das vacas.
Julho
de 2020
Henrique
Salles da Fonseca
Tags: "lusitânia
armilar"
COMENTÁRIOS:
Anónimo 06.07.2020: Realmente é necessária uma revolução mundial.
Raquel Matholo 06.07.2020: É
deveras triste e deprimente! Meu Deus! Oxalá nunca cheguemos a este
estágio!....
Anónimo 06.07.2020: Desta vez o
meu comentário não ocupa mais do que meia dúzia de linhas, está descansado
Henrique. Como disse num comentário anterior a um post teu sobre lixo, só
estive na Índia uma vez, nos finais da década 80, e passei por Calcutá onde vi
tanta miséria, que me lembrei da Madre Teresa. Cheguei a ver defuntos
embrulhados em lençóis, na rua. Tudo o que descreves é mais horripilante se nos
lembrarmos que recursos significativos são desperdiçados para que a Índia tenha
armamento nuclear, à semelhança, aliás, do seu vizinho Paquistão. Abraço.
Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 06.07.2020: : Muito
boa tarde ! O que narrou no seu artigo sobre a pobreza na Índia para mim não é
novidade e essa miséria seria ainda mais intensa se a India, tal como a China
comunista, na década de 1980 não abrisse o país ao capital estrangeiro. A Índia
socialista só foi desenvolvendo a partir dessa data, quando as empresas
ocidentais deslocalizaram a sua produção para aquele país. O pior disso tudo é
muitos de nós e a ONU endeusar a democracia indiana desde 1949 e o seu fundador
Gandhi, Nehru, Sandra Boss, etc. enganarem o mundo difundindo o progresso com a
saída dos ingleses e já agora com a saída dos portugueses de Goa, Damão e Diu
em 1961. Esta miséria que está expor tem a ver com o desmantelamento das estruturas
seculares dos ingleses e mais tarde tb dos portugueses em Goa, Damão e Diu e
com ramificações ainda nos agora países da CPLP, que sofreram uma guerra civil
de uns 30 anos e um consequente retrocesso humano, tal como a Índia e outros
países tornados independentes na década de 1950 com a pressão da ONU e do clube
dos neutrais, Nehru, Sukarno, etc., causando as atuais migrações e imigrações
para os países ocidentais, face às guerras e fome e miséria nos seus países de
origem. Enquanto a Índia se prepara militarmente e domina a Kasimira à força.
Onde está a democracia e as respectivas eleições para saber a opinião do povo
de Kasmir? A destruição dos sistemas seculares, económicos, culturais, sociais,
etc. causa danos ao substituí-los por outros sistemas. A pp descolonização é
uma forma de racismo porque baseia-se na raça, quando a raça humana é só uma e
após 300 ou 400 anos os europeus tb se tinham tornado naturais da Índia. Se não
fosse assim tínhamos que mandar embora também os arianos europeus que dominaram
a Índia e os seus povos dravidianos desde há milénios. Séculos ou milénios não
interessa, o que está em causa é tb não serem originais da India. Estas são as
causas da miséria de muitas partes do mundo, incluindo da Índia. Esta é a minha
análise. Ganganeli Pereira
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