segunda-feira, 6 de julho de 2020

«Mundo muito mal feito, marquês.»



Era Afonso da Maia que, surpreendido nas suas caridadezinhas, assim responde ao marquês comovido ante os seus gestos esmoleres, enquanto aquele as disfarça empurrando as mulheres agradecidas, para as escadas traseiras. Mas o fosso das desigualdades sociais parece ser vergonhosamente superior numa Índia de castas e de animais sagrados, como bem descreve Salles da Fonseca, que tudo isso presenciou, na revolta inútil por tão superiores anomalias, que deixam o mundo indiferente. Mundo muito mal feito, indeed, mas nós temos, pelo menos, as escadas traseiras das nossas caridadezinhas, e somos bons nisso. Além dos peditórios.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 05.07.20

Comecemos pelo dicionário de português[i]:
Pobreza – penúria de bens;
Indigência – pobreza extrema;
Miséria – inópia, falta do necessário
E agora passemos para a Índia. Para onde? Por exemplo, para o Tamil Nadu mas também poderia ser para Calcutá, zonas urbanas do Maharastra,… onde a miséria assume graus superlativos inimagináveis por um português do século XXI. Só vendo. E eu vi crianças, mulheres e homens a vasculhar no lixo ubíquo disputando qualquer coisa comestível com vacas, cães, ratosPor ali, as vacas (não os bois) são sagradas mas as pessoas que se desenrasquem como puderem. Se há uma política de segurança social, ela não dá sinais de si; pelo contrário, parece que a política oficial é a do abandono social. E há quem diga que a Índia é a maior democracia do mundo. É que uma parte enorme da população está entregue à miséria superlativa, totalmente abandonada e isso não é democracia. Será qualquer outra coisa mas democracia não é certamente.
É nesta realidade social que aparecem empresas multinacionais a oferecer postos de trabalho. Para os padrões ocidentais, vão para ali pagando uma ridicularia, parece que a higiene e segurança no trabalho é «coisa» desconhecida por aquelas bandas, que muitos trabalhadores são apenas crianças, que dormem e comem no local de trabalho e se submetem a outras condições inimagináveis no Ocidente. Mas dormem sob um tecto, talvez amealhem algumas Rupias, não precisam de chafurdar no lixo à procura de qualquer coisa parecida com comida, têm que vestir e não andam com um trapo sujo a tapar-lhes apenas «as vergonhas» como vi por todas aquelas cidades por que passei.
Tudo é relativo: o que parece horrível para um ocidental, é bom para um indiano que consegue um desses postos de trabalho levando-os a aspirar pelo aparecimento de muitas mais empresas ocidentais que os tirem da miséria superlativa em que os políticos indianos os deixam.
Mas, na verdade, estas empresas nem sequer são as tais multinacionais ocidentais e sim empresas indianas cujos clientes são essas multinacionais. Ou seja, a solução passaria pela existência daquilo a que entre nós se chama a Inspecção do Trabalho que obstasse às situações que acima refiro. E a pergunta é: com que moral é que qualquer político indiano pode apresentar tal ideia se os tais «abusos» são o «paraíso» em comparação com as condições que a classe política oferece aos seus cidadãos?
Outro absurdo: as campanhas que correm no Ocidente contra as marcas que «exploram o trabalho infantil no Oriente».
Então, no que ficamos? Na necessidade imperiosa de os políticos indianos se passarem a preocupar com as necessidades mais básicas e elementares dos seus cidadãos.
Imbuídas de uma cultura humanista, Goa, Damão e Diu bem podiam dar o exemplo com uma proposta política centrada nos Valores Humanos e não sobretudo nos das vacas.
Julho de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i]- Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
COMENTÁRIOS:
Anónimo 06.07.2020: Realmente é necessária uma revolução mundial.
Raquel Matholo 06.07.2020: É deveras triste e deprimente! Meu Deus! Oxalá nunca cheguemos a este estágio!....
Anónimo 06.07.2020: Desta vez o meu comentário não ocupa mais do que meia dúzia de linhas, está descansado Henrique. Como disse num comentário anterior a um post teu sobre lixo, só estive na Índia uma vez, nos finais da década 80, e passei por Calcutá onde vi tanta miséria, que me lembrei da Madre Teresa. Cheguei a ver defuntos embrulhados em lençóis, na rua. Tudo o que descreves é mais horripilante se nos lembrarmos que recursos significativos são desperdiçados para que a Índia tenha armamento nuclear, à semelhança, aliás, do seu vizinho Paquistão. Abraço. Carlos Traguelho

Henrique Salles da Fonseca 06.07.2020: : Muito boa tarde ! O que narrou no seu artigo sobre a pobreza na Índia para mim não é novidade e essa miséria seria ainda mais intensa se a India, tal como a China comunista, na década de 1980 não abrisse o país ao capital estrangeiro. A Índia socialista só foi desenvolvendo a partir dessa data, quando as empresas ocidentais deslocalizaram a sua produção para aquele país. O pior disso tudo é muitos de nós e a ONU endeusar a democracia indiana desde 1949 e o seu fundador Gandhi, Nehru, Sandra Boss, etc. enganarem o mundo difundindo o progresso com a saída dos ingleses e já agora com a saída dos portugueses de Goa, Damão e Diu em 1961. Esta miséria que está expor tem a ver com o desmantelamento das estruturas seculares dos ingleses e mais tarde tb dos portugueses em Goa, Damão e Diu e com ramificações ainda nos agora países da CPLP, que sofreram uma guerra civil de uns 30 anos e um consequente retrocesso humano, tal como a Índia e outros países tornados independentes na década de 1950 com a pressão da ONU e do clube dos neutrais, Nehru, Sukarno, etc., causando as atuais migrações e imigrações para os países ocidentais, face às guerras e fome e miséria nos seus países de origem. Enquanto a Índia se prepara militarmente e domina a Kasimira à força. Onde está a democracia e as respectivas eleições para saber a opinião do povo de Kasmir? A destruição dos sistemas seculares, económicos, culturais, sociais, etc. causa danos ao substituí-los por outros sistemas. A pp descolonização é uma forma de racismo porque baseia-se na raça, quando a raça humana é só uma e após 300 ou 400 anos os europeus tb se tinham tornado naturais da Índia. Se não fosse assim tínhamos que mandar embora também os arianos europeus que dominaram a Índia e os seus povos dravidianos desde há milénios. Séculos ou milénios não interessa, o que está em causa é tb não serem originais da India. Estas são as causas da miséria de muitas partes do mundo, incluindo da Índia. Esta é a minha análise. Ganganeli Pereira

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