segunda-feira, 27 de julho de 2020

Em suma, nem assim somos capazes



Assim, ou seja, auxiliados por outros, mas sem saber ler nem escrever, a não ser usar uma aritmética de fazer sumir. Vergonhoso, que não haja gente neste país capaz de levar o barco a bom porto. Tudo isso, por falta de uma educação escrupulosa, que incluísse valores morais de exigência severa generalizada. Mas está-nos no sangue o desmazelo moral, para além do físico. António Barreto tem razão. Não temos hipótese de mudar de feição. Em épocas de crise houve sempre um salvador da pátria – João I, João IV, Sebastião José, Salazar… mas hoje, nem isso. A massa orgânica de que somos formados, como povo de servidão pedincha, não nos permite sair deste atoleiro que estávamos destinados a criar. Tivemos um Passos Coelho que bem tentou, mas foi logo abafado, à cautela, sem ninguém que lhe acudisse. “O dinheiro mal ganhado, água o deu, água o levou”, diz o provérbio. Foi dinheiro irresistível para a nossa deficiente formação moral. Não, a pelintrice agónica está-nos na mente e no sangue, quem se superiorize a isso não cai hoje na esparrela de pretender salvar uma nação de gamela, que não se importa com os donos dela. “Livres de voar”, como a tal gaivota, é o que com garra exigimos, sem escrúpulos quanto ao resto.

OPINIÃO
Fora de tom, fora de tempo
PÚBLICO, 26 de Julho de 2020
Não há memória, no último século, de uma época tão desgraçada como aquela em que vivemos. A em    bancarrota de finais do século XIX, a desordem da República, a opressão da ditadura, as duas guerras mundiais, a Guerra Civil de Espanha, a Guerra Colonial, a revolução de 1974 e a contra-revolução dos anos seguintes tiveram seguramente consequências gravíssimas e provocaram muitos danos. Mas este que vivemos é um período terrível da nossa história. Dez anos, quase vinte, que deixarão marcas na sociedade por muito, muito tempo.
A última década ficará para sempre como a de um ciclo único de dificuldades, uma convergência inédita de dramas! A crise financeira e económica internacional que se abateu sobre Portugal com particular violência revelou um país frágil a quem os progressos notáveis dos anos 1980 e 1990 deram a ilusão de progresso consolidado. A crise da dívida soberana mostrou uma economia débil e políticas de desperdício e de demagogia. Sem quaisquer escrúpulos e com absoluto atrevimento, os governos Sócrates ficaram para a história como os mais predadores de sempre. Seguiu-se a maior bancarrota que Portugal conheceu pelo menos nos últimos cem anos. O resgate de Portugal e a austeridade, mesmo se necessários, deixaram o país exangue. O caso BES foi, nestes anos, uma verdadeira praga bíblica, ficando o nome daquele grupo associado ao maior processo de destruição de riqueza, de instituições e de empresas, de toda a história nacional. Os incêndios de floresta, particularmente devastadores, confirmaram o gravíssimo problema de segurança que os portugueses têm dificuldade em resolver. A acalmia dos últimos anos, em que nada se resolveu e nada se reformou, anunciaram todavia um período de esperança, com menos sacrifício exigido aos trabalhadores e à classe média.
Mas não houve tempo para serenar os espíritos, nem sequer olhar para o futuro: a pandemia e a crise económica e social que se seguiram, com especial relevo para a asfixia imposta ao novo volfrâmio, o turismo, confirmaram estarmos a viver um dos piores períodos da nossa vida em comunidade. Ao que se acrescenta o facto de a economia portuguesa praticamente não crescer há vinte anos: com altos e baixos, estamos hoje muito próximos de onde estávamos no princípio do século! A convergência com a Europa não se verificou: pelo contrário, fomos ultrapassados por vários países da Europa central e oriental. Com mais desigualdade do que nunca, com mais corrupção do que sempre, quase sem indústria e sem capital, Portugal tem necessidade de se reinventar, de encontrar uma inédita energia, de organizar o esforço colectivo, de encontrar os meios para fazer o necessário e de atrair quem esteja preparado para fazer o que é preciso.
As tolices do nacionalismo e da direita radical nada resolvem, apenas agravam. A incapacidade da direita e do centro-direita é má conselheira. A insuficiência da esquerda democrática é evidente. As fantasias da esquerda radical nada arranjam. As soluções são mesmo mais difíceis do que estas simplicidades incapazes. O próprio primeiro-ministro, operacional incurável e habilidoso, já se deu conta de que não consegue. Por isso, esta semana, no debate sobre o Estado da Nação, propôs acordo sério, a prazo e aparentemente consistente à esquerda, toda, democrática ou não, centrista ou radical, institucional e revolucionária.
Há quem imagine um país absolutamente polarizado entre esquerda e direita a dar conta dos graves problemas que tem? Alguém crê que um governo e uma maioria de esquerda, que incluam o Bloco e o PCP, sejam capazes de trazer investimento internacional, interesse das instituições económicas do mundo inteiro, empresas e grupos empenhados em criar novos produtos, novas empresas e novos processos de modo a que não se trate simplesmente de comprar o que está feito, eventualmente para desfazer, vender e fechar? Quem acredita que uma coligação entre o PS e todos os restantes grupos de esquerda seja capaz de fomentar a poupança, estimular o investimento nacional e internacional, atrair as melhores empresas e grupos do mundo, seduzir cientistas e capitalistas de vanguarda capazes de organizar a exploração racional de alguns recursos, como sejam os minerais? Pensa-se possível que um governo duro de esquerda conseguirá chamar instituições e capitalistas a fim de cuidar de um dos nossos maiores problemas que é o da falta de capital? Alguém acredita que os fundos europeus chegam? Que, sem outro tanto de origem interna ou internacional privada, seja possível recuperar, reformar e relançar?
É verdade que há quem julgue que os dinheiros europeus vão resolver isso tudo. Mas convém ter em conta que seriam os grandes inimigos da Europa e da União Europeia, isto é, as esquerdas do Bloco e do PCP, associadas ao PS, é certo, que tentariam organizar e gerir à sua maneira os fundos europeus por que agora tanto reclamam. Estas esquerdas que querem que nos dêem dinheiro sem condições e que nos emprestem sem critério, serão elas que vão tentar administrar dez anos de estratégia de recuperação? Será que é com estas esquerdas que tão severamente criticaram sempre a integração europeia, que se poderá agora gerir convenientemente o enorme pacote financeiro?
António Costa sabe isto tudo. O primeiro-ministro é habilidoso mas não é imbecil. Ele sabe que nada conseguirá de sério e durável com a esquerda toda. Mas ele não quer tomar a iniciativa de procurar outras soluções sem antes poder garantir que pediu esquerda e esquerda não teve, que convidou a esquerda e esta não quis vir. Acontece que não estamos em maré de jogo. Vivemos tempos difíceis em que a suprema habilidade seria a honestidade e a clareza. Tempos de inquietação e insegurança em que as obras valem todas as fantasias.
Sabe-se agora que a direita sozinha não chega e não é capaz. Esta parece cada vez mais especialista em delapidar o bem comum, em vender ao desbarato, em deixar destruir empresas e grupos e em seleccionar parceiros pela imaginação criativa nas economias paralelas. Sozinha, a direita é responsável por alguns dos actos de maior contaminação de corrupção e promiscuidade. O problema é que, sozinha, a esquerda não se tem mostrado mais eficiente, nem mais capaz de criar riqueza. Nem sequer mais honesta.     Sociólogo
COMENTÁRIOS
ana cristina MODERADOR:  deprimente mas realista. 26.07.2020
Manuel Barbosa.915898 INICIANTE: A III República, dita "democrática", não suporta uma comparação séria com a II República, apodada de "fascista". Em plano algum, inclusive, o que lhes é mais doloroso, no que concerne aos próprios direitos sociais. Por exemplo, compare-se a habitação social do Estado Novo, em Lisboa - Alvalade, Encarnação, Ajuda, Madre de Deus - com a vergonhosa habitação social de Abril - Chelas, Vale de Alcântara, etc. São factos e não ideologias. 26.07.2020
Jose EXPERIENTE: Para haver progressos consolidados é necessário produção nacional, auto-suficiência, exportação e que as instituições eleitas possam cumprir o poder individual que lhes foi delegado através do voto. Isso não ocorreu em Portugal até 25 de Abril de 1975 e deixou de ser possível a partir de 1986 com a perda da independência iniciada com a integração incondicional na CEE. Esse acto, não sufragado, destruiu a indústria nacional, entregou os mercados a estrangeiros originou os salários em atraso, a desregulação da legislação laboral, os contratos a prazo. Tudo sempre a agravar-se até à deplorável situação actual de empobrecimento e precariedade do Trabalho e banqueiros, empresários, políticos e funcionários superiores indiciados, investigados, acusados, julgados, condenados e alguns presos! 26.07.2020
Jose EXPERIENTE: Teve e tem razão a parte da sociedade portuguesa que preveniu e advertiu que não é viável um país sem independência nacional, sem moeda própria, sem produção nacional, sem controlo dos monopólios naturais pelo Estado, sem concorrência anti-monopolista, sem pleno emprego, sem segurança e previsibilidade na contratação colectiva de trabalho, sem mobilização de toda a sociedade para a melhoria da vida de todos. Tiveram e têm razão, mas não tiveram o poder suficiente de impedir a perda das políticas: aduaneira, monetária, financeira, cambial, bancária, de negócios estrangeiros e ainda a perda para accionistas estrangeiros das empresas, negócios e mercados essenciais à vida no território da nação portuguesa. Ganharam os traidores do povo português e designadamente dos trabalhadores desse povo. 26.07.2020 20:02
Fowler Fowler INICIANTE: Deprimente. Com a idade, também outros plebeus armados em Príncipes acabaram a tecer loas a Salazar e aos homens proverbiais da lei e ordem. O tempo e o modo, vazios. 26.07.2020
Manuel Barbosa.915898 INICIANTE Nunca é tarde demais. Excepto, porventura, em casos como o seu.
Macuti EXPERIENTE: A sociedade portuguesa está emparedada entre uma elite predadora, péssima, e uma extrema esquerda, com expressão única no contexto europeu, apenas preocupada com a distribuição, a qualquer preço, àqueles que dizem representar. Ninguém investe num país assim. O aparente sucesso da geringonça, em tempo de vacas gordas, não é repetível. Mais de 100.000 milhões a fundo perdido não foram suficiente para abandonarmos os fundos de coesão. Os nossos políticos, que incumbiram, há muito, os dirigentes de outros países de conseguir emprego para os seus cidadãos, exigem ainda mais solidariedade.... Quem tem iniciativa individual e alguma ambição é obrigado a emigrar: 500.000 jovens emigraram nos últimos dez anos. A manha de Costa não vai ser suficiente para ultrapassar o que se avizinha. 26.07.2020
orion EXPERIENTE: A solução realista é sermos governados por outros, neste caso o Directório franco-alemão de Bruxelas. A chegada de dinheiro a Portugal, apesar da desconfiança compreensível dos países do Norte, vai provocar mais corrupção. Bruxelas está avisada: mandar um saco de dinheiro tendo em vista o nosso passado próximo é uma imprudência incompreensível. Os autarcas estão sequiosos, as próximas eleições locais serão uma caça ao tesouro, a que pode juntar a benesse recente das receitas da exploração mineira. Os directórios partidários esfregam as mãos de contentes: começou a corrida ao ouro, apesar do disfarce de relatórios de eminências pardas(vide Costa Silva). É o fado habitual. A nossa trágica periferia vai adensar-se. Se eu conseguir fugir...fujo. O último que apague a luz. 26.07.2020
Ricardo Moura INICIANTE: António Barreto era uma pessoa interessante há uns vinte anos. Este aparente rasgo de realismo que nos tem presenteado ultimamente é no mínimo deprimente. Revoltado com a vida? Ressabiado com o potencial humano? Talvez. Mas talvez não fosse mau, já que é um carismático sociólogo, que desse uma vista de olhos no "Factfulness" de Hans Rosling e não ficasse por aí. É que o medo, que talvez seja esse o seu problema, não é a solução. A inteligência sim. 26.07.2020
viana EXPERIENTE: Pronto, um dia tinha de sair. António Barreto confessou que prefere o Estado Novo, a ditadura salazarista, a censura que aparentemente atacava "sem dó nem piedade" ainda na semana passada, à Democracia, ao regime democrático actual. Ninguém se engana começando por uma frase como esta "Não há memória, no último século, de uma época tão desgraçada como aquela em que vivemos." Mais ainda por depois explicitar: "a opressão da ditadura (...) a Guerra Colonial". E agora, Público? Que fazer com um saudosista do Salazarismo? Dum "Homem Forte" que ponha "isto tudo direito"?... Vão esperar até que António Barreto começar a elogiar aquele que se reúne em hotéis de luxo com corruptos, enquanto ajuda as sanguessugas a fugir aos impostos?... 26.07.2020
Rita_Laranjeira INICIANTE: A conclusão que Barreto é um saudosista do salazarismo é, no mínimo, intelectualmente indigente. Pela mesma linha de raciocínio, poderia também dizer que Barreto seria um saudosista da monarquia, da primeira república, etc. 26.07.2020
viana EXPERIENTE: Na sociedade portuguesa a apologia da monarquia é irrelevante, e o regime actual é em grande medida herdeiro da 1a república. Por outro lado, o contraponto "lógico" à "desordem e decadência" com que AB "pinta" a realidade actual é historicamente o regime salazarista. AB sabe disto. Sabe muito bem que a sua descrição da "realidade actual" é tal e qual aquela que é feita pelos saudosistas do "Homem Forte" (aka Salazar). Ele sabe para onde se dirige, é claro para todos os que o leiam desde há uns anos a esta parte. Só ele não sabe... ou não quer admitir para si próprio. 26.07.2020
cisteina EXPERIENTE: Infelizmente, para os portugueses conscientes e atentos, este retrato é realista dos problemas e oportunidades perdidas e desmandos que, só agora (ou assim parece, aguardamos o despacho do processo Marquês para ver se estou certo) a justiça começa a monitorizar (ao que diz a ministra da Justiça a corrupção diminuiu mas nem tanto o Novo Banco malbarata imóveis a favor dos quadros de topo, uma desfaçatez e vergonha). Virão outros insultar AB, cegos e surdos ao que se tem passado, o costume. E com esta teimosia de radicar a geringonça II, não iremos a lado nenhum, apenas remedeios, reformas nem vê-las. Assim sendo, o nosso fado continuará, a Mal da Nação. 26.07.2020
AndradeQB INFLUENTE: O panorama é dramático, mas o que se chama de crise da direita é muito mais grave do que isso. O que está em estado comatoso é a confiança no indivíduo e a impressão que tenho é de que isso é transversal a todos os partidos com maior representatividade. Desses, como se constatou na última sessão da AR, foram poucos os que se sentiram obrigados a manifestar opinião independente. A próxima prova da incapacidade de resolver problemas em cima da desconfiança na iniciativa individual, vai ser o desastre na aplicação dos fundos que têm sido anunciados. Infelizmente, relativamente a essa prova nem é necessário esperar para ver. Já está visto. 26.07.2020
Joaquim Manuel Lopes INICIANTE: 10% resolvido e muita riqueza se ganharia. 26.07.2020

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