Assim, ou seja, auxiliados por outros,
mas sem saber ler nem escrever, a não ser usar uma aritmética de fazer sumir.
Vergonhoso, que não haja gente neste país capaz de levar o barco a bom porto.
Tudo isso, por falta de uma educação escrupulosa, que incluísse valores morais
de exigência severa generalizada. Mas está-nos no sangue o desmazelo moral,
para além do físico. António
Barreto tem razão. Não temos hipótese de mudar de feição. Em
épocas de crise houve sempre um salvador da pátria – João I, João IV, Sebastião José, Salazar… mas hoje,
nem isso. A massa orgânica de
que somos formados, como povo de servidão pedincha, não nos permite sair deste
atoleiro que estávamos destinados a criar. Tivemos um Passos Coelho que bem tentou, mas foi logo abafado, à
cautela, sem ninguém que lhe acudisse. “O
dinheiro mal ganhado, água o deu, água o levou”, diz o provérbio. Foi dinheiro irresistível para a nossa
deficiente formação moral. Não, a pelintrice agónica está-nos na mente e no
sangue, quem se superiorize a isso não cai hoje na esparrela de pretender
salvar uma nação de gamela, que não se importa com os donos dela. “Livres de
voar”, como a tal gaivota, é o que com garra exigimos, sem escrúpulos quanto ao
resto.
OPINIÃO
Fora de tom, fora de tempo
PÚBLICO, 26 de Julho de 2020
Não
há memória, no último século, de uma época tão desgraçada como aquela em que
vivemos. A em bancarrota de finais do
século XIX, a desordem da República, a opressão da ditadura, as duas guerras
mundiais, a Guerra Civil de Espanha, a Guerra Colonial, a revolução de 1974 e a
contra-revolução dos anos seguintes tiveram seguramente consequências
gravíssimas e provocaram muitos danos. Mas este que vivemos é um período
terrível da nossa história. Dez anos, quase vinte, que deixarão marcas na
sociedade por muito, muito tempo.
A
última década ficará para sempre como a de um ciclo único de dificuldades, uma
convergência inédita de dramas! A crise financeira e económica
internacional que se abateu sobre Portugal com particular violência revelou um
país frágil a quem os progressos notáveis dos anos 1980 e 1990 deram a ilusão
de progresso consolidado. A crise
da dívida soberana mostrou uma economia débil e políticas de desperdício e de
demagogia. Sem
quaisquer escrúpulos e com absoluto atrevimento, os governos Sócrates ficaram
para a história como os mais predadores de sempre. Seguiu-se a maior bancarrota que Portugal conheceu pelo
menos nos últimos cem anos. O resgate de Portugal e a austeridade, mesmo se
necessários, deixaram o país exangue. O
caso BES foi, nestes anos, uma verdadeira praga bíblica, ficando o
nome daquele grupo associado ao maior processo de destruição de riqueza, de
instituições e de empresas, de toda a história nacional. Os incêndios
de floresta, particularmente devastadores, confirmaram o gravíssimo
problema de segurança que os portugueses têm dificuldade em resolver. A acalmia dos últimos anos, em que nada se
resolveu e nada se reformou, anunciaram todavia um período de esperança, com
menos sacrifício exigido aos trabalhadores e à classe média.
Mas
não houve tempo para serenar os espíritos, nem sequer olhar para o futuro: a pandemia e a crise económica e social que
se seguiram, com especial relevo para a asfixia imposta ao novo volfrâmio, o turismo, confirmaram estarmos a viver um dos piores períodos
da nossa vida em comunidade.
Ao que se acrescenta o facto de a economia portuguesa praticamente não
crescer há vinte anos: com altos e baixos, estamos hoje muito próximos de onde
estávamos no princípio do século! A convergência com a Europa não se
verificou: pelo contrário, fomos ultrapassados por vários países da Europa
central e oriental. Com mais desigualdade do que nunca, com mais corrupção do
que sempre, quase sem indústria e sem capital, Portugal tem necessidade de se
reinventar, de encontrar uma inédita energia, de organizar o esforço colectivo,
de encontrar os meios para fazer o necessário e de atrair quem esteja preparado
para fazer o que é preciso.
As tolices do nacionalismo e
da direita radical nada resolvem, apenas agravam. A incapacidade da direita e do
centro-direita é má conselheira. A insuficiência da esquerda democrática é
evidente. As fantasias da esquerda radical nada arranjam. As soluções são mesmo mais difíceis do que estas
simplicidades incapazes. O próprio primeiro-ministro, operacional incurável e
habilidoso, já se deu conta de que não consegue. Por isso, esta semana, no debate sobre o Estado da Nação, propôs acordo
sério, a prazo e aparentemente consistente à esquerda, toda,
democrática ou não, centrista ou radical, institucional e revolucionária.
Há
quem imagine um país absolutamente polarizado entre esquerda e direita a dar
conta dos graves problemas que tem? Alguém crê que um governo e uma
maioria de esquerda, que incluam o Bloco e o PCP, sejam capazes de trazer
investimento internacional, interesse das instituições económicas do mundo
inteiro, empresas e grupos empenhados em criar novos produtos, novas empresas e
novos processos de modo a que não se trate simplesmente de comprar o que está
feito, eventualmente para desfazer, vender e fechar? Quem acredita que uma coligação entre o
PS e todos os restantes grupos de esquerda seja capaz de fomentar a poupança,
estimular o investimento nacional e internacional, atrair as melhores empresas
e grupos do mundo, seduzir cientistas e capitalistas de vanguarda capazes de
organizar a exploração racional de alguns recursos, como sejam os minerais?
Pensa-se possível que um governo duro de esquerda conseguirá chamar
instituições e capitalistas a fim de cuidar de um dos nossos maiores problemas
que é o da falta de capital? Alguém acredita que os fundos europeus chegam?
Que, sem outro tanto de origem interna ou internacional privada, seja possível
recuperar, reformar e relançar?
É
verdade que há quem julgue que os dinheiros europeus vão resolver isso tudo.
Mas convém ter em conta que seriam os grandes inimigos da Europa e da União
Europeia, isto é, as esquerdas do Bloco e do PCP, associadas ao PS, é certo,
que tentariam organizar e gerir à sua maneira os fundos europeus por que agora
tanto reclamam. Estas
esquerdas que querem que nos dêem dinheiro sem condições e que nos emprestem
sem critério, serão elas que vão tentar administrar dez anos de estratégia de
recuperação? Será que é com estas esquerdas que tão severamente criticaram
sempre a integração europeia, que se poderá agora gerir convenientemente o
enorme pacote financeiro?
António Costa sabe isto tudo. O
primeiro-ministro é habilidoso mas não é imbecil. Ele sabe que nada conseguirá
de sério e durável com a esquerda toda. Mas ele não quer tomar a iniciativa de
procurar outras soluções sem antes poder garantir que pediu esquerda e esquerda
não teve, que convidou a esquerda e esta não quis vir. Acontece que
não estamos em maré de jogo. Vivemos tempos difíceis em que a suprema
habilidade seria a honestidade e a clareza. Tempos de inquietação e insegurança
em que as obras valem todas as fantasias.
Sabe-se agora que a direita sozinha
não chega e não é capaz. Esta parece cada vez mais especialista em delapidar o
bem comum, em vender ao desbarato, em deixar destruir empresas e grupos e em
seleccionar parceiros pela imaginação criativa nas economias paralelas.
Sozinha, a direita é responsável por alguns dos actos de maior contaminação de
corrupção e promiscuidade. O problema é que, sozinha, a esquerda não se tem
mostrado mais eficiente, nem mais capaz de criar riqueza. Nem sequer mais honesta. Sociólogo
COMENTÁRIOS
Manuel
Barbosa.915898 INICIANTE: A III República, dita
"democrática", não suporta uma comparação séria com a II República,
apodada de "fascista". Em plano algum, inclusive, o que lhes é mais
doloroso, no que concerne aos próprios direitos sociais. Por exemplo,
compare-se a habitação social do Estado Novo, em Lisboa - Alvalade, Encarnação,
Ajuda, Madre de Deus - com a vergonhosa habitação social de Abril - Chelas,
Vale de Alcântara, etc. São factos e não ideologias. 26.07.2020
Jose
EXPERIENTE: Para haver progressos consolidados é necessário produção
nacional, auto-suficiência, exportação e que as instituições eleitas possam
cumprir o poder individual que lhes foi delegado através do voto. Isso não
ocorreu em Portugal até 25 de Abril de 1975 e deixou de ser possível a partir
de 1986 com a perda da independência iniciada com a integração incondicional na
CEE. Esse acto, não sufragado, destruiu a indústria nacional, entregou os
mercados a estrangeiros originou os salários em atraso, a desregulação da
legislação laboral, os contratos a prazo. Tudo sempre a agravar-se até à
deplorável situação actual de empobrecimento e precariedade do Trabalho e
banqueiros, empresários, políticos e funcionários superiores indiciados,
investigados, acusados, julgados, condenados e alguns presos! 26.07.2020
Jose
EXPERIENTE: Teve e tem razão a parte da sociedade portuguesa que preveniu e
advertiu que não é viável um país sem independência nacional, sem moeda
própria, sem produção nacional, sem controlo dos monopólios naturais pelo
Estado, sem concorrência anti-monopolista, sem pleno emprego, sem segurança e
previsibilidade na contratação colectiva de trabalho, sem mobilização de toda a
sociedade para a melhoria da vida de todos. Tiveram e têm razão, mas não
tiveram o poder suficiente de impedir a perda das políticas: aduaneira,
monetária, financeira, cambial, bancária, de negócios estrangeiros e ainda a
perda para accionistas estrangeiros das empresas, negócios e mercados
essenciais à vida no território da nação portuguesa. Ganharam os traidores
do povo português e designadamente dos trabalhadores desse povo.
26.07.2020 20:02
Fowler
Fowler INICIANTE: Deprimente. Com a idade, também outros
plebeus armados em Príncipes acabaram a tecer loas a Salazar e aos homens
proverbiais da lei e ordem. O tempo e o modo, vazios. 26.07.2020
Macuti EXPERIENTE: A sociedade portuguesa
está emparedada entre uma elite predadora, péssima, e uma extrema esquerda, com
expressão única no contexto europeu, apenas preocupada com a distribuição, a
qualquer preço, àqueles que dizem representar. Ninguém investe num país assim. O aparente sucesso da geringonça, em
tempo de vacas gordas, não é repetível. Mais de 100.000 milhões a fundo
perdido não foram suficiente para abandonarmos os fundos de coesão. Os
nossos políticos, que incumbiram, há muito, os dirigentes de outros países de
conseguir emprego para os seus cidadãos, exigem ainda mais solidariedade....
Quem tem iniciativa individual e alguma ambição é obrigado a emigrar: 500.000
jovens emigraram nos últimos dez anos. A manha de Costa não vai ser
suficiente para ultrapassar o que se avizinha. 26.07.2020
orion
EXPERIENTE: A solução realista é sermos governados por outros, neste caso o
Directório franco-alemão de Bruxelas. A chegada de dinheiro a Portugal, apesar
da desconfiança compreensível dos países do Norte, vai provocar mais corrupção.
Bruxelas está avisada: mandar um saco de dinheiro tendo em vista o nosso
passado próximo é uma imprudência incompreensível. Os autarcas estão sequiosos,
as próximas eleições locais serão uma caça ao tesouro, a que pode juntar a
benesse recente das receitas da exploração mineira. Os directórios partidários
esfregam as mãos de contentes: começou a corrida ao ouro, apesar do disfarce de
relatórios de eminências pardas(vide Costa Silva). É o fado habitual. A nossa
trágica periferia vai adensar-se. Se eu conseguir fugir...fujo. O último que apague a luz. 26.07.2020
Ricardo
Moura INICIANTE: António Barreto era uma pessoa
interessante há uns vinte anos. Este aparente rasgo de realismo que nos tem
presenteado ultimamente é no mínimo deprimente. Revoltado com a vida?
Ressabiado com o potencial humano? Talvez. Mas talvez não fosse mau, já que é
um carismático sociólogo, que desse uma vista de olhos no
"Factfulness" de Hans Rosling e não ficasse por aí. É que o medo, que
talvez seja esse o seu problema, não é a solução. A inteligência sim.
26.07.2020
viana
EXPERIENTE: Pronto, um dia tinha de sair. António Barreto confessou que
prefere o Estado Novo, a ditadura salazarista, a censura que aparentemente
atacava "sem dó nem piedade" ainda na semana passada, à Democracia,
ao regime democrático actual. Ninguém se engana começando por uma frase como
esta "Não há memória, no último século, de uma época tão desgraçada como
aquela em que vivemos." Mais ainda por depois explicitar: "a opressão
da ditadura (...) a Guerra Colonial". E agora, Público? Que fazer com um
saudosista do Salazarismo? Dum "Homem Forte" que ponha "isto
tudo direito"?... Vão esperar até que António Barreto começar a elogiar
aquele que se reúne em hotéis de luxo com corruptos, enquanto ajuda as
sanguessugas a fugir aos impostos?... 26.07.2020
Rita_Laranjeira
INICIANTE: A conclusão que Barreto é um saudosista do salazarismo é, no
mínimo, intelectualmente indigente. Pela mesma linha de raciocínio, poderia
também dizer que Barreto seria um saudosista da monarquia, da primeira
república, etc. 26.07.2020
viana
EXPERIENTE: Na sociedade portuguesa a apologia da monarquia é irrelevante, e
o regime actual é em grande medida herdeiro da 1a república. Por outro lado, o
contraponto "lógico" à "desordem e decadência" com que AB
"pinta" a realidade actual é historicamente o regime salazarista. AB
sabe disto. Sabe muito bem que a sua descrição da "realidade actual"
é tal e qual aquela que é feita pelos saudosistas do "Homem Forte" (aka
Salazar). Ele sabe para onde se dirige, é claro para todos os que o leiam desde
há uns anos a esta parte. Só ele não sabe... ou não quer admitir para si
próprio. 26.07.2020
cisteina
EXPERIENTE: Infelizmente, para os portugueses conscientes e atentos, este
retrato é realista dos problemas e oportunidades perdidas e desmandos que, só
agora (ou assim parece, aguardamos o despacho do processo Marquês para ver se
estou certo) a justiça começa a monitorizar (ao que diz a ministra da Justiça a
corrupção diminuiu mas nem tanto o Novo Banco malbarata imóveis a favor dos
quadros de topo, uma desfaçatez e vergonha). Virão outros insultar AB, cegos e
surdos ao que se tem passado, o costume. E com esta teimosia de radicar a
geringonça II, não iremos a lado nenhum, apenas remedeios, reformas nem vê-las.
Assim sendo, o nosso fado continuará, a Mal da Nação. 26.07.2020
AndradeQB
INFLUENTE: O panorama é dramático, mas o que se chama de crise da
direita é muito mais grave do que isso. O que está em estado comatoso é a
confiança no indivíduo e a impressão que tenho é de que isso é transversal a
todos os partidos com maior representatividade. Desses, como se constatou
na última sessão da AR, foram poucos os que se sentiram obrigados a manifestar
opinião independente. A próxima prova da incapacidade de resolver problemas
em cima da desconfiança na iniciativa individual, vai ser o desastre na
aplicação dos fundos que têm sido anunciados. Infelizmente, relativamente a
essa prova nem é necessário esperar para ver. Já está visto. 26.07.2020
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