sexta-feira, 17 de julho de 2020

A verdadeira mola



Julgo que a nossa entrada na União Europeia nunca foi por princípios, mas sim por penúrias. E hoje prossegue. Que poderia fazer o nosso Costa? Estender a mão, está visto, coitado, coitadinho, coitadíssimo… e isto é plural, adapta-se a todos nós…


Os princípios por um punhado de euros /premium
A cedência de Costa a Orbán é uma vergonha. Quem se deixar comandar pelo realpolitik, seja o motivo dinheiro ou conveniências partidárias, acabará a sacrificar o que de mais valioso há na política.
ALEXANDRE HOMEM CRISTO
OBSERVADOR16 jul 2020,
Para que serve a União Europeia? Há uns anos, a resposta teria forçosamente que ver com valores democráticos, paz entre nações, direitos sociais e prosperidade económica. Hoje, na cabeça dos líderes políticos, talvez a resposta mais genuína seja o desenho de um porquinho mealheiro: o projecto europeu reduziu-se a um fluxo de financiamento indispensável à acção governativa, à volta do qual compensa mendigar em momentos de aperto. E seo dinheiro agora fala mais alto, isso traduz a convicção de que não há nada que não possa ser comprado. Incluindo os valores políticos que nos definem enquanto comunidades livres, plurais e cosmopolitas.
Há episódios que acerca disso são exemplares. Como este: esta semana, em Budapeste, o primeiro-ministro António Costa submeteu-se à chantagem de Viktor Orbán. O líder húngaro ameaçou bloquear um acordo europeu sobre o programa de recuperação financeira, de modo a que o Estado de Direito deixe de ser uma condicionante na atribuição de fundos comunitários. E António Costa, para promover rapidamente uma solução, aceitou a posição negocial da Hungria, assumindo que as violações de direitos devem ser abordadas como previsto nos tratados, com base no artigo 7.º, e portanto não devem servir como critério de penalização na distribuição de fundos europeus. O ponto, como explicou  ui Tavares no seu artigo de opinião no Público, é que a aplicação do artigo 7.º está inviabilizada: “precisa de uma unanimidade que jamais existirá, porque a Polónia e a Hungria exercem vetos cruzados para se salvarem mutuamente de esse processo chegar a qualquer termo”.
Numa frase, António Costa disse a Orbán e à UE que está disponível para fechar os olhos ao que se passa na Hungria. E porque ninguém o havia dito nestes termos até então, Costa pagou o preço político dessa cedência, tornando-se o exemplo vivo de como Viktor Orbán continua a somar vitórias no contexto europeu. Mesmo que o seu artigo de resposta a Rui Tavares tente uma negação dessa submissão à vontade do húngaro, está ali uma confissão envergonhada de quem acha que fez o que tinha de ser feito — por mais que isso lhe desagrade. Chamem-lhe realpolitik. Contudo, não passa de uma derrota: Orbán vai exibir internacionalmente a posição de António Costa como trunfo. E, daqui a uns meses, Portugal assumirá a Presidência do Conselho Europeu sob desconfiança de todos, pois a sua credibilidade externa ficou definida por um punhado de euros.
Dir-me-ão que o país precisa com urgência do dinheiro do fundo de recuperação e que, por isso, Costa tinha pouca margem para negociar diferentemente. Sim, precisa, e sim, agora talvez tivesse. Mas a falta de alternativas actuais resulta de uma estratégia para a Europa que tem sido um desastre, acto após acto. Há anos, Portugal optou por ignorar os países do Leste nas suas negociações. Há algumas semanas, num tom moralista, António Costa apelidava de “repugnante” o discurso do ministro das finanças holandês, argumentando com os valores da solidariedade europeia. Há uns dias, o governo fazia voz grossa a parceiros europeus que não davam Portugal como um destino seguro. E, agora, legitima a posição húngara, desviando o olhar dos sucessivos atropelos de Orbán à democracia no seu país. A contradição é apenas aparente: em todas estas circunstâncias recentes, António Costa adoptou a posição de oportunidade que achou adequada para, no curto prazo, maximizar os seus ganhos. Só que jogar no curto prazo não equivale a ter uma estratégia — fica-se sempre na mão dos outros.
A política é a arte do possível e frequentemente obriga a aceitar compromissos que estão longe das nossas posições de partida. Não o ignoro e não estou a sugerir que é fácil ter, neste contexto europeu, um relacionamento dignificante com Orbán e o seu partido, inserido no Partido Popular Europeu (família europeia de PSD e CDS-PP). Mas algures tem de ser traçado um limite. Orbán é primeiro-ministro desde 2010, há vários anos que os seus abusos são denunciados pelas instituições europeias e está actualmente em curso um processo por violação dos valores europeus. Mais: depois de haver um reconhecimento internacional da degradação dos direitos sociais e políticos na Hungria, estes meses de pandemia foram aproveitados por Orbán para ampliar os seus poderes, asfixiando qualquer mecanismo de fiscalização ou prestação de contas. Ora, não se pede a António Costa que resolva o problema húngaro, mas apenas que não contribua para a sua perpetuação.
Perante este cadastro, não há como escapar à sentença de que a cedência de Costa a Orbán foi uma vergonha — como vergonhoso é ver quem à direita (como aqui o CDS-PP) tapa os olhos à situação na Hungria. Muitos acharão que, num ou no outro caso, são vergonhas necessárias e impostas pelas circunstâncias. Mas na crise em que vivemos, quem se deixar comandar pelo realpolitik, seja o motivo dinheiro ou conveniências partidárias, acabará a sacrificar o que de mais valioso há na política: a credibilidade na promoção dos valores e princípios das sociedades livres. E, quando uns e outros valerem nada, já não haverá dinheiro que nos salve.

COMENTÁRIOS
Cruzeiro O Verdadeiro: Cristo, excelente campanha digna de um estradista, que pena seres só escrevinhador de estórias. Mas tens público, não sei é se terás futuro.
Euro de Eos: É caso para dizer que os portugas, por uma vez heróis e mártires, preferem derrubar Orban a defender os seus próprios interesses. Portugal parece ter cada vez mais pessoas à imagem do Papa Chico e da Madre Teresa de Calcutá. Por mim prefiro de longe um negociante tipo Feira da Ladra mas eficiente, à cigano ou à indiano, já que nos faltam os judeus para negócios em grande. Como eu apoio o Orban, por comparação, e o guito da Merkel, não acho que devem deitar tudo a perder só por causa do Orban não querer lá imigrantes. Isto porque Portugal quase nada produz de jeito nem produzirá.
Carlinhos dos Rissóis: É simples de entender a lógica socialista. Se o dinheiro não vem da Economia (crescimento anémico e por isso insuficiente para alimentar a máquina), tem que vir forçosamente dos fundos e da "solidariedade" europeia. Se for preciso, vende-se a avó, o gato, o cão, a dignidade e verticalidade. Também é verdade que não se pode vender o que não se tem...Mas há quem o faça... Tudo na maior e com a mais olímpica das descontracções. O socialismo não é uma ideologia. Nada tem de ideológico. É uma forma de vida e de estar na vida - com imensas semelhanças com o chico-espertismo - em que a verticalidade, a coerência, a dignidade e a vergonha não constam do cardápio.
Paulo Silva: Esta crónica que a princípio aparentava ser um juízo moral do traço de carácter do político Costa, revelou ser apenas mais um ataque cerrado a Orbán e à Direita... Não conheço a fundo a situação na Hungria, mas por certo não será pior que a da ‘democracia’ da Venezuela bolivariana onde os ‘colectivos’ aterrorizam as populações que se opõem ao tirano Maduro. Mas da punhalada nas costas do Zé Seguro à venda da alma aos amigos da geringonça (e de Cuba, da Venezuela, da China e da Coreia do Norte) pelo sr. poucochinho, nem uma palavra. Os princípios de um arrivista são os de um arrivista… e os comportamentos de um jornalista tolhido pelo politicamente correcto, são os que são.
josé maria: Rui Rio concorda com Costa sobre Hungria. Diz que resposta à pandemia "não é momento" para avaliar democraticidade na UE
Viriato Afonso: Desengane-se quem pensa que as atitudes dos lideres deste sitio mal frequentado não são registadas lá por fora. Curiosamente, nenhum dos nossos parceiros europeus corre para parabenizar o Sr. Costa por se dispor a ser o idiota util do Órban. Para quem não se deu ao trabalho de ver o link do artigo para o Politico, aqui fica a parte relevante. Diz tudo, e o que diz não é bonito.
"PRICELESS VALUES: Matters pertaining to “liberty and the rule of law” should not be dealt with in the EU’s budget negotiations, Portuguese Prime Minister António Costa said after meeting with Hungarian Prime Minister Viktor Orbán in Budapest on Tuesday. Costa told Portuguese broadcaster RTP that “the recovery program negotiations are another matter altogether,” really, adding: “Values are not bought.”
GOOD MORNING. Somebody seems a little worried here that a potential Hungarian veto might delay the horn of plenty being generously emptied over Portugal. No, no, values are not bought … but it looks as if they were for sale."
João Porrete: Completamente contra esta opinião. Andar a fazer chantagenzinhas porcas contra a Hungria ao arrepio dos tratados é que é errado. Se a Comissão ou outrem estão zangados com a Hungria, têm duas hipóteses: ou usam os instrumentos dos tratados, ou mudam os tratados, embora neste último caso obviamente tenham que pedir à Hungria o apoio. Resta por isso usar os instrumentos dos tratados. Afinal, Orbán é popular no seu país e pouca gente acha que ele não traduz o pensamento nele maioritário. Mutatis mutandis, eu também não gosto de Costa e do PS mas sou obrigado a reconhecer que ele tem grandes apoios no meu país, mesmo se em muitas ocasiões as suas acções são de duvidosa conformidade ao espírito da lei. Mas a verdadeira razão deste ostracismo a Orbán é ele ser anti-imigração muçulmana, anti-aborto e antiglobalização à la Soros. Pessoalmente concordo com ele nestas três coisas: na primeira porque acho que vai acabar em banho de sangue na Europa; na segunda porque não sou a favor da execução de inocentes, e na terceira porque Soros promove uma ideia de globalização oposta ao valores tradicionais do cristianismo, além de ser um hipócrita refinado.
Fernando Ribeiro: Desde quando os princípios norteiam o que quer que seja na política?
João Pimentel Ferreira: Em qualquer caso digo que o povo húngaro jamais compreenderia que a UE não o apoiasse, quando apesar de tudo Orban foi eleito democraticamente. Seria uma punição europeia que o povo húngaro não encararia de ânimo leve.       Carlitos Sousa > João Pimentel Ferreira: Subscrevo.
João Porrete > João Pimentel Ferreira: Completamente de acordo.
Viriato Afonso > João Pimentel Ferreira: Certo. Mas a questão aqui não é que mecanismos devem ser utilizados para lidar com os atropelos da Hungria ao estado de direito (algumas de resto com paralelos em Portugal sob o patrocínio do Sr. Costa). É antes o facto do nosso moralmente superior PM se desviar de um rumo que devia e podia ser neutro nesta altura para ir humilhar esta coisa que passa por um país por dinheiro. Ninguém o obrigou a visitar o Órban nem a proferir as declarações que proferiu (e que já se viu na obrigação de tentar justificar).
josé maria > João Pimentel Ferreira: Verdade. Os húngaros não devem ser prejudicados pelo mero facto de serem governados por um proto-fascista.        antonyo antonyo > josé maria: Que elegeram ... e esta ?
João Pimentel Ferreira: Costa é um verdadeiro advogado: calculista, malabarista, ardiloso e artista (no sentido pejorativo). Alguém sem quaisquer valores ou princípios.
josé maria > João Pimentel Ferreira: Em qualquer caso digo que o povo húngaro jamais compreenderia que a UE não o apoiasse, quando apesar de tudo Orban foi eleito democraticamente. Seria uma punição europeia que o povo húngaro não encararia de ânimo leve.
João Pimentel Ferreira: Olhe que você é que tem muito jeito para malabarista...É capaz de dizer o mesmo e o seu contrário com uma velocidade estonteante... Essa flagrante contradição faz parte dos seus princípios éticos ou da sua idiossincrasia?
josé maria: Os húngaros não se confundem com o proto-fascista Orbán, tal e qual como os alemães não se confundiam com o Hitler. É assim tão difícil de perceber, AHC ? Já agora, uma simples perguntinha: acha que um órgão de comunicação social, que faz censura sistemática e antidemocrática às intervenções dos seus comentadores, merece algum apoio estatal? A troca dos princípios por um punhado de quê? Silenciamento das posições discordantes?
Carlitos Sousa > josé maria: Desta vez estás sem razão. Quem confundiu Orbán com os húngaros (que até livremente votaram Orbán), foi o Costa malabarista, que os queria penalizar recusando os fundos. Quanto à censura no Observador, não creio. Tenho visto todo o tipo de tendências, e até uma entrevista com o extremista
Carlos Monteiro: O problema de Costa é o medo de ter de falar em austeridade. Também sabe que os partidos seus apoiantes pouco se importam com a Hungria, o que será preciso é o dinheiro vir, para evitar que algumas regalias de quem vive da política não sejam cortadas.
bento guerra: "Politica é vender votos", disse-me uma vez o Guterres, discípulo do Soares e mestre do Sócrates (antes de a Ana Ferreira ser contratada como empregada da limpeza)
Ana Ferreira Nas circunstâncias extremas actuais, e sobretudo das que aí vêm, de grande sofrimento para os que menos podem, fazer depender a ajuda indispensável para o mitigar da defesa de princípios, seguramente muito importantes, mas apesar de tudo menos que o desespero da fome, seria pouco sensato e perigoso. Acresce que os agora tão preocupados com a democracia são os mesmos que, ao contrário de Costa e do PS, campeão nessa matéria, têm por hábito desrespeitá-la!
Marta Martolas > Ana Ferreira Está a tentar defender o indefensável. Todos percebemos o seu desespero ao tentar defender o seu Querido Líder.
Asdefo da silva > Ana Ferreira: O problema é quando uma ministra do Costa afirma que vai criar uma polícia política para perseguir, censurar e punir quem não pense como o governo português pensa, e o Costa fica calado. A partir daqui já não pode ficar ao "lado dos que exigem condições democráticas" pois ele próprio não as cumpre...
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