quinta-feira, 23 de julho de 2020

Saber ancestral



E tudo se resume a um saber viver, o próprio Sá Carneiro o aspirara para si, embora como uma “Caranguejola” abúlica e introvertida, de consequências, certamente, desastrosas para si.
Mas leiamos o texto da Internet, a respeito dos três macacos sábios japoneses que José Pacheco Pereira escolhe para título da sua crónica, para entendermos o porquê desse título:

«A fábula dos três macacos sábios e o ensinamento que ela nos traz»
29/01/2019 5:30,ATUALIZADO 29/01/2019
«Durante uma visita ao Templo Budista Zu Lai, em Cotia-SP, tive a oportunidade de conhecer, nesse domingo (27/1), a história dos três macacos sábios, conhecida como a regra de ouro no Japão.
Mizaru, Kikazaru e Iwazaru quer dizer, em japonês, Miru=olhar, kiku=ouvir, iu=falar e zaru=negar. Trata-se de um provérbio japonês advindo de uma lenda Tendai-budista, na qual, segundo o site Japão em Foco, os macacos são usados para representar o ciclo de vida do homem.
É sabido ainda que a escultura dos três macacos simboliza paz e harmonia, protege o lar das energias ruins e pesadas, além de evitar que o mal se espalhe.
Interessante, não é? Vamos acolher a regra de ouro para nossas vidas?»
«Conhecida como regra de ouro do Japão, a história nos ensina a não fazer o que não queremos atrair para a nossa vida. Que tal saber mais?
O provérbio “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal” é conhecido, conforme dito anteriormente, como a regra de ouro, onde se encontram outros ensinamentos que ajudam a promover a harmonia entre as pessoas e basicamente significa: “Não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem a você”.
Mantenha a harmonia com seus semelhantes ao não espalhar o mal. Mantenha sua vida em paz ao não enxergar e não ouvir o mal.
Segundo a tradição budista, os gestos dos três macacos representam a divindade de seis braços Vajrakilaya, cujo principal ensinamento consiste justamente em não falar, ouvir e ver o mal, pois assim evitaremos qualquer mal.         BUDISMOAUTOCONHECIMENTO

Pacheco Pereira aproveita, pois, o simbolismo da fábula budista como título da sua crónica, para nos dar a sua opinião sobre o comportamento seguido pelos portugas em relação aos burlões dos dinheiros públicos, durante e depois da sua glória - deles, burlões - comportamento de apoio adulador, durante, de ataque mexeriqueiro e sem piedade, depois. Além da muita ficção de desconhecimento pelos variados responsáveis nas chefias, os atrasos coniventes da justiça, na época da aura fraudulenta - o que temos vivido, afinal, num escândalo contínuo e despudorado.
Fica-nos a história dos macacos japoneses, que na doutrina budista poderão figurar como história de bom viver e educação, mas entre nós não passa de cinismo – na época das vacas gordas – e de crueldade mesquinha na seguinte.

OPINIÃO
Os três macacos sábios
Pura e simplesmente não acredito – não por fé, mas por razão – que o BES e Salgado pudessem fazer tudo de que são acusados sem que tal fosse, pelo menos em traços largos, conhecido, a começar pelos seus pares na banca e, por maioria de razão, do Banco de Portugal.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 18 de Julho de 2020
Se há defeito de carácter que infelizmente se repete em Portugal, vez após vez, sem culpa nem remorso, é a adulação dos poderosos, seguida pelo seu escárnio público quando deixam de ser poderosos. Todos os que tinham a cerviz bem dobrada, a boca bem calada, a vénia pronta, o tom untuoso, a mão estendida para o pequeno ou grande favor, o silêncio oportunista, correm para a imensa fila, de pedras na mão, para abjurar o anterior senhor. Já vi isto muitas vezes. Já escrevi isto muitas vezes. Suspeito de que não será a última.
Um caso exemplar foi Sócrates, em que se contava pelos dedos de uma mão aqueles que percebiam bem de mais o que ele estava a fazer e a multidão de sicofantas e aproveitadores que lhe servia de barreira contra tudo aquilo que o podia afectar. Alguns desses foram depois profissionais do atirar da pedra, muitos na política, a começar pelo PSD, e muitos na comunicação social. Mas o vento virou e foram logo para a fila do arremesso. O remake actual desta conduta cívica exemplar passa-se hoje com Ricardo Salgado e o BES, só que com a gravidade de esquecimentos e fugas à responsabilidade que nos custaram milhares de milhões de euros e, diferentemente do caso Sócrates, este passa-se na alta finança e não na baixa política.
Comecemos pelo primeiro esquecimento. Salgado e a família Espírito Santo começaram por ser um dos heróis do anti-PREC. Lembram-se, os grandes empreendedores que, espoliados dos seus bens pelas nacionalizações gonçalvistas, tiveram que fugir para a o Brasil, de onde regressaram por cima, heróis do capital, com a capacidade de reconstruir o que o PREC lhes tinha tirado? O O Independente, adorado pelos nossos jornalistas como modelo, desenvolveu pela pena de Paulo Portas a tese de que havia dois “dinheiros” em Portugal: o “velho dinheiro”, com pergaminhos e pedigree, e o “novo dinheiro”, dos novos-ricos que tinham ganho dinheiro de forma obscura e pelas ligações ao PSD e ao PS, a canalha sem modos. O O Independente considerava intocável o “velho dinheiro” (com o enorme preconceito pequeno-burguês de Portas, que não tinha nascido na nobreza nem na família certa), gente que sabia comer à mesa e vestia nos melhores alfaiates de Londres, e os da “meia branca”, que não se sabiam comportar, eram provincianos e toscos.
Esta apreciação só começou a mudar muito mais tarde, quando o longo período de governação do PS mostrou as cumplicidades de Salgado com o poder socialista. Esta também foi uma das razões por que Passos Coelho lhe disse que não, esquecendo-se as pessoas que, depois disso, o BES pôde ir de novo ao mercado, com uma emissão validada pelo Presidente, pelo regulador, pelo governador do Banco de Portugal e por alguns comentadores… Isto da cronologia é uma maçada.
O segundo esquecimento é pior do que um esquecimento, é uma cumplicidade. As pessoas comuns não fazem a ideia da enorme quantidade de informação que o círculo de confiança da elite portuguesa – quem, na verdade, manda no país – obtém quase como respira. Circulando de conselhos de administração para lugares políticos, de escritórios de advocacia de negócios para consultoras financeiras, ou pura e simplesmente falando com os seus pares dentro desse círculo de confiança, tudo o que é relevante lhes chega aos ouvidos. Numa rede politicamente transversal, em que, para além da informação privilegiada, o poder de veto de pessoas é o mais importante para manter intacto o poder, essas pessoas não podem alegar que “não sabiam”. E, se tivermos em conta a endogamia de meios pequenos como é o caso de Portugal, as elites bancárias que circulam em meios semelhantes e/ou muito próximos, que vão das ilhas Virgens ao Panamá, aos offshores, aos bancos suíços e ingleses, aos negócios portugueses, nem que fosse por razões de competição, não podiam desconhecer as manobras do BES.
É por isso que, pura e simplesmente, não acredito – não por fé, mas por razão – que o BES e Salgado pudessem fazer tudo de que são acusados sem que tal fosse, pelo menos em traços largos, conhecido, a começar pelos seus pares na banca e, por maioria de razão, do Banco de Portugal. E, das duas, uma: ou esse tipo de práticas era mais comum do que hoje se faz crer singularizando o BES, ou uma conspiração corporativa de silêncio permitiu a continuada violação da lei pelo BES, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ou Salgado e o BES mantinham as protecções dadas ou compradas e ainda não tinham caído politicamente.
O festival de hipocrisia a que hoje se assiste, publicitado por muitos jornalistas económicos (salvo raras excepções) que estiveram também debaixo da asa do BES, não é apenas deprimente, mas é também perigoso. É a melhor garantia de que tudo se pode repetir, com outros protagonistas e outros métodos, mas com o mesmo mecanismo de ganância e silêncio. Até porque há um aspecto que não tenho espaço para referir aqui e fica para outra altura: não se cai na justiça antes de se cair politicamente.
Bom, os macaquinhos japoneses, esses nunca vão ficar desempregados.
Historiador
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COMENTÁRIOS:
jose melo INICIANTE: Um comentário singular. Baseado nos comentários. O PP tem voz pública há muitos anos. Só está agora a falar destes temas porquê? A adulteração das contas nos bancos (e foram alguns) não começou em 2009. As habilidades nos bancos começaram, ainda o PP provavelmente não tinha conta num banco. Tretas e balelas de quem vive à custa do sistema, seja ele qual for, que por sua vez há-de viver à custa de outro.
rafael.guerra EXPERIENTE: Só os idiotas não evoluem, é mesmo nisso que os reconhecemos. 19.07.2020
Colete Amarelo EXPERIENTE: A minha vénia vai para o Pacheco Pereira de hoje. 18.07.2020
Caetano Brandão EXPERIENTE: Muito bem e mais um artigo de PP que subscrevo e a que tiro o chapéu.
JDF EXPERIENTE: Posso não ter entendido na adulação, mas o português para o escárnio está sempre pronto na altura da saída, da desgraça, etc, porque há um continuado de incompetência e corrupção nos nossos governos e reguladores. Como é possível que passados 20 anos ainda andemos segundo a vontade de taps, pts, corrupção de décadas na banca e reguladores, nacionalizações de martelada, nas resoluções e decisões, uns que são mais papistas que o papa na austeridade, outros que são sacos rotos de gestão de dinheiro, isto dos "grandes"! Depois o próprio poder local é nepotismo, interesses...o caso de Pedrógão, o drama social que foi e a pouca vergonha de corrupção nas doações e ajudas, carregada com a lentidão quase estúpida da justiça. Conclusão: o português gosta de roubar e de ser roubado! Competência e trabalho? não 18.07.2020
JPR_Kapa INICIANTE: PP coloca os pontos nos iis - além disso desarma o recente histerismo da direita, ridículo e cínico, que tenta "eleger" os "heróis" do sistema, com este caso. Ora ele apenas reflecte o "modus operandi" que os neoliberais, tipo PaF, sempre favoreceram, apenas não perdoando a quem se deixa "apanhar", construindo logo narrativas que tentam preservar esse sistema - ora isto fica aqui bem denunciado por PP. Desde que o neoliberalismo fez escola pelo mundo, à boleia da globalização, que todo o "lobby" financeiro funciona desta forma, cheio de "mecanismos" e omisso de legislação, que "facilitam" as práticas reveladas, tornando a regulação uma fantasia. Se não fosse a crise de 2008 e sermos um país pequeno, o BES e RS (e os seus esquemas) ainda andariam por aí... e elogiados como exemplo(!!)  18.07.2020
José Cruz Magalhaes MODERADOR: É oportuna a retrospectiva histórica que JPP assinala, quando começa por recordar que a privatização da banca constituiu a normalização da relação entre o poder público e a iniciativa privada e um dos actos regeneradora dessa relação, depois do 11 de Março. O problema é que o regíme desconhecia que o que movia Ricardo e a família Salgado nada tinha que ver com a patriótica recuperação da economia e do investimento público, privado, ou assim-assim, mas as possibilidades abertas por uma entrada nos mercados e recursos financeiros, que a adesão à CEE permitia.O pedigree de pacotilha exibido, a adulação de jornalistas e opinion makers e a subserviência de estimação da classe política e de um país em estado de privação fizeram o resto. 18.07.2020
Espectro EXPERIENTE: Concordo com tudo o que Pacheco Pereira escreveu. Mas...,quase sempre o mas acaba por anular por completo o que antes se afirmou - e mais uma vez é este o caso. Mas tudo isso se aplica a Pacheco Pereira. PP ascendeu na política e no PSD com Cavaco, Dias Loureiro, Oliveira e Costa, Durão Barroso, Isaltino e Duarte Lima, isto para enumerar só alguns dos figurões que lamberam as botas de Salgado e de todos os Salgados e que com ele enriqueceram e ascenderam da pobreza até ao fausto. E que tem PP a dizer desses figurões (a começar por Cavaco (acções SLN e Permuta da casa da Coelha, mais as despesas da campanha presidencial pagas pelo NBES, etc.), que ele serviu fielmente, penso?! Veja-se ao espelho, PP, e verá que não é tão puro (pelo menos também deveria saber!) como alardeia. lol) 18.07.2020
FPS INFLUENTE: Confesso, que ia escrevinhar umas tretas, de anuência, a propósito deste artigo de Pacheco Pereira. Mas travei ao ler as suas palavras, de uma indiscutível pertinência. O que seria de interessante saber a opinião de JPP sobre a oportunidade das suas palavras, caro Espectro... 18.07.2020
Rui Ribeiro EXPERIENTE: Evidentemente. 18.07.2020
Fernando Correia INICIANTE: A última frase do penúltimo parágrafo deste artigo de Pacheco Pereira prenuncia um terramoto devastador – num país sério isso aconteceria. Era bom que não deixasse de escrever sobre esse assunto – para acabar com os macacos... (até virem outros). 18.07.2020
alberico.lopes INICIANTE:  Ele só vai lançar biroques! É que ele também faz parte da "manada"! 18.07.2020
PdellaF INICIANTE: O artigo de JPP está correcto, na generalidade dos factos e argumentos, mas falha em alguns aspectos: nem todo o "dinheiro velho" se "portou mal". Os Champalimaud e os Mello não me parecem que agem como os ES. Mas isto estragaria a narrativa de JPP. Pedro Passos Coelho, por muito que lhe custe, foi corajoso quando TODA a gente o pressionava a ceder. Mas isto estraga-lhe o rancor. Sócrates, desde o início, foi desmascarado pelo PSD, desde o dia em que foi para Troia deitar abaixo uns edifícios e nem conseguiu carregar no botão. Mas o eleitorado, como agora, prefere os truques de ilusionismo demagogo às opções mais esclarecidas. 18.07.2020
Macuti EXPERIENTE: "Esta também foi uma das razões por que Passos Coelho lhe disse que não" . Como é que sabe? Tem alguma base para produzir esta afirmação? O seu rancor com Passos Coelho não é normal.
rafael.guerra EXPERIENTE: Como com os três macacos sábios, na privatização da EDP à Three Gorges (três gargantas) e todas as vendas ao desbarato à China que se seguiram, era também melhor que ninguém visse, ouvisse ou falasse. "Privatizar" empresas portuguesas para entregá-las de bandeja ao regime autoritário chinês, só liberais patriotas e europeus da fibra de PdC conhecem o segredo. 18.07.2020
Ceratioidei EXPERIENTE: Excelente texto. Os macacos são sábios e o dinheiro manda. As mudanças ocorrem quando há vontade. Vontade colectiva não se enxerga. Às vezes penso (cada vez mais) que os portugueses aqui residentes não gostam (colectivamente) de Portugal. Quer dizer, gostam às vezes, p. ex., quando há futebol e ganham. O amor é loico, não façam poico desta loicura... amor e uma cabana, desde que haja um WC doirado e um offshore na praia. Dizem as vozes: só é criminoso quem se deixa apanhar. Esse, sim, é um crime imperdoável. Lembro-me do périplo de Cavaco quando garantia que o investimento era seguro. Foi em Singapura? Investimento feito, dinheiro desaparece. Graças à palavra do, à data, Presidente da República. Valeu a pena andar pelo mundo a aliciar emigrantes a investir? Claro que sim. Macacos sábios. 18.07.2020
rafael.guerra EXPERIENTE: Dizem-nos que a transferência fraudulenta de fundos entre as empresas Espírito Santo foi difícil de detectar antes do seu colapso, porque as actividades eram realizadas em várias jurisdições... O que é fantástico no sector financeiro, são os seus instrumentos complexos e originais que, explicam-nos eles, estimulam a indústria e alavancam a economia real. Tal engenharia permitiu que as dívidas do grupo BES pudessem ser embaladas por intermediários financeiros e depois vendidas aos clientes a preços inflacionados. O buraco do BES foi um desastre considerável para Portugal mas é apenas uma ficha de jogo no grande casino financeiro global, liderado pelos anglo-saxões, e que nenhum estado controla. 18.07.2020
Ceratioidei EXPERIENTE: Assim é, caro Rafael Guerra. Subscrevo. Só uma achega: estava a referir-me, não aos clientes que compraram produtos de pacotes duvidosos, que entretanto e ainda bem ainda conseguiram reaver até 75%, mas aos investidores que foram aliciados para investir no banco. Estes ainda não viram um tostão e provavelmente nunca verão. Nunca mais acredito na palavra de um PR, seja ele quem for. É o desencanto. Ingenuidade? Não, é fraude. À primeira caem todos, à segunda cai quem anda distraído, à terceira só cai quem é parvo. Pertenço ao primeiro grupo. Isto de um PR andar a fazer lobby para um banco privado, aproveitando-se do cargo que ocupa como garante da sua palavra, é no mínimo caricato. Manda o decoro ficar por aqui. 18.07.2020
Tiago EXPERIENTE: Nem o autor e nem provavelmente a larga maioria dos portugueses acreditam. Apenas temos todos que demonstrar alguma indignação e manter as aparências de que ninguém sabia e de que a ética é um valor na governação, para sustentar a existência de um Estado de Direito, justificar existirem cortes de Justiça para punir os pequenos e criminosos e não permitir que isto vire uma total anarquia. Não será assim? 18.07.2020
miguelc INICIANTE: Excelente. Mas não percebi a dos macaquinhos. Já aqui perguntei: o que já foi feito para atenuar o risco sistémico de um banco falir?- que foi o argumento principal para o seu resgate. O que é que os poderes político e regulatório fizeram acerca disto? 18.07.2020
JLR INFLUENTE: Mais uma excelente reflexão de Pacheco Pereira. Foi ao cerne da questão. 18.07.2020
Helena Almeida INICIANTE: Tão verdade ! Um retrato das nossas podres elites, será que alguma vez vamos aprender e não voltar a fazer ?
rafael.guerra EXPERIENTE: Em suma, mas que grande macacada.. 18.07.2020
joorge INICIANTE: Coberto de razão. 18.07.2020

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