sexta-feira, 3 de julho de 2020

As marcas



Do vestuário ou do calçado que exploram crianças. Não chegámos a ser informados delas. Mas o texto já é antigo – de Janeiro deste ano -, entretanto o seu autor – Raul Manarte – teve tempo de o verificar para completar o seu texto de título aguçador de curiosidade, mas somítico na resposta: “Queres saber quais as marcas de roupa que exploram crianças?”, enviando-nos para uma, ao que parece, esclarecedora app. Não vou debruçar-me sobre o assunto da exploração infantil, naturalmente condenável, e que é uma marca preferencial da nossa constância na piedade carinhosa, que também a Catarina Furtado andou a distribuir pelo mundo, juntamente com a sua beleza, e Augusto Gil salientara na sua “Balada da Neve”, voltando a sua crítica, porém, ao nosso jeito humilde, sobre Deus que tudo pode, ao contrário dos tempos actuais mais centrados na crítica ao homem – poderoso – defensores que somos das igualdades sociais. Faço referência antes, a um programa, creio que da National Geographic que vi ontem, no torpor preguiçoso do meu confinamento, programa sobre a Groenlândia e o percurso de uns quatro exploradores arrojados, na busca explicada de espaços por entre gelos a liquefazerem-se e fiords de panorâmica para mim aterradora. Mas lembro apenas o breve episódio de um dos exploradores mexendo numa carcaça de animal que, com os seus atributos naturais já definidos por Lavoisier, estabelecera à sua volta pequeno jardim de flores vistosas a que o explorador atribuiu nomes – que não fixei – contrastando com o rasteiro da tundra herbácea em redor, por falta dos atributos criativos que o corpo morto concedera ao seu espaço ajardinado. Admirei, no programa, não só a resistência de homens e mulheres atravessando gelos e águas, mas as explicações que iam dando, com precisão de dados e referências, botânicas ou históricas.
Por isso este texto do nosso choradinho, vago e impreciso, me não comoveu, na sua subjectividade de sentimentalismo fácil e inerme, ao nosso jeito.

Queres saber quais as marcas de roupa que exploram crianças?
Se visses as crianças a fabricar os teus sapatos na Birmânia, os trabalhadores debaixo da fábrica colapsada no Bangladesh ou os derrames dos químicos das fábricas têxteis nos rios, tu não compravas.
PÚBLICO, 19 de Janeiro de 2020
As roupas que tu compras: umas são feitas por crianças exploradas, outras não. Umas têm boas medidas de protecção do ambiente e dos animais, outras não. Mas será que essa informação vai mudar a nossa forma de comprar roupa?
Nós estamos habituados a olhar para montras e cabides com duas perguntas na cabeça: Quanto custa? Fica-me bem? Não nos assalta que a indústria da moda é das mais poluentes do mundo, a repressão violenta aos protestos dos trabalhadores das fábricas de roupa no Bangladesh, as condições (às vezes mortíferas) dessas mesmas fábricas de roupa, a onda de suicídios dos agricultores indianos por motivos ligados às patentes das sementes de algodão geneticamente modificado ou mesmo o sofrimento de milhões de animais ligado à indústria da moda.
Mas há alguma evidência que sugere que nós preferimos marcas que têm um bom impacto na sociedade e ambiente, além de que costumamos seguir o nosso grupo quando escolhemos o que comprar. Tendo isto em conta, uma possível solução parece surgir para uma indústria de moda mais ética e sustentável: informar os consumidores, dizendo-lhes que marcas são mais éticas. E torná-lo moda.
Há uma aplicação que nos diz precisamente quais as marcas que protegem os trabalhadores, o ambiente e os animais. Chama-se Good on you e é de borla. Não ganho absolutamente ao escrever sobre ela, mas no fim de contas ganhamos todos.
Esta app avalia as marcas em três domínios: pessoas, ambiente e animais. Diz se há trabalho infantil, trabalho forçado, segurança dos trabalhadores, liberdade para se sindicalizarem e pagamento de salários decentes. Se são utilizadas peles de animais e outros “produtos” semelhantes e se são contra os direitos dos animais. Se têm sistemas para minimizar desperdício de energia, de água, de emissões de carbono, etc. Avalia tudo isto utilizando sistemas de certificação e sistemas independentes de avaliação.
E o que é que tu tens a ver com isto? O mundo está todo ligado. O que tu compras no centro comercial fez uma viagem até chegar a ti, desde a recolha da matéria-prima, à confecção, exportação e ao transporte. Nem sempre é fácil de o compreender. Porque é difícil imaginar o que nunca vimos (eu nunca vi as crianças na Turquia a apanhar avelãs 12 horas por dia que depois vão parar ao meu crepe com Nutella) e porque as gerações anteriores provavelmente compravam produtos que “viajavam” muito menos — o vendedor conhecia o agricultor ou a costureira, o peixeiro conhecia o pescador.
E assim vamos colidir com alguns conceitos importantes: distância e empatia. Se visses as crianças a fabricar os teus sapatos na Birmânia, os trabalhadores debaixo da fábrica colapsada no Bangladesh ou os derrames dos químicos das fábricas têxteis nos rios, tu não compravas. Se fosse em Coimbra, Setúbal ou Bragança, em vez de ser na Eritreia, Sudão ou Congo, tu não compravas. Mas nós não vemos tão longe, e há tanta informação — e tanta desinformação.
Por isso, temos de activamente procurar ferramentas para ver. Descarregar uma app para escolher uma nova loja. Se tu começares, pode virar moda.
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COMENTÁRIOS
Moreira Moreira.884109 INICIANTE: Depende... As crianças precisam da miséria que ganham para não morrerem à fome, por exemplo? Não concordo de todo com a escravatura desta indústria, é abominável, mas as soluções têm de vir de cima (o estado dar suporte, apoios, institucionalizar crianças necessitadas e ajudar famílias carenciadas). A solução não é nem pode ser boicotar, se o fizermos a marca a b ou c até pode ir à falência, mas outras fábricas continuarão a fazer o mesmo....e as crianças viverão do quê??? O autor fala em Coimbra, se fosse em Coimbra não comprava mos, certo, mas em Coimbra uma família não precisa que a criança trabalhe para viver, a criança não precisa de trabalhar para poder comer, as crianças em Coimbra não vivem em barracas em condições sub humanas em que os cêntimos são a forma de sobreviver.... 23.01.2020
Cidália Vintém.883974 INICIANTE: Ainda bem q são sustentáveis!! Nossa carteira é q não consegue sustentá-los. Os preços são escandalosamente caros e duvido q paguem bons ordenados. Vivemos num mundo de hipócritas e gananciosos!! 22.01.2020
Renato Portela INICIANTE: Não sei qual os motivos, mas a afirmação "onda de suicídios dos agricultores indianos por motivos ligados às patentes das sementes de algodão geneticamente modificado " está errada. No artigo da IFPRI diz "our analysis clearly shows that Bt cotton is neither a necessary nor a sufficient condition for the occurrence of farmer suicides". Isto demonstra a falta de rigor e distorção da informação presente neste artigo. 21.01.2020
Valter Lucena INICIANTE: Infelizmente este é o nosso mundo e cada vez mais vamos assistindo a casos desta natureza. Porém, o que seria dessas crianças se não tivessem pelo menos essa fonte de rendimento que lhes proporcione ter algo para comer? O que fariam essas crianças se não tivessem este trabalho, sempre condenável e que não se ajusta ao nosso modo de vida? Provavelmente seriam escravizadas de outra forma, sexualmente por exemplo, ou vendidas a pessoas do ocidente para serem educadas como filhos, já para não falar do tráfico de seres humanos e no limite para tirarem órgãos para venda! Dentro do mal que é esta exploração de crianças e em países francamente pobres, ainda há coisas muito piores. 20.01.2020
Paulo Valente INICIANTE: Não, não seria. O seu argumento justifica a escravatura: "se eu não lhe desse uma malga de sopa e um colchão para dormir, ele morreria de fome". E quem é o ele? É o trabalhador que não recebe outro salário que não seja um local para dormir e um pão para comer. O trabalho de crianças também era endémico em Portugal, principalmente no norte do país. Como é que foi resolvido? Perseguindo as empresas que prevaricavam. Quando a mão de obra infantil desapareceu, tiveram de contratar adultos com melhores salários. O mesmo acontecerá nesses países, a não ser que as empresas queriam sair do mercado e os governos verem-se a braços com o desemprego dos pais. 29.04.2020
Vera Baptista INICIANTE: Obrigada pelo artigo e pela recomendação do app! 19.01.2020
lgxd78 INICIANTE: Não disse uma única marca que explora crianças e manda-nos para uma app, com um título que engana o leitor, muito má contribuição jornalística 9.01.2020
fayad fayad - um Imbecil segundo os Petistas! INICIANTE: No 1º mundo é fácil a decisão e a análise do artigo. Eu pergunto, o que é que o mundo dos ricos e multimilionários , países e pessoas, tem feito para erradicar a pobreza e o subdesenvolvimento nas mais diversas áreas do globo? Talvez se eu não comprar uma roupa e não se fizer mais nada vai haver uma família com mais dificuldade ainda. 19.01.2020
Aguia INICIANTE: Interessante. E a origem da APP qual é? 19.01.2020

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