Acrescento mais uma grande penada sobre Tomás da Fonseca, de que recordo os “Sermões da Montanha” que havia na
estante do meu pai. Mais uma boa história evocativa, feita por Salles da Fonseca, dando jus às
suas justas “penadas”, desta vez familiares, rodeado que está por um avô e um
tio considerados - “O Barão”, de Branquinho da Fonseca, uma
misteriosa obra ficcional, que me encantou quando pela primeira vez a li, pelo
artifício de uma atmosfera mediévica, em torno de uma estranha e reservada
personagem solitária.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 23.10.21
Foi
o meu amigo António Barros, ilustre causídico de Lisboa, que leu a biografia de
Jorge Amado da autoria de Josélia Aguiar e que me contou a
cena com o meu avô, Tomás da Fonseca.
Estando
ele no Rio de Janeiro, foi convidado para ir tomar um café a casa de Jorge
Amado e de Zélia Gattai cuja mãe também lá vivia (ou apenas lá estava). Sucede
que esta Senhora – cujo nome não descobri ainda – era anarquista e grande
leitora de Tomás da Fonseca a quem quase idolatrava.
Sentados
para o cafezinho, o genro vai chamar a sogra pois tinha na sala uma grande
surpresa para ela. Perguntado, lá acabou por dizer o que era a surpresa e a
Senhora exclamou alto a sua incredulidade. Mas acabou por ceder e foi até à
sala onde os seus olhos nem queriam acreditar no que viam. E diz quem leu o
livro que a Senhora tomou conta da conversa com o anarquista-mor e terá sido
das poucas vezes em que o nobelizado não foi a «estrela da companhia». E já
sabemos como isto é das conversas e das cerejas: a trás de uma vem sempre outra
e sou eu que adivinho que o cafezinho se estendeu até depois do jantar.
Alguns anos mais tarde, sem sogra mas
comigo e com a minha avó, o jantar repetiu-se em casa do meu tio, o escritor
Branquinho da Fonseca, na Malveira da Serra.
Sobre este jantar já escrevi, não repito agora. Apenas refiro que se falou
sobretudo de literatura e praticamente nada de política.
Como
é sabido, Jorge Amado e Zélia Gattai
eram comunistas, o meu avô anarquista e o meu tio era um republicano sereno
ocupado na escrita e na indução dos hábitos de leitura nos portugueses através
desse instrumento formidável de aculturação que ele dirigia, as bibliotecas
itinerantes da Gulbenkian.
A
cordialidade, o respeito mútuo e a literatura fazendo o pleno do interesse dos
convivas, levou a política ao silêncio.
Também já escrevi sobre as diferenças abissais entre comunismo e anarquismo,
não repito agora.
- Então,
se não conta do jantar nem da política, trata de quê? – perguntará quem me
lê.
- Pois
bem, em três penadas, trato do que julgo ser a razão estaminal da opção
anarquista de Tomás da Fonseca.
PRIMEIRA
PENADA – A iliteracia
era a norma em Portugal na segunda metade do séc. XIX e chegámos à República
com cerca de 90% de adultos analfabetos. Dentre os relativamente poucos
portugueses alfabetizados estavam os Padres, o que lhes conferia natural
capacidade de liderança das respectivas comunidades, ou seja, apontando para
inúmeras situações de quase equiparação a hierocracia. Isto, sobretudo
nas regiões rurais mais isoladas. À falta de alternativas, os
seminários eram procurados por quem buscava instrução e não só por quem sentia
vocação sacerdotal.
Foi o caso de Tomás da Fonseca que, depois de aprender a ler e escrever na escola
ambulante que passava por Mortágua, rumou ao seminário de Coimbra onde fez o
ensino secundário e o curso (superior) de Teologia. Mas recusou a ordenação sacerdotal e optou por
aquele belo par de olhos que à saída de Mortágua o mirava da janela alta quando
ele passava a cavalo a caminho das Laceiras. Sim, a minha avó teve sempre uns
belos olhos.
SEGUNDA
PENADA - Não sei se
o meu avô alguma vez teve fé (católica) e, se a teve, quando (e porquê) a
perdeu mas o que sei – porque mo disse mais do que uma vez – é que pensava que
«religião pura dispensa ritos que só servem para impressionar os povos». Com
o luxo da Igreja, revoltava-se; das indumentárias, ria-se e equiparava as
casulas episcopais às homólogas dos adoradores de Amon-Rá.
Eis
as causas que o mobilizaram toda a vida:
A
instrução pública;
O
anticlericalismo.
TERCEIRA
PENADA – Não tenho o meu avô por nietzschiano mas admito que tenha lido alguma
recensão de «A Gaia Scientia» onde terá gostado da frase «Deus está morto». Do
seu (relativamente superficial, creio eu) conhecimento do nihilismo alemão,
resultou uma óbvia rejeição da vertente suicidária optando, isso sim, pela
via kropotkiniana da anulação do Estado. Ou seja, pelo anarquismo.
Mas, mesmo assim, optando por uma via filosófica pacífica rejeitando a via terrorista
catalã.
CONCLUSÃO
- Tomás da Fonseca era democrata republicano radical-pacifista e era
filosoficamente incompatível com quaisquer formas de fascismo, tanto de direita
como de esquerda.
Obrigado,
António Barros, por me ter sugerido esta reflexão.
Outubro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
Tags: "tomás
da fonseca"
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NOTAS DA INTERNET:
Tomás da Fonseca
Grande escritor, político, mestre e
pensador da 1ª República Portuguesa. (1877 - 1968)
Tomás da Fonseca, natural de Laceiras, freguesia de Pala, concelho de Mortágua, nasceu a 10/03/1877 e faleceu
a 12/02/1968. Era filho de Adelino José Tomás e de Rosa Maria da Conceição e
pai de Dr. António José Branquinho da Fonseca e Eng.º Tomás Branquinho da
Fonseca.
Tomás da Fonseca foi uma personalidade
de destaque no meio intelectual e político da sua época. Espírito brilhante e tribuno exímio,
desde muito cedo se evidenciou na defesa das ideias liberais e depois do regime
republicano. Teve um papel preponderante na geração que fez a República, pelo
seu feitio combativo. Era firme e intransigente na defesa das suas ideias,
sempre orientado na procura da verdade e da justiça e dono de uma coragem moral
que desafiou todas as vicissitudes.
Foi um lutador pela integração social do
Homem e defensor intransigente dos direitos daqueles que labutam duramente.
Tomás da Fonseca foi um homem de
acção, organizador e animador de inúmeras associações de carácter cultural,
social, económico e político, sendo uma figura de grande relevo na campanha
intensa e acidentada que precedeu a proclamação da República Portuguesa em
1910. Como deputado marcou sempre presença nos grandes actos dos primeiros
tempos do novo regime.
Em 1910 foi chefe de gabinete do Ministro
do Fomento, Dr. António Luís Gomes e em 1916 eleito senador pelo distrito de
Viseu.
Em 1918, por se opor à ditadura de
Sidónio Pais, é preso durante dois meses. Volta a ser preso em 30 de Novembro
de 1928, em Coimbra, por ter participado no movimento revolucionário de 20 de
Julho. Pertenceu ao Movimento da Unidade Democrática e à Maçonaria. Feroz
opositor do regime ditatorial, foi perseguido pelas suas ideias políticas e os
seus livros alvo de censura e proibição. Por várias ocasiões a PIDE deslocou-se
à sua residência e às gráficas onde os livros eram impressos para os confiscar.
Os seus movimentos eram constantemente vigiados, incluindo das pessoas e
amigos, mortaguenses e não só, que com ele mais privavam.
Denunciou as condições prisionais do
regime, o que lhe valeu a prisão em 8 de Maio de 1947, por ter protestado
contra a existência do Campo de Concentração do Tarrafal, nas ilhas de Cabo
Verde. Uma semana antes, no dia 2 de Maio, tinham sido já presos outros dois
mortaguenses, acusados também de serem opositores ao regime: Dr. Victor Hugo
Marques Miragaia, advogado e Deodato Medeiros Ramos, empregado comercial.
A título de curiosidade, tal era a sua fama de opositor ao regime que
até no dia do seu funeral, realizado para o cemitério de Mortágua, a Policia
Internacional de Defesa do Estado (PIDE) enviou agentes com a missão de anotar
(discretamente) as pessoas e discursos de homenagem dos que ali compareceram ao
último adeus.
Era um anti-clerical convicto e
assumido, tendo publicado vários livros críticos sobre a Igreja e a Religião.
Ficou famosa a sua polémica com João de Deus Ramos sobre o ensino religioso nas
escolas.
Como escritor literário, Tomás da
Fonseca escreveu dezenas de volumes onde se contam livros de versos,
arqueologia e belas artes, a doutrina democrática e a polémica religiosa.
Tomás da Fonseca não só marcou uma
posição firme de grande escritor de ideias, como foi também um professor de
raros recursos pedagógicos. A sua ligação ao ensino foi um acto contínuo, sendo
vogal do Conselho Superior de Instrução Pública, director das Escolas Normais
de Lisboa, da Universidade Livre de Coimbra, presidente do Conselho de Arte e
Arqueologia da mesma cidade.
Como deputado do Parlamento até 1917,
colaborou na reforma do Ensino Primário e Normal. Em 1922 publicou o
livro “História da Civilização”, que foi adoptado como livro escolar, a
pedido do Ministro da Instrução Pública”. Professor sempre atento e preocupado
na formação, realizou inúmeras visitas de estudo a escolas, museus e
bibliotecas em países como França, Bélgica e Inglaterra. Foi ainda um dos impulsionadores
da construção do Jardim-Escola João de Deus, de Mortágua.
Em 1941, participou em Mortágua na
fundação do Círculo de Leitura.
Um grupo de habitantes do concelho
ligados aos meios democráticos e republicanos decidem fundar o Círculo de
Leitura, uma espécie de biblioteca pública que se estabeleceu na Casa Lobo. O
Círculo de Leitura foi criado com o objectivo de manter viva a chama da
leitura após o desaparecimento das bibliotecas das Escolas Livres da Irmânia e
de Mortágua, com a instalação da ditadura e a consolidação do Estado Novo. Promovia
o culto do livro e o gosto da leitura, manifestando preocupação pela elevação
do nível cultural dos seus associados, perto de 200.
Os livros eram comprados com o dinheiro
resultante do pagamento das quotas e ofertas. O Círculo de Leitura também
patrocinava palestras, que se realizavam no Teatro Club. Tomás da Fonseca
proferiu ali várias conferências, uma delas em homenagem a Antero de Quental. O
Círculo de Leitura manteve-se até 1945.
No Jornalismo destacou-se com artigos ou
opiniões publicadas em jornais como: “Mundo”, “Pátria”, “Vanguarda”, “Voz
Pública”, “Norte”, “República”, “Povo”, “Batalha”, “Lanterna (Brasil)”, “Espanha
Nova”, “Alma Nacional”, “Diabo”, “Prometeu”, “Arquivo Democrático”, de que foi
director, “Defesa da Beira” e na revista “Livre Pensamento”.
O seu nome está perpetuado na toponímia
de Mortágua (Rua Tomás da Fonseca), onde está instalada a Biblioteca
Municipal. O Centro de Formação de Professores de Mortágua tem também o seu
nome. Possui junto à Câmara Municipal um busto escultórico em sua memória.
A título póstumo foi-lhe concedida a Ordem da Liberdade (Diário da República,
2ª Série, 12 de Dezembro de 1984).
Bibliografia do Autor:
AGIOLÓGIO RÚSTICO. I. Santos da Minha
Terra. Contos inspirados em figuras da terra natal de Tomás da Fonseca,
Mortágua.
ÁGUAS NOVAS. Peça em 4 actos. Primeira
edição da obra, publicada "na esperança de que possam servir de
refrigério, tanto aos humildes que têm fome de pão, como aos vencidos com sede
de justiça".
ÁGUAS PASSADAS. - Um dos motivos que
determinaram o autor "a reunir em volume tão velhos escritos: o de
facilitar a acção de futuros investigadores, que encontrarão aqui, brevemente
compendiada, a fase mais viva duma luta que tomou, durante anos, o aspecto de
temporal desfeito, com que se iam abrindo, varrendo e lavando as praças-fortes,
quartéis e alfurjas da milícia clerical, neste rincão do Ocidente". Como
quase toda a obra do autor, também a edição deste livro foi parcialmente
destruída pela polícia política de Salazar.
BANCARROTA. Exame à escrita das agências divinas. Edição destinada
ao Brasil.
OS DESHERDADOS. Com um prefácio de Guerra Junqueiro.
POESIA
FÁTIMA (Cartas ao Cardeal Patriarca de
Lisboa). “Aos setenta e oito anos de provecta idade, em mais um livro de
polémica, vazado na candente, mas elevada e escorreita linguagem dos 'Sermões
da Montanha', o grande escritor e jornalista português Tomaz da Fonseca prova a
vibratilidade de seu espírito e a firmeza de convicções que dele fizeram um
crítico severo, à semelhança de Guerra Junqueiro de quem foi contemporâneo e
amigo-irmão da exploração dos sentimentos religiosos do seu amado povo”.
FILHA DE LABÃO. Romance. Primeira
edição deste importante romance de Tomás da Fonseca, autor que "...traz a
marca inconfundível da terra, dessa terra da Beira camponesa...".
GUERRA JUNQUEIRO. Como ele escrevia.
Considerações sobre o manuscrito de "Os Simples". Com um retrato de Junqueiro
e a transcrição de algumas cartas inéditas.
A IGREJA E O CONDESTÁVEL. Uma das mais
discutidas e procuradas obras do autor, integrada na “Biblioteca de Estudos
Livres”
MEMORIAS DUM CHEFE DE GABINETE. Prefácio
de Lopes de Oliveira. Segundo Lopes de Oliveira, encontram-se nesta obra
"não só lembranças do seu passado [de Tomás da Fonseca], da sua nobre
vida, mas também eloquentes páginas da própria história da República.”
NO RESCALDO DE LOURDES. Livro polémico
como todos os do autor, publicado na Biblioteca de Estudos Livres . Com dois
capítulos sobre Fátima: Fátima romaria portuguesa e O equivoco de Fátima.
A PEDIR CHUVA...: Palestra a propósito do
uso das orações destinadas à imploração das chuvas em tempo de seca, integrada
na «Biblioteca de Fomento Rural» e também na linha de pensamento anticlerical
desde sempre manifestada pelo autor.
O PINHEIRO. Palestra aos seus vizinhos da
Montanha... 1948. Interessante publicação de temática actualíssima: a boa
utilização das florestas em Portugal.
O SANTO CONDESTAVEL. Alegações do cardeal
diabo. Um dos polémicos estudos históricos de Tomás da Fonseca, dedicado
"Á memória dos mártires que a Inquisição queimou nas fogueiras acesas pela
Igreja e alimentadas, quase sempre, pela riqueza e descendentes de Nun'Alvares."
Dor e Vida (poesia) -1900 Evangelho de um seminarista – 1903 Sermões da Montanha – 1909 Cartilha Nova – 1912 Origem da Vida – 1912 Memórias do cárcere – 1919 Musa Pagã – 1921 História da Civilização – 1922 Cartas Espirituais – A mulher e a Igreja –
1922 Ensino laico – 1923 As Congregações e o Ensino – 1924 Erro de Origem – Transformismos Religiosos –
1925 Coimbra (Enciclopédia pela imagem) – 1929 Questão Romana (colaboração de Brito Camacho)
– 1930 O Púlpito e a Lavoura – 1947 D. Afonso Henriques e a Fundação da
Nacionalidade Portuguesa – 1949 A Cotovia – 1951 Na cova dos Leões – 1957 O Diabo no tempo e no espaço – 1958 A Mulher – Chave do céu ou porta do inferno?
– 1960 Livro de bom humor para alívio de tristes –
1961
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