domingo, 24 de outubro de 2021

Da Internet, com simpatia


Acrescento mais uma grande penada sobre Tomás da Fonseca, de que recordo os “Sermões da Montanha” que havia na estante do meu pai. Mais uma boa história evocativa, feita por Salles da Fonseca, dando jus às suas justas “penadas”, desta vez familiares, rodeado que está por um avô e um tio considerados - “O Barão”, de Branquinho da Fonseca, uma misteriosa obra ficcional, que me encantou quando pela primeira vez a li, pelo artifício de uma atmosfera mediévica, em torno de uma estranha e reservada personagem solitária.

EM TRÊS PENADAS

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  23.10.21

Foi o meu amigo António Barros, ilustre causídico de Lisboa, que leu a biografia de Jorge Amado da autoria de Josélia Aguiar e que me contou a cena com o meu avô, Tomás da Fonseca.

Estando ele no Rio de Janeiro, foi convidado para ir tomar um café a casa de Jorge Amado e de Zélia Gattai cuja mãe também lá vivia (ou apenas lá estava). Sucede que esta Senhora – cujo nome não descobri ainda – era anarquista e grande leitora de Tomás da Fonseca a quem  quase idolatrava.

Sentados para o cafezinho, o genro vai chamar a sogra pois tinha na sala uma grande surpresa para ela. Perguntado, lá acabou por dizer o que era a surpresa e a Senhora exclamou alto a sua incredulidade. Mas acabou por ceder e foi até à sala onde os seus olhos nem queriam acreditar no que viam. E diz quem leu o livro que a Senhora tomou conta da conversa com o anarquista-mor e terá sido das poucas vezes em que o nobelizado não foi a «estrela da companhia». E já sabemos como isto é das conversas e das cerejas: a trás de uma vem sempre outra e sou eu que adivinho que o cafezinho se estendeu até depois do jantar.

Alguns anos mais tarde, sem sogra mas comigo e com a minha avó, o jantar repetiu-se em casa do meu tio, o escritor Branquinho da Fonseca, na Malveira da Serra. Sobre este jantar já escrevi, não repito agora. Apenas refiro que se falou sobretudo de literatura e praticamente nada de política.

Como é sabido, Jorge Amado e Zélia Gattai eram comunistas, o meu avô anarquista e o meu tio era um republicano sereno ocupado na escrita e na indução dos hábitos de leitura nos portugueses através desse instrumento formidável de aculturação que ele dirigia, as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian.

A cordialidade, o respeito mútuo e a literatura fazendo o pleno do interesse dos convivas, levou a política ao silêncio. Também já escrevi sobre as diferenças abissais entre comunismo e anarquismo, não repito agora.

- Então, se não conta do jantar nem da política, trata de quê? – perguntará quem me lê.

- Pois bem, em três penadas, trato do que julgo ser a razão estaminal da opção anarquista de Tomás da Fonseca.

PRIMEIRA PENADA – A iliteracia era a norma em Portugal na segunda metade do séc. XIX e chegámos à República com cerca de 90% de adultos analfabetos. Dentre os relativamente poucos portugueses alfabetizados estavam os Padres, o que lhes conferia natural capacidade de liderança das respectivas comunidades, ou seja, apontando para inúmeras situações de quase equiparação a hierocracia. Isto, sobretudo nas regiões rurais mais isoladas. À falta de alternativas, os seminários eram procurados por quem buscava instrução e não só por quem sentia vocação sacerdotal.

Foi o caso de Tomás da Fonseca que, depois de aprender a ler e escrever na escola ambulante que passava por Mortágua, rumou ao seminário de Coimbra onde fez o ensino secundário e o curso (superior) de Teologia. Mas recusou a ordenação sacerdotal e optou por aquele belo par de olhos que à saída de Mortágua o mirava da janela alta quando ele passava a cavalo a caminho das Laceiras. Sim, a minha avó teve sempre uns belos olhos.

SEGUNDA PENADA - Não sei se o meu avô alguma vez teve fé (católica) e, se a teve, quando (e porquê) a perdeu mas o que sei – porque mo disse mais do que uma vez – é que pensava que «religião pura dispensa ritos que só servem para impressionar os povos». Com o luxo da Igreja, revoltava-se; das indumentárias, ria-se e equiparava as casulas episcopais às homólogas dos adoradores de Amon-Rá.

Eis as causas que o mobilizaram toda a vida:

A instrução pública;

O anticlericalismo.

TERCEIRA PENADA – Não tenho o meu avô por nietzschiano mas admito que tenha lido alguma recensão de «A Gaia Scientia» onde terá gostado da frase «Deus está morto». Do seu (relativamente superficial, creio eu) conhecimento do nihilismo alemão, resultou uma óbvia rejeição da vertente suicidária optando, isso sim, pela via kropotkiniana da anulação do Estado. Ou seja, pelo anarquismo. Mas, mesmo assim, optando por uma via filosófica pacífica rejeitando a via terrorista catalã.

CONCLUSÃO - Tomás da Fonseca era democrata republicano radical-pacifista e era filosoficamente incompatível com quaisquer formas de fascismo, tanto de direita como de esquerda.

Obrigado, António Barros, por me ter sugerido esta reflexão.

Outubro de 2021

Henrique Salles da Fonseca

Tags: "tomás da fonseca"

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NOTAS DA INTERNET:

Tomás da Fonseca

 

Grande escritor, político, mestre e pensador da 1ª República Portuguesa. (1877 - 1968)

Tomás da Fonseca, natural de Laceiras, freguesia de Pala, concelho de Mortágua, nasceu a 10/03/1877 e faleceu a 12/02/1968. Era filho de Adelino José Tomás e de Rosa Maria da Conceição e pai de Dr. António José Branquinho da Fonseca e Eng.º Tomás Branquinho da Fonseca.

Tomás da Fonseca foi uma personalidade de destaque no meio intelectual e político da sua época. Espírito brilhante e tribuno exímio, desde muito cedo se evidenciou na defesa das ideias liberais e depois do regime republicano. Teve um papel preponderante na geração que fez a República, pelo seu feitio combativo. Era firme e intransigente na defesa das suas ideias, sempre orientado na procura da verdade e da justiça e dono de uma coragem moral que desafiou todas as vicissitudes.

Foi um lutador pela integração social do Homem e defensor intransigente dos direitos daqueles que labutam duramente.

Tomás da Fonseca foi um homem de acção, organizador e animador de inúmeras associações de carácter cultural, social, económico e político, sendo uma figura de grande relevo na campanha intensa e acidentada que precedeu a proclamação da República Portuguesa em 1910. Como deputado marcou sempre presença nos grandes actos dos primeiros tempos do novo regime.

Em 1910 foi chefe de gabinete do Ministro do Fomento, Dr. António Luís Gomes e em 1916 eleito senador pelo distrito de Viseu.

Em 1918, por se opor à ditadura de Sidónio Pais, é preso durante dois meses. Volta a ser preso em 30 de Novembro de 1928, em Coimbra, por ter participado no movimento revolucionário de 20 de Julho. Pertenceu ao Movimento da Unidade Democrática e à Maçonaria. Feroz opositor do regime ditatorial, foi perseguido pelas suas ideias políticas e os seus livros alvo de censura e proibição. Por várias ocasiões a PIDE deslocou-se à sua residência e às gráficas onde os livros eram impressos para os confiscar. Os seus movimentos eram constantemente vigiados, incluindo das pessoas e amigos, mortaguenses e não só, que com ele mais privavam.

Denunciou as condições prisionais do regime, o que lhe valeu a prisão em 8 de Maio de 1947, por ter protestado contra a existência do Campo de Concentração do Tarrafal, nas ilhas de Cabo Verde. Uma semana antes, no dia 2 de Maio, tinham sido já presos outros dois mortaguenses, acusados também de serem opositores ao regime: Dr. Victor Hugo Marques Miragaia, advogado e Deodato Medeiros Ramos, empregado comercial.
A título de curiosidade, tal era a sua fama de opositor ao regime que até no dia do seu funeral, realizado para o cemitério de Mortágua, a Policia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) enviou agentes com a missão de anotar (discretamente) as pessoas e discursos de homenagem dos que ali compareceram ao último adeus.

Era um anti-clerical convicto e assumido, tendo publicado vários livros críticos sobre a Igreja e a Religião. Ficou famosa a sua polémica com João de Deus Ramos sobre o ensino religioso nas escolas.

Como escritor literário, Tomás da Fonseca escreveu dezenas de volumes onde se contam livros de versos, arqueologia e belas artes, a doutrina democrática e a polémica religiosa.

Tomás da Fonseca não só marcou uma posição firme de grande escritor de ideias, como foi também um professor de raros recursos pedagógicos. A sua ligação ao ensino foi um acto contínuo, sendo vogal do Conselho Superior de Instrução Pública, director das Escolas Normais de Lisboa, da Universidade Livre de Coimbra, presidente do Conselho de Arte e Arqueologia da mesma cidade.

Como deputado do Parlamento até 1917, colaborou na reforma do Ensino Primário e Normal. Em 1922 publicou o livro “História da Civilização”, que foi adoptado como livro escolar, a pedido do Ministro da Instrução Pública”. Professor sempre atento e preocupado na formação, realizou inúmeras visitas de estudo a escolas, museus e bibliotecas em países como França, Bélgica e Inglaterra. Foi ainda um dos impulsionadores da construção do Jardim-Escola João de Deus, de Mortágua.

Em 1941, participou em Mortágua na fundação do Círculo de Leitura.

Um grupo de habitantes do concelho ligados aos meios democráticos e republicanos decidem fundar o Círculo de Leitura, uma espécie de biblioteca pública que se estabeleceu na Casa Lobo. O Círculo de Leitura foi criado com o objectivo de manter viva a chama da leitura após o desaparecimento das bibliotecas das Escolas Livres da Irmânia e de Mortágua, com a instalação da ditadura e a consolidação do Estado Novo. Promovia o culto do livro e o gosto da leitura, manifestando preocupação pela elevação do nível cultural dos seus associados, perto de 200.

Os livros eram comprados com o dinheiro resultante do pagamento das quotas e ofertas. O Círculo de Leitura também patrocinava palestras, que se realizavam no Teatro Club. Tomás da Fonseca proferiu ali várias conferências, uma delas em homenagem a Antero de Quental. O Círculo de Leitura manteve-se até 1945.

No Jornalismo destacou-se com artigos ou opiniões publicadas em jornais como: “Mundo”, “Pátria”, “Vanguarda”, “Voz Pública”, “Norte”, “República”, “Povo”, “Batalha”, “Lanterna (Brasil)”, “Espanha Nova”, “Alma Nacional”, “Diabo”, “Prometeu”, “Arquivo Democrático”, de que foi director, “Defesa da Beira” e na revista “Livre Pensamento”.
O seu nome está perpetuado na toponímia de Mortágua (Rua Tomás da Fonseca), onde está instalada a Biblioteca Municipal. O Centro de Formação de Professores de Mortágua tem também o seu nome. Possui junto à Câmara Municipal um busto escultórico em sua memória.

A título póstumo foi-lhe concedida a Ordem da Liberdade (Diário da República, 2ª Série, 12 de Dezembro de 1984).

Bibliografia do Autor:

AGIOLÓGIO RÚSTICO. I. Santos da Minha Terra. Contos inspirados em figuras da terra natal de Tomás da Fonseca, Mortágua.

ÁGUAS NOVAS. Peça em 4 actos. Primeira edição da obra, publicada "na esperança de que possam servir de refrigério, tanto aos humildes que têm fome de pão, como aos vencidos com sede de justiça".

ÁGUAS PASSADAS. - Um dos motivos que determinaram o autor "a reunir em volume tão velhos escritos: o de facilitar a acção de futuros investigadores, que encontrarão aqui, brevemente compendiada, a fase mais viva duma luta que tomou, durante anos, o aspecto de temporal desfeito, com que se iam abrindo, varrendo e lavando as praças-fortes, quartéis e alfurjas da milícia clerical, neste rincão do Ocidente". Como quase toda a obra do autor, também a edição deste livro foi parcialmente destruída pela polícia política de Salazar.

BANCARROTA. Exame à escrita das agências divinas. Edição destinada ao Brasil.

OS DESHERDADOS. Com um prefácio de Guerra Junqueiro.

POESIA

FÁTIMA (Cartas ao Cardeal Patriarca de Lisboa). “Aos setenta e oito anos de provecta idade, em mais um livro de polémica, vazado na candente, mas elevada e escorreita linguagem dos 'Sermões da Montanha', o grande escritor e jornalista português Tomaz da Fonseca prova a vibratilidade de seu espírito e a firmeza de convicções que dele fizeram um crítico severo, à semelhança de Guerra Junqueiro de quem foi contemporâneo e amigo-irmão da exploração dos sentimentos religiosos do seu amado povo”.

FILHA DE LABÃO. Romance. Primeira edição deste importante romance de Tomás da Fonseca, autor que "...traz a marca inconfundível da terra, dessa terra da Beira camponesa...".

GUERRA JUNQUEIRO. Como ele escrevia. Considerações sobre o manuscrito de "Os Simples". Com um retrato de Junqueiro e a transcrição de algumas cartas inéditas.

A IGREJA E O CONDESTÁVEL. Uma das mais discutidas e procuradas obras do autor, integrada na “Biblioteca de Estudos Livres”

MEMORIAS DUM CHEFE DE GABINETE. Prefácio de Lopes de Oliveira. Segundo Lopes de Oliveira, encontram-se nesta obra "não só lembranças do seu passado [de Tomás da Fonseca], da sua nobre vida, mas também eloquentes páginas da própria história da República.”

NO RESCALDO DE LOURDES. Livro polémico como todos os do autor, publicado na Biblioteca de Estudos Livres . Com dois capítulos sobre Fátima: Fátima romaria portuguesa e O equivoco de Fátima.

A PEDIR CHUVA...: Palestra a propósito do uso das orações destinadas à imploração das chuvas em tempo de seca, integrada na «Biblioteca de Fomento Rural» e também na linha de pensamento anticlerical desde sempre manifestada pelo autor.

O PINHEIRO. Palestra aos seus vizinhos da Montanha... 1948. Interessante publicação de temática actualíssima: a boa utilização das florestas em Portugal.

O SANTO CONDESTAVEL. Alegações do cardeal diabo. Um dos polémicos estudos históricos de Tomás da Fonseca, dedicado "Á memória dos mártires que a Inquisição queimou nas fogueiras acesas pela Igreja e alimentadas, quase sempre, pela riqueza e descendentes de Nun'Alvares."   

   Dor e Vida (poesia) -1900      Evangelho de um seminarista – 1903       Sermões da Montanha – 1909      Cartilha Nova – 1912      Origem da Vida – 1912      Memórias do cárcere – 1919      Musa Pagã – 1921  História da Civilização – 1922      Cartas Espirituais – A mulher e a Igreja – 1922      Ensino laico – 1923      As Congregações e o Ensino – 1924      Erro de Origem – Transformismos Religiosos – 1925      Coimbra (Enciclopédia pela imagem) – 1929      Questão Romana (colaboração de Brito Camacho) – 1930      O Púlpito e a Lavoura – 1947      D. Afonso Henriques e a Fundação da Nacionalidade Portuguesa – 1949      A Cotovia – 1951      Na cova dos Leões – 1957      O Diabo no tempo e no espaço – 1958      A Mulher – Chave do céu ou porta do inferno? – 1960       Livro de bom humor para alívio de tristes – 1961

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