Conversas em família
O sentido de humor não faltando, nem o do
“mais do mesmo”, na esteira do tempo.
Uma “versão de bolso” do debate, - por MARIANA LIMA CUNHA e RITA TAVARES - em Texto sóbrio e subtilmente elucidativo
▲Costa foi ao
Parlamento apenas quatro dias antes da data para a entrega do Orçamento do
Estado
O debate com Costa
em versão bolso. As irritações e os irritantes de uma tarde parlamentar /premium
ANTÓNIO COTRIM/LUSA
No pós-autárquicas, o debate parlamentar crispou, com Costa
irritado com as acusações de eleitoralismo da direita. Pelo meio negoceia o
Orçamento com o BE de bloqueios e um PCP desconfiado.
OBSERVADOR, 07 out 2021
De dedo espetado e num tom crispado, António Costa surgiu no debate pós-autárquicas com
várias contas políticas para ajustar que foi somando em campanha. Mas a oposição — e
sobretudo o PSD — também vinha com a arma carregada com as mesmas munições que já
estavam a encher o depósito do primeiro-ministro. Foi
um verdadeiro barril de pólvora que resultou, inevitavelmente, em várias
explosões do primeiro-ministro.
Até Catarina
Martins acabou por intervir nessa troca de tiros entre a
bancada do PSD e António Costa
para lhe chamar “uma espécie de debate eleitoral” entre a direita e o
secretário-geral do PS quando ela estava ali para “debater com o
primeiro-ministro”. Uma ajuda bloquista a Costa que ficou por isto mesmo — o
primeiro-ministro socialista está a negociar, neste momento mais tenso, o
próximo Orçamento do Estado com o Bloco e o PCP e, nesse capítulo, há muitas
dessintonias com Catarina Martins.
Com o PCP, as negociações não parecem melhores, embora
Costa tenha investido tudo aqui na esperança de um acordo final que procurou
logo depois do debate em reuniões com os parceiros de outros tempos que quer
que se mantenham parceiros.
O pedido
de desculpa pendurado
Três letras apenas, mas
toda uma bazuca de problemas políticos quando o dinheiro ainda nem chegou ao
país. O Plano de Recuperação e Resiliência
(PRR) trará
dinheiro a fundo perdido para as empresas e Costa tentou focar-se nessa parte, mas a direita passou grande
parte do debate a apontar para outro dado: a acusar Costa de ter passado a
campanha a fazer aproveitamento político e em como o plano lhe terá saído
furado.
Até foi o CDS a pegar logo no tema referindo-se à “transformação
do PRR num livro de cheques socialista”. O PSD veio de seguida e não largou o
mesmo argumento, com Rio a referi-lo e todos os deputados da bancada daí para a
frente a seguirem-lhe o exemplo até à irritação sonora de Costa (ver abaixo).
A dada altura, foi o adjunto de Costa no PS, José Luís
Carneiro, que veio em auxílio do primeiro-ministro, reclamando a vitória
eleitoral autárquica e lamentando que “depois de uma campanha em que [a
oposição] gastou o tempo a atacar o secretário-geral por fazer campanha e falar
dos seus compromissos para o país”, não tenha “aproveitado esta oportunidade”
para colocar dúvidas.
Costa aproveitou a deixa para introduzir no debate as
queixas da oposição à Comissão Nacional de Eleições sobre as violações da lei
eleitoral e o recurso a medidas e instrumentos do Governo em campanha, e como
elas não tiveram seguimento. E desabafou que esperava “um pedido de desculpas”.
Não chegou.
As maiores irritações de Costa
O clima
pós autárquicas fez-se sentir neste primeiro confronto depois dessa batalha
eleitoral. No
PSD pelas referências várias ao que António Costa fez em campanha, mas também
no lado socialista, com o primeiro-ministro a não conseguir evitar provocações,
como mostrou logo na sua primeira intervenção no debate quando felicitou, com
ironia, o CDS por “ter sido o único partido a não perder uma única câmara” (só
tem seis) e por ter “contribuído generosamente” para que o PSD aumentasse
o número de câmaras.
Costa não chegou mesmo a evitar uma referência à vida
interna do CDS, ao pedir a Cecília Meireles (crítica de
Francisco Rodrigues dos Santos e
dona do lugar que impede a entrada do líder democrata-cristão no Parlamento) para que entregasse os parabéns ao
presidente do partido — ainda na semana passada, as
dificuldades de comunicação entre direcção do partido e grupo parlamentar
voltaram a fazer correr muita tinta.
Certo é que o inicial
tom jocoso depressa mudou para uma irritação bem mais vocal. Com Rui Rio a questionar a estratégia do Governo
para a TAP e a perguntar se não era mais avisado que a empresa fosse privada,
Costa espetou o dedo para garantir que “ninguém, ninguém, ninguém, nem vossa
excelência, previu que isto pudesse acontecer”, referindo-se à pandemia e ao
impacto na aviação civil.
Perante a insistência de Rio, Costa voltou no mesmo
registo: “Não sabe que, sendo pública ou privada, a pandemia paralisou à escala
global toda a aviação civil? Acha que nas companhias que eram
privadas o Estado não injectou dinheiro?”.
Depois, com Filipa Roseta, já na segunda ronda de perguntas, e quando a deputada do PSD falou nos problemas
na Habitação e no que não foi feito, recuperando os tempos de Sócrates, questões como a “corrupção”
e a ligação a “construtores”, Costa disparou logo com um “ainda bem que vossa
excelência percebeu tudo, mas isso é mais grave, porque omitiu o que percebeu”,
justificando o atraso na estratégia nacional de habitação com a pandemia.
E foi por ali mesmo, pelo lado do PSD, que aconteceu o momento
mais exaltado, quando o deputado e vice do partido André Coelho Lima tocou na ferida “autárquicas” e falou no “roadshow” que o PSD acusa Costa de ter
feito na campanha com o PRR na mãos. “Correu-lhe mal, porque em todos estes municípios [onde
deixou promessas] perdeu as eleições”, atacou para logo depois concluir que “com
esta tentativa de viciar o voto do eleitor, desprestigiou a democracia”.
Costa endireitou o casaco pela gola antes de se levantar
para a resposta e quando tomou a palavra disparou logo um redutor “Coelho
Lima, não é?”. A partir daí foi sempre a subir no tom com vários momentos de
pateada no plenário — a bancada do PSD protestava contra
Costa com o barulho que conseguia produzir enquanto o primeiro-ministro
descarregava uma bazuca de considerandos sobre o deputado para, no final
decretar que o PSD não conhece os dossiês, nem o PRR nem o da descentralização
de competências para os municípios. Pelo meio ficou a frase do dia:
“O senhor não me conhece
de parte nenhuma por isso não autorizo qualquer juízo moral sobre o meu
comportamento como eu não faço sobre o seu”. António Costa a não conseguir conter algum agastamento
que vinha em crescendo.
O parceiro preferido (e preocupado)
O tempo é de pressão. A apenas quatro dias da entrega do
Orçamento do Estado, e tendo o PCP hipótese de ser o parceiro com maior vantagem negocial — sobretudo se voltar a ficar sozinho
em jogo, como aconteceu no ano passado –, os comunistas quiseram subir o tom e Jerónimo
dedicou-se a enumerar todas as pastas em que PS e PCP não estão de acordo. O partido tem, aliás, feito questão
de marcar essas diferenças, tendo ainda na semana passada levado, mais uma vez,
a votos no Parlamento mais uma proposta para aumentar o salário mínimo…
mais uma vez, chumbada com a ajuda do PS.
Desta vez, Jerónimo recapitulou essas discordâncias e
desabafou para Costa: “Com franqueza, são esses os sinais que
quer dar?”. O primeiro-ministro vinha preparado: assim que ouviu as queixas do
parceiro preferido, tirou uma folha dos seus apontamentos e disparou
a lista de medidas dos comunistas que adoptou no último Orçamento, do pagamento
dos salários em lay-off ao alargamento das creches gratuitas — passos que o PCP
quer consolidar este ano.
Por isso, se Jerónimo se confessou “preocupado”, Costa
tratou de tranquilizar o partido vizinho, exercendo também a sua própria
pressão: “Tenho a certeza de que o PCP não falhará ao compromisso perante o
país” (e perante o PS, faltou acrescentar).
Antes disso, já tinha elogiado os
comunistas por se terem “mantido na luta” mesmo nos difíceis tempos de
pandemia, ou seja, continuado a viabilizar Orçamentos sem abandonar o barco,
numa tentativa de colar a responsabilidade pela estabilidade política ao PCP.
Os “b’s”. De Bloco e de bloqueio
A história do diálogo entre Bloco de Esquerda e Governo
neste debate foi, sobretudo, uma sucessão de bloqueios. O tom de Costa foi
sempre cordial, mas a certa altura lá espetou a farpa, enquanto respondia a
Jerónimo de Sousa: se o PCP se “manteve na luta” e ficou ao lado do Governo no ano
passado, houve quem se “afastasse” (leia-se o Bloco).
A desconfiança ficou e os bloquistas não pareceram
satisfeitos com as respostas que trouxeram do debate com o primeiro-ministro. Problema número um: a necessidade de fixar profissionais no SNS, um dos
temas que levaram ao impasse do Orçamento anterior. Catarina
Martins pediu atractivos
para que estes trabalhadores não fujam para o sector privado, Costa respondeu com o
número de contratações no SNS, e a conversa acabou sem solução, mas com
uma promessa: “nas próximas horas”, disse Costa,
teriam oportunidade de falar sobre o assunto — provavelmente em reuniões
orçamentais ao mais alto nível.
Outro dos pontos em que o Bloco está a apostar na
negociação é o das pensões, com foco no fim do factor de sustentabilidade, que
ainda representa um corte de 15,5% para alguns pensionistas com décadas de
descontos. Sem sucesso: Costa recusou acabar com
esta fonte de receita porque, garantiu, assim estaria a pôr em risco a
sustentabilidade do sistema e as reformas das próximas gerações.
Por fim, outro tema em que as conversas não têm evoluído, já desde o
ano passado: a pasta dos direitos laborais, com o
BE a insistir em revogar as normas do tempo da troika. Também aqui não pareceu haver
grande margem: o Governo já apresentou a sua “agenda do trabalho digno” e é para aí que
remete; o Bloco
acha as medidas insuficientes e pede mudanças como o aumento das indemnizações
por despedimento (“esse não é o problema central”, replicou prontamente Costa).
O bate boca acabou com Catarina a garantir que, por este
caminho, o país ficará “condenado aos baixos
salários”. E a esquerda condenada a entendimentos, no mínimo, difíceis.
A “revolta geral” sobre Rendeiro e offshores
O mix das notícias da
fuga de João Rendeiro com as notícias sobre os Pandora Papers, que vieram
revelar as ligações de dezenas de figuras mundiais a offshores, tornaram o tema
da evasão fiscal um dossiê incontornável neste debate. Costa aproveitou até para reagir ao caso do antigo
banqueiro português e mostrar a sua “perplexidade” sobre o assunto: “Todos
partilhamos a revolta geral e perplexidade com que tal foi possível”.
A culpa não foi, ainda assim, da lei nem num caso nem
outro, assegurou Costa: por um lado, questionado sobre o deputado do Chega, Diogo Pacheco
Amorim, sobre medidas para evitar o caso Rendeiro, Costa disse-se “surpreendido” pela pergunta”, por
considerar que não houve qualquer lacuna na lei, mas
antes na sua aplicação. E foi mais longe, sem resistir a deixar uma farpa ao Chega: “Se
tem alguma medida concreta a propor para prevenir situações como estas, estamos
disponíveis para apreciar. Tal como apreciámos negativamente
medidas como a castração química e outras, temos sempre a esperança que um dia
o Chega apresente uma proposta relevante concreta e útil” (Pacheco Amorim anunciaria, efectivamente,
a proposta já no final do debate).
Quanto às offshores, as perguntas sucederam-se em várias
bancadas (BE, PAN, PEV) que pediram ao Governo medidas mais restritivas, com Costa sempre a recordar que no
último Orçamento foram adoptadas duas normas nesse sentido: a proibição de apoios públicos a
entidade sediadas em offshore e o agravamento de taxas de IMI e IMT na
aquisição de imóveis por parte dessas entidades. Tudo, garantiu, provas do
empenho do Executivo em “combater essa chaga dos paraísos fiscais”.
Aqueles dois “irritantes” da semana passada que não faltaram
A semana negra de António Costa não foi aproveitada pela
oposição neste debate e só em dois momentos totalmente isolados e sem
contaminação para o restante debate surgiram duas das questões mais
controversas dos últimos dias. A primeira
chegou pelos Verdes, quando falou na “debandada” por “constrangimentos
financeiros” nas direcções de serviços públicos — uma referência à saída do presidente da CP contestada
pelo ministro Pedro Nuno Santos que aproveitou para atirar ao ministro João
Leão. Costa garantiu não haver “debandada
geral. Estamos aqui todos, aqui todos firmes”, disse tentando afastar a ideia
de “remodelações”.
O outro tema quente era o dos “equívocos” na substituição — entretanto travada
na praça pública pelo Presidente da República — do Chefe do Estado Maior da
Armada. No
CDS, Pedro Morais Soares a classificar de “lamentável” o episódio que envolveu
ministro da Defesa, primeiro-ministro, Presidente da República, chefe da Armada
e o vice-almirante da vacinação, Gouveia e Melo. Costa foi tão lacónico como o
comunicado do Presidente na noite em que o primeiro-ministro foi a Belém: “Houve de facto alguns equívocos e estão todos sanados”.
PARLAMENTO POLÍTICA ORÇAMENTO DO
ESTADO ECONOMIA GOVERNO
COMENTÁRIOS:
Pedro
Pedreiro: E o presidentes da AR? Caladinho... Jean
Molin: O Sócrates fez mais no primeiro ano de governo que o Costa fez nestes 6
anos de incompetência. Pedro Pedreiro > Jean Molin: Comparar Sócrates a Costa é sempre
uma enorme ofensa para Sócrates. Costa
consegue ser pior em TUDO. Jean
Molin: Uma virtude ou defeito que o Costa escondeu até aqui é uma pessoa virulenta...é
como a anedota do escorpião e o sapo, já o fez várias vezes. José
Luis Salema: O MAIOR erro cometido pelo Rui rio foi o ter ajudado
o Costa na questão dos debates quinzenais. O argumento foi de que o primeiro
ministro não se pode cansar. Erro
colossal! Se os debates continuassem de
quinze em quinze dias o Costa não aguentava muito mais. Pedro
PedreiroJosé Luis Salema: Concordo. Só
por esse erro Rui Rio deveria ter deixado a direcção do PSD há muito.
Incompetente. Desilusão. Joao Mar: o comportamento do Costa fala por
si. Um ditador irritado. arrogante, prepotente, ordinário , mal-educado,
boçal. Depois ainda falam do Juiz Rui Fonseca e Castro. Com um PM assim Joaquim
Moreira: O debate com Costa em versão bolso.
As irritações e os irritantes de uma tarde parlamentar, só podem
ser para lamentar. Razão tinha Rui Rio em "acabar" com os
"debates quinzenais". Que em boa verdade, só servem para abrir
telejornais e estas discussões nas páginas dos jornais. Independentemente das
boas razões que na altura apresentou o líder da oposição, a verdadeira questão
é que este é o palco ideal para um aldrabão. Que com mais ou menos irritação,
acaba sempre por ganhar o debate à oposição. E por mais uma razão: tem ao seu
dispor muito mais tempo para a discussão, do que a oposição a quem só sobra uma
parca ração! antonyo antonyo > Joaquim Moreira: Discordo
completamente ! Se a oposição perde, frase sua, é porque Rui Rio é o mais
incompetente líder de que há memória. Assistir às mentiras de Costa e do PS e
vir falar das barragens (que ao que parece não têm que pagar, por isso não
convém publicar), com tanta coisa para criticar e ficar-se pelo irrelevante , é
o grau zero da eficácia parlamentar . Copie o CDS que não tem peso mas tem
ideias! Joaquim Moreira > antonyo antonyo: Tem todo o
direito de discordar! Só que discordar, só por si, não quer dizer que tenha
razão nessa sua forma de ver. Quem mais atacou e com razão o aldrabão, foi a
líder do CDS de nome Assunção! E o que ganhou foi ver o CDS com cada vez menos
votação! Por isso, meu caro, continuo a achar que Rui Rio e o PSD sabem bem
fazer oposição. Mas, de facto, não é só a que vê na televisão. Mas mesmo aí, é
muito diferente a minha opinião!
joão
Teixeira: Se alguém ainda tem dúvidas de que o PS nos encaminha para o quarto
resgate financeiro, é porque vive distraído Raul
Soares > joão teixeira: Espero que o povo distraído acorde
nas próximas legislativas, Caça Fantasmas: A área de influência de Costa e
amigos está cada dia a ficar mais apertada. Já não arranja ninguém para
substituir os ministros que penosamente se arrastam e aguardam ser remodelados,
conduzindo o país para a estagnação e cauda da Europa. Maria
da Graça de Dias > Vitor Santos: António Costa como Primeiro
Ministro nunca poderia ter respondido a um deputado da oposição em tom e com
argumentos de uma vulgaridade confrangedora, próprios de regimes autoritários,
absolutistas e de desrespeito para com todas as regras democráticas exigidas em
países civilizados. AC uma vez mais exibiu o seu estilo de "chinelo".
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