De detalhes que, por ignorância, ou
indiferença, ou indignação pacífica nos passam ao lado, e que Alberto Gonçalves revela, no
detalhe do seu muito saber e do seu extraordinário e corajoso sentido crítico e
humor feroz, que, naturalmente, põem em risco a sua integridade física – já que
a sua inteireza moral e intelectual parece irredutível. Obrigada, AG.
O novo Super-Homem e outras mariquices
“Mulher” é conceito “segregacionista”
(utilizar “pessoa com colo do útero”). A matemática é uma “construção social”.
O método científico é “colonialista”. Esta gente é um maná para a psiquiatria.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 23
OUT 2021
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Ia
escrever sobre o novo Super-Homem, filho de Clark Kent e Lois Lane. Ignoro o que aconteceu ao velho, mas este namora
com um amigo japonês de cabelo roxo, combate fogos florestais “causados” pelas
alterações climáticas, preocupa-se com a deportação de refugiados em Metrópolis
e impede tiroteios em escolas. Só lhe falta reverter a rotação da Terra
para recuar na cronologia e conseguir que o progenitor com uma
senhora de etnia “minoritária”, de modo a que ele renasça inter-racial. Ou
promover a vacinação compulsiva. Eis os principais superpoderes dele:
levar a sério os “pivots” da CNN; usar máscara para a Covid mesmo na Fortaleza
da Solidão; ser um chato sem redenção. O seu ponto fraco, além da
susceptibilidade à kriptonita, é o humor.
Se
escrevesse sobre o novo Super-Homem, ligaria o assunto à recente necessidade de
a banda desenhada “acolher a diversidade” (jargão em voga). Hoje
há super-heróis homossexuais, negros e, provavelmente, muçulmanos, tudo para
não “perder a oportunidade” (jargão) de
promover a “inclusão” (santa paciência).
E lembraria que existem “comics” pelos vistos não regeneráveis, ou
indignos de salvação pelas igrejas totalitárias do momento. Nos EUA, a
Disney desatou a censurar os seus filmes e parques de diversão. No Canadá, livros de Tintim e Astérix foram
literalmente queimados por darem uma “representação negativa” dos povos
indígenas (é curioso que só os brancos
nunca são indígenas de parte nenhuma. Se
o termo não fosse agora considerado insultuoso para os extraterrestres – juro –
perguntaria se os caucasianos são “aliens”? ). E por aí fora. Porém, não
muito fora daí. É natural que o movimento “woke” (chalupa, em
português e seja em que língua for) se concentre em farejar discriminações em
produtos juvenis: apenas uma ínfima minoria chega ao “racismo” em Faulkner. A maioria prefere caçar Blyton ou Kipling ou o
Capuchinho Vermelho. E suspeito que os recorrentes ataques a Mark Twain se
baseiam em versões animadas de “Huckleberry Finn”.
Sucede
que não vou escrever sobre o novo Super-Homem, que de resto estará a
manifestar-se à porta da Netflix, em San Jose, por causa do “especial” de Dave
Chappelle. É sobre isto
que vou escrever. No programa, estreado há 15 dias, Chappelle brinca com
os transsexuais. Reacções das pessoas normais? Rir; não rir; mudar de “canal”.
Reacções dos “woke”? Berreiro doido, exigências de remoção do programa, ameaças
ao comediante e a quem o sustenta, reivindicações de aumento salarial aos
“transsexuais” que trabalham na empresa de “streaming”, etc. Um branco que julga ser uma negra, autor de uma
série da Netflix intitulada “Dear White People”, demitiu-se. Em suma, a ideia é
“cancelar” Chappelle, e por “cancelamento” entenda-se a actividade favorita de
qualquer fascista que se preze.
Qual foi, afinal, o crime de Chappelle,
uma gota no oceano de blasfémias? Lembrar que uma vagina criada cirurgicamente
não é bem uma vagina. Nem é piada: é evidência. A piada está na fúria com que os “woke” se atiram
às evidências. A gravidez não é exclusiva às mulheres. “Mulher” é conceito “segregacionista” (por favor
utilizar “pessoa com colo do útero”). A matemática é uma “construção social”. O
método científico é “colonialista”. Esta gente é um maná para a psiquiatria.
Lamentavelmente, esta gente não vai ao
psiquiatra: vai para as universidades, para as televisões, para as “redes
sociais” e para a rua, onde grita a pedir punições e a proclamar-se “ferida” na
sua “sensibilidade”. Ora a
“sensibilidade” de transtornados deve inspirar uma resposta clara: não me
interessa. Tal como, para lá do ocasional pretexto cómico ou romanesco, não
interessa a sexualidade ou a “raça” de ninguém, não convém valorizar taradinhos
que se servem da sexualidade ou da “raça” para se mostrarem “ofendidos”. E que
julgam que “ofendido” é estatuto. E que aproveitam o estatuto para tentar
eliminar a liberdade alheia.
Ao substituir o que antigamente se
chamava conhecimento por clichés e histeria inquisitorial, o movimento “woke” é
coisa de fanáticos e ignorantes. Ceder-lhe, um pedacinho que seja, é legitimar o fanatismo
e a ignorância. Quando, por compaixão ou cobardia ou oportunismo, o mundo recua
perante o avanço dos inquisidores, são as trevas que ganham. E, amputado de
verdade, memória, contradição, desgraça e graça, é o mundo que perde. Não é
bonita uma paisagem repleta de virtuosos, sobretudo quando a virtude esconde, e
mal, o tipo de cegueira redentora responsável pelas maiores vergonhas da
História. As vergonhas não se apagam: se possível, evitam-se.
Já
não é possível evitar o primitivismo “woke”. É possível vencê-lo? Não sei. Sei
que os malucos são menos numerosos do que o respectivo ruído dá a entender. E
que as “comunidades” imaginárias que invocam, sexuais, raciais ou o que calha,
não são clubes coesos, com cartão de sócio e opinião única. E que as
embaraçosas concessões dos “media” e do “show business” acabam quando, por
falta de público para lixo anódino, hipócrita e expiatório, se perceber que a
alternativa é acabarem os “media” e o “show business”. E que a abdicação de políticos comuns em prol de
dementes com ambição e “agenda” é capaz de lhes sair pela culatra em matéria
eleitoral. E que,
conforme é hábito nas purgas, os doidos concorrem entre si para escolher o mais
puro, e destruir os impuros no processo: houve um tempo em que, por exemplo, os
fanáticos viam um aliado em Chappelle, sobre quem, reparo, também não escrevi.
No
fundo, escrevi sobre o que me apeteceu e da maneira que me apeteceu, mania em
perigo e em desuso. Eventuais ofendidos são um bónus.
COMENTÁRIOS:
Antonio Mendes: Brilhante, se excluirmos a frase onde mete a
vacina.
José Dias: É sempre bem vindo alguém que
não hesite em apontar o dedo e gritar que "o guey vai nu" ...
Luis Dominguez: ...de psicopatas
e sociopatas se trata efectivamente.
Pedra Nussapato: Mais
um artigo de conteúdo vazio e desinteressante (vá lá, pelo menos desta vez não
é sobre máscaras), mas altamente potenciador de cliques e comentários reles. AG
sabe-a toda...
Hoyo de Monterrey > Pedra Nussapato: Não concordo. Com o seu estilo próprio o autor está
a alertar para um movimento desprovido de sentido e bases científicas e que
acaba por levar aquilo que eles próprios dizem combater: fim de liberdades.
Vitor Batista >Pedra Nussapato: Horizontes limitados, há mais vida para lá da cultura
"woke"sempre houve e vai continuar a haver, porque eles irão
destruir-se a eles próprios, porque são indivíduos vazios de ideias, vazios de
conteúdo e vazios de qualquer noção da realidade, porque uma pessoa com útero é
uma mulher, e só ela o pode ter.
Henrique Mota: “Chapeau” a AG pela crónica sobre Chappelle.
Vitor Batista: "Os
doidos concorrem entre si para escolher os mais puros e destruir os impuros no
processo ". Absolutamente
verdade, e aqueles que pensam que terão favores desses "wokes" dementes
desenganem-se, serão também queimados na fogueira da nova inquisição
"wokiana". Lixo
e dejectos, é a única designação que merecem.
Meio Vazio: Alberto Gonçalves está de volta. Bem vindo e obrigado.
André Ondine: Um
texto corajoso, nos dias que correm. Mas cuidado, Alberto Gonçalves. Olhe que a Clara
Ferreira Alves também teve a ousadia de se referir à comunidade trans em termos
que a própria comunidade e os seus guardas acharam ser menos próprios (apesar
de, claro, nada ter dito de mal ou ofensivo) e está a ser trucidada nesse ninho
de ratos, que são as redes sociais, onde reina gente iluminada e “inclusiva”
como a pouco perspicaz frequentadora de pine-cliffs e luxos no Chiado Fernanda
Câncio (estou a fazer a vénia), a nova coqueluche da esquerda trendy Carmo
Afonso e, claro, figuras de proa do “comentarismo” Marques Lopes, como Daniel
Oliveira, Adão milionário e, inevitavelmente, o próprio Marques Lopes. Aliás,
até de forma pouco leal e deselegante, o dito Oliveira (que, hoje, parece que
comenta a toda a hora em todo o lado, sempre do cimo de uma moral superior)
apressou-se, no Twitter, a dizer que imediatamente “chamou a atenção “ a Clara
pela sua ousadia. E refere ainda que o também perfeito e defensor das
minorias Marques Lopes também o fez, mas que, num momento de rara felicidade e
de acalmia dos pobres telespectadores, as câmaras não apanharam.
Estes
comentadores que se auto-alimentam e promovem em comentários cozinhados no Lux,
estão na linha da frente na luta pela comunidade LGBTXZSWARTMNOIYTR. E se não
defendem esta comunidade, são excluídos do grupo e não entram no Lux. E a
Câncio deixa de lhes falar e de partilhar os seus textos. E isso é um soco na
auto-estima de tão pouco estimável gente. Obrigado AG.
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