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Henrique Salles da Fonseca, como sempre lutando pela sua “dama”, na tentativa de acordar ecos de um passado de presença portuguesa como “curiosidade” para eruditos, que o comentário de Carlos Traguelho esclarece melhor - apontando os traços da sua originalidade de leveza humorística, a esconder valentia, a que estamos habituados - na defesa de velhos valores patrióticos que permanecerão como simples lembranças de um passado a esmorecer.
PORTUGUÊS,
LÍNGUA FRANCA NO ORIENTE
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO; 24.10.21
«NOSSLING»
E OUTRAS MAIS…
A
Cultura Portuguesa no Oriente continua a ser motivo de grande interesse por
parte de intelectuais e de lusófilos longínquos falantes de português moderno e
de muitos dialectos de origem portuguesa.
Dos
intelectuais, destaco Jorge de Sena, o poeta que me faz cruzar com a tristeza e
K. David Jackson, o historiador cuja obra, nesta temática, tenho por
inultrapassável.
De
Jorge de Sena, versos da nostalgia do passado e da tristeza do presente…
«Escritos em caracteres tamil
Por quem mal sabe a língua em que soavam…
Estes versos emergem com uma tranquilidade
Terrível de língua morta a desfazer-se
E cujos ossos restam dispersos num e de um romance
Cantado há quatro séculos numa terra alheia.
Distâncias de oceanos os conduziram como hábito
De serões e vigílias.
Solidões do longe
Os ensinaram a quem partilhou tédios e saudades…
Ficaram nas memórias teimosas de abandonada gente…
Presa por um fio a um país esquecido…
Não os ouve nada nem ninguém!»
(Jorge de Sena - «A sátira na poesia e
na poética»)
Eis a sina dos “lusófilos longínquos”
que ficaram nas suas terras depois do fim da administração portuguesa. Mas, apesar de rodeados de hostilidade ou por
desdenhosa indiferença, defendem os Valores que tinham recebido – religião,
língua e até alguns genes.
E
é precisamente toda esta tenacidade que me leva a olhar o futuro com
esperança desde que, em vez de choro mole, ajudemos esses “lusófilos
longínquos” a olhar em frente com fé na preservação dos Valores que tão
corajosamente preservam.
Extractos de génese histórica da obra
de Jackson que retenho:
Depois de quinhentos anos, a presença
portuguesa na Ásia é muito visível, paradoxalmente, através de uma presença
sensível na arquitectura militar, civil, religiosa e até mesmo profana das
cidades, com as suas fortalezas costeiras, igrejas e casario que transformaram
a História em arqueologia - tal é a fortuna de locais mais ou menos preservados
desde a ilha de Socotorá ao largo do Iémen, no exclave omanita no Estreito de
Ormuz onde me disseram que a sua língua é «árabe aportuguesado» (se é
que isto faz algum sentido), na Costa
do Malabar refiro Chaul e Baçaim com grande número de fortificações,
monumentos, construções e inscrições que testemunham a ausência sensível desse
que foi o império marítimo português;
De
Chaul, portanto, restam as pedras pois faz uma vintena (?) de anos que morreu o
professor do dialecto de português que ali se falava mas que, felizmente, se
preserva na vizinha Corlai, a famosa «nossling».
De Damão, transcrevo apenas curtos versos de cantiga actual:
«Papegaai
ne gaiola,
batté
azas quer curre,
Menina
ne janela,
batté
peto quer morre»;
De Diu refiro que se trata da parcela do extinto Estado Português da
Índia que apregoa ser onde actualmente mais se fala português;
De Baçaim, hoje um dormitório
de Bombaim, último
hospital de apoio à «carreira da Índia» (o 17º) com início no Algarve (Tavira),
resta a monumentalidade da que foi a Capital das Províncias do Norte do Estado
Português da Índia;
Para
além de várias «bolsas» residuais de algumas famílias
dispersas por vários pontos da Índia
que dizem falar «o português correcto», o português moderno é
falado com maior ou menor militância e com um ou outro regionalismo em Goa,
Damão, Diu e Dadra.
Dobrado
o Cabo Comorim, eis-nos a caminho da Taprobana, de todo o Golfo de Bengala e do
mais que se há-de ver…
Trincomalee e Batticaloa, na costa oriental do Sri Lanka, são as mais ricas
fontes de «português» no Ceilão. Nada menos que trezentas famílias falam
o seu dialecto de português. A União Católica "Burgher" reúne
estas pessoas que falam português na Reunião Geral Anual mas as actas são
escritas em inglês porque naquelas Assembleias não tem havido quem saiba
escrever o seu português senão em caracteres tâmil, o que eles não querem fazer
por questões relativas à neutralidade nos conflitos internos no país (foi o
General Fonseka que fez cessar a guerra civil). Mas têm muito orgulho na sua
cultura e estão interessados em preservar a sua língua. Todas as suas
orações católicas são em português e achei comovente ouvi-los rezar o «Pai
Nosso»:
Pai nosse qui está ne céos,
Santificádo seja tua nomi,
Venho nós a tua Reyno,
Seja fêto a tua vontadi
Assi ne terra, como ne céos;
O pan nosse de cada dia nos dá
ojo,
E perdová nós nosse dívidas
Assi como nós perdovamos nosse
dividóris,
E nan nos desse caí em tentaçan,
Mas livra nós de mal.
Ámen1!
Do folclore português do Sri
Lanka, basta transcrever duas pequenas peças
para se ver o que falta fazer no apoio a estes "lusófilos
longínquos" para
que mantenham a sua cultura:
«Anala
de oru sathi padera juntu
Quem quera anal avie casa minha juntu»
\
(O
anel de ouro com sete pedras
Quem
quiser o anel, venha casar-se comigo)
«Já
foi todo partis, Ceilão per Japan
Mais nunca trizé nada, for da firme coração»
(Já
fui a toda a parte, do Ceilão para o Japão
Mas
nunca trouxe nada, excepto o fiel coração)
Rumando
a Norte pelo Golfo de Bengala, já não encontrei vestígios da língua portuguesa
na Costa do Coromandel e a Feitoria Portuguesa em Calcutá foi devorada pelo
urbanismo do caos. E, contudo,
em todos aqueles litorais, toda a gente se entendia em português, a língua
franca em todo o Oriente, correndo então o século XVII e suas envolvências.
À
cautela, não me aventurei pelo Mianmar adentro e, portanto, não visitei o país em que o
lisboeta Filipe de Brito e Nicote
foi eleito Rei e que morreu no seu posto rodeado da amizade e respeito do povo
que governou; relativamente a Malaca, sou co-autor do «Dicionário Papiá
Cristang-Português» em vias de produção; no
Vietname, testemunhei o prestígio
actual do Padre Francisco de Pina SJ que fez o
primeiro dicionário «Vietnamita-Português» e ali introduziu o alfabeto latino
para aquela cultura sair da alçada chinesa; em
Macau, o Instituto Camões desempenha a função que lhe está consignada; em Jakarta.
os lusófilos locais têm uma História interessantíssima que não cabe nestas
linhas, são os Tugus e
têm língua própria; na ilha das Flores, as orações católicas são todas em
português e Timor-Leste está a fazer um trabalho muito valioso para recuperar
dos traumas da invasão indonésia.
Noto
que em todas estas situações e à semelhança do que acontece na Galiza e
em Timor-Leste, a língua
assume um papel de identidade social do maior relevo. E mais
noto que a língua portuguesa apresenta perspectivas de futuro que a colocam
numa rota de grande crescimento: mais do que para carpir saudades e «arma» de
afirmação sociológica, o português é um instrumento que serve o desenvolvimento
na América do Sul, em África, no Exstremo Oriente e, claro está, na Europa.
Pela sua finura linguística e pelo seu traço de erudição, Goa poderia – se quisesse – ganhar o
Prémio Internacional da Língua Portuguesa mas para isso é necessário que o
galardão exista e que a profecia de Jesus sobre o canto do galo não se aplique.
Enfim,
numa perspectiva futura, há que apoiar essas comunidades dialectantes de
português fixando-lhes as respectivas semânticas, sintaxes e tempos verbais e,
em situações pontuais, ensinando o português moderno como língua estrangeira.
Aqui fica a sugestão-pedido à Fundação Oriente.
«Arigatô»!
Henrique
Salles da Fonseca
Publicado
em 24 de Outubro de 2021 no jornal O Heraldo, Pangim, Goa
Tags:"lusitânia armilar"
Henrique Salles da Fonseca
24.10.21
Caro Henrique,
Li
já o teu livro. Em boa hora fui, no teu dizer, “o grande impulsionador” da
edição do livro que compila muitos textos de viagens que inseriste no teu blog
“A Bem da Nação”, alguns dos quais acompanhados de respetivos comentários dos
teus leitores, inclusive meus, no que dizem respeito “Por essa picada além…”
Gostei
muito do livro, pese embora vários textos fossem já do meu conhecimento, pela
leitura do blog, pois dá uma visão de conjunto que a leitura do blog não
proporciona tão bem.
A
tua ironia e humor perpassam em quase todos eles, embora os tenha sentido mais,
penso, nos referentes à Indochina.
Nos últimos, relativos a “Por Tordesilhas Além…”, nota-se algum cansaço e economia de descrição,
que o início da pandemia e o risco de black-out justificam plenamente.
Por vezes, tive que ir à internet para saber quem era quem ou para aprofundar o meu conhecimento de entidades ou pessoas que mencionavas. Também por isso te agradeço. Abraço amigo. Carlos Traguelho
Rui Bravo Martins 25.10.2021:
Esta
Publicação no Jornal de Goa já comentada no passado recente sem contudo a ter
podido ler na sua totalidade. Excelente alerta do que não se tem feito, e o que
falta fazer, para que não morra de vez quer com o passar das gerações quer por
inacção. O actual Governo, a Ministra da Cultura, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros e o Instituto Camões, bem como muitos governos e entidades
anteriores, com a exceção da Gulbenkian e de muitas personalidades
individualmente, nada ou quase, têm feito para inverter este estado de coisas
nos tempos actuais e futuros. São recursos humanos e dinheiro necessário, mas
não são gastos simplesmente mas sim investimento na Nossa Cultura Única para
tempos actuais e futuros.
Cumprimento-o pela sua dedicação a tão nobre causa como pela sua perseverança e
resiliência.
Anónimo 25.10.2021: N“O Heraldo” de hoje,
24 de Outubro de 2021, na sua secção dominical de “Notas Soltas” o nosso
estimado e respeitado co-plataformista Henrique Salles da Fonseca narra
minuciosamente a evolução e a situação da língua portuguesa nos territórios
ultramarinos ex-portugueses. Álvaro Peres da Costs (Sidney)
Anónimo 25.10.2021: Gostei
imenso de ler o artigo detalhado do nosso ilustre membro do SPG Henrique Salles
da Fonseca. Sempre tive uma vontade de viajar por esses territórios onde ainda
se fala português como Baçaim, antigo Ceilão, etc. Talvez pudéssemos qualquer
dia organizar uma expedição do SPG. Parabéns, amigo Henrique. Paulo
Colaço Dias(Londres)
Anónimo 25.10.2021 Parabéns Henrique, pelo
magnífico tour de horizon dos lusófonos falantes de português e dos dialectos
da língua que nos é tão cara, ao longo arco que vai de Socotorá até
Timor-Leste. Por uma coincidência interessante, o DN do dia 23
(hoje) deu à estampa um artigo do Doutor Adriano Moreira, que
refere à reconstrução e inauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo,
bem como á construção em progresso do Museu da Língua Portuguesa em Bragança.
No seu discurso em São Paulo, o P da R, Marcelo Rebelo de Sousa destacou “ Para
não esquecer as cinzas do passado mas a partir delas reconstruiríamos o
futuro”. E o Doutor Moreira acrescenta “A língua é nossa, mas não é só nossa e
a liberdade de inovar é geral, o que é nosso é a criação e difusão dos valores
que permitiram criar a CPLP . O próprio _credo dos valores _ muda as
exigências”. Temos portanto diante de nós um desafio e uma oportunidade. Cabe a
nós aproveitarmo-nos dela. Muito obrigado, Henrique, por nos ter posto em dia
sobre a Cultura Portuguesa no Oriente.
António Fonseca (Toronto)
Anónimo 25.10.2021: Muitos
parabéns caro Henrique (Sales da Fonseca) Li com muito interesse o seu
magnífico artigo escrito hoje no o Heraldo. Elucida-nos quanto ao rasto deixado
pelos portugueses desde Socotorá até Timor por via da língua portuguesa que é a
língua materna para milhares de goeses da minha geração. Tive a oportunidade de
falar com alguns habitantes de Corlai. A poesia do Dr Jorge Sena foi
uma introdução muito apropriada para o seu artigo que assevero , é um dos
melhores artigos que tenho lido nestas páginas soltas deste quotidiano . Um
abraço Amândio Coelho Peteita (Bombaim)
Anónimo 25.10.2021: Prezado Dr. Salles. Leio com grande
interesse os "posts" no seu blog. A sua contribuição à meia página
tinha de ser interessante também. A sua análise sobre a presente situação da
língua portuguesa no ultramar (d'outrora) está repleta de informação. Cita o
poeta Jorge Sena. Não conhecia a sua obra. Cita também o linguista Kenneth
Jackson que cheguei a conhecer pessoalmente. E a vívida imagem da cultura
portuguesa se desenrola à frente dos nossos olhos... Obrigada pelo seu
desinteressado trabalho em prol da língua e cultura. Espero que cá em Goa essa
cultura que muito prezamos nunca seja um mero "nossling". Atenciosamente.
LiliaMariaDSouza (Pangim, Goa)
Anónimo 25.10.2021 Muitos
Parabéns Dr. Henrique Salles da Fonseca pelo belo artigo. Gopal Vernenkar
(Pangim, Goa)
Anónimo 25.10.2021: Sr.
Henrique Sales da Fonseca, felicito-o pelo interessante artigo, um sumário da
influência da língua Portuguesa no Oriente. Um maravilhoso rasto cultural
deixado por um pequeno pais europeu por todo o Sul da Asia até o Extremo
Oriente. O povo Português foi sempre abençoado por Deus. Continuemos a deixar
viva esta língua que tanto amamos Elgar Collaço (Pamgin, Goa)
Henrique Salles da
Fonseca 26.10.2021 07:51: O
Autor do comentário anterior é o Doutor Elgar de Noronha, de Pangim, Goa a quem
peço que me desculpe o lapso na identificação inicial
Anónimo 25.10: Com imenso prazer Lemos
o artigo de Notas Soltas do "0 Heraldo" de hoje. Sr. Henrique. Parabéns.
Coleta
e Vasco Figueiredo (Goa)
Anónimo 25.10.2021 18:46: Caro
amigo Henrique Salles da Fonseca, Li com muito interesse o seu artigo
intitulado “Português, Língua Franca no Oriente «nossling» e outras mais”. O
seu périplo por paragens orientais tão distantes entre si, onde a língua
portuguesa continua a afirmar-se, revela que Portugal pode orgulhar-se da sua
História, porque deixou raízes duradouras no mundo por onde passou. Se hoje a
diplomacia portuguesa consegue navegar, com equilíbrio, nas ondas revoltas dos
conflitos internacionais, é porque bebeu sabedoria no vasto caminho que
percorreu ao longo dos mares que navegou. Os meus parabéns. Valentino Viegas Lisboa,
24.10.2021.
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