segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Na publicação do seu livro


URBI ET ORBI

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Henrique Salles da Fonseca, como sempre lutando pela sua “dama”, na tentativa de acordar ecos de um passado de presença portuguesa como “curiosidade” para eruditos, que o comentário de Carlos Traguelho esclarece melhor - apontando os traços da sua originalidade de leveza humorística, a esconder valentia, a que estamos habituados  -  na defesa de velhos valores patrióticos que permanecerão como simples lembranças de um passado a esmorecer.

PORTUGUÊS, LÍNGUA FRANCA NO ORIENTE

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A BEM DA NAÇÃO; 24.10.21

«NOSSLING» E OUTRAS MAIS…

A Cultura Portuguesa no Oriente continua a ser motivo de grande interesse por parte de intelectuais e de lusófilos longínquos falantes de português moderno e de muitos dialectos de origem portuguesa.

Dos intelectuais, destaco Jorge de Sena, o poeta que me faz cruzar com a tristeza e K. David Jackson, o historiador cuja obra, nesta temática, tenho por inultrapassável.

De Jorge de Sena, versos da nostalgia do passado e da tristeza do presente

«Escritos em caracteres tamil

Por quem mal sabe a língua em que soavam…

Estes versos emergem com uma tranquilidade

Terrível de língua morta a desfazer-se

E cujos ossos restam dispersos num e de um romance

Cantado há quatro séculos numa terra alheia.

Distâncias de oceanos os conduziram como hábito

De serões e vigílias.

Solidões do longe

Os ensinaram a quem partilhou tédios e saudades…

Ficaram nas memórias teimosas de abandonada gente…

Presa por um fio a um país esquecido…

Não os ouve nada nem ninguém!»

(Jorge de Sena - «A sátira na poesia e na poética»)

 

Eis a sina dos “lusófilos longínquos” que ficaram nas suas terras depois do fim da administração portuguesa. Mas, apesar de rodeados de hostilidade ou por desdenhosa indiferença, defendem os Valores que tinham recebido – religião, língua e até alguns genes.

E é precisamente toda esta tenacidade que me leva a olhar o futuro com esperança desde que, em vez de choro mole, ajudemos esses “lusófilos longínquos” a olhar em frente com fé na preservação dos Valores que tão corajosamente preservam.

Extractos de génese histórica da obra de Jackson que retenho:

Depois de quinhentos anos, a presença portuguesa na Ásia é muito visível, paradoxalmente, através de uma presença sensível na arquitectura militar, civil, religiosa e até mesmo profana das cidades, com as suas fortalezas costeiras, igrejas e casario que transformaram a História em arqueologia - tal é a fortuna de locais mais ou menos preservados desde a ilha de Socotorá ao largo do Iémen, no exclave omanita no Estreito de Ormuz onde me disseram que a sua língua é «árabe aportuguesado» (se é que isto faz algum sentido), na Costa do Malabar refiro Chaul e Baçaim com grande número de fortificações, monumentos, construções e inscrições que testemunham a ausência sensível desse que foi o império marítimo português;

De Chaul, portanto, restam as pedras pois faz uma vintena (?) de anos que morreu o professor do dialecto de português que ali se falava mas que, felizmente, se preserva na vizinha Corlai, a famosa «nossling».

De Damão, transcrevo apenas curtos versos de cantiga actual:

«Papegaai ne gaiola,

batté azas quer curre,

Menina ne janela,

batté peto quer morre»;

De Diu refiro que se trata da parcela do extinto Estado Português da Índia que apregoa ser onde actualmente mais se fala português;

De Baçaim, hoje um dormitório de Bombaim, último hospital de apoio à «carreira da Índia» (o 17º) com início no Algarve (Tavira), resta a monumentalidade da que foi a Capital das Províncias do Norte do Estado Português da Índia;

Para além de várias «bolsas» residuais de algumas famílias dispersas por vários pontos da Índia que dizem falar «o português correcto», o português moderno é falado com maior ou menor militância e com um ou outro regionalismo em Goa, Damão, Diu e Dadra.

 

Dobrado o Cabo Comorim, eis-nos a caminho da Taprobana, de todo o Golfo de Bengala e do mais que se há-de ver

Trincomalee e Batticaloa, na costa oriental do Sri Lanka, são as mais ricas fontes de «português» no Ceilão. Nada menos que trezentas famílias falam o seu dialecto de português. A União Católica "Burgher" reúne estas pessoas que falam português na Reunião Geral Anual mas as actas são escritas em inglês porque naquelas Assembleias não tem havido quem saiba escrever o seu português senão em caracteres tâmil, o que eles não querem fazer por questões relativas à neutralidade nos conflitos internos no país (foi o General Fonseka que fez cessar a guerra civil). Mas têm muito orgulho na sua cultura e estão interessados em preservar a sua língua. Todas as suas orações católicas são em português e achei comovente ouvi-los rezar o «Pai Nosso»:

Pai nosse qui está ne céos,

Santificádo seja tua nomi,

Venho nós a tua Reyno,

Seja fêto a tua vontadi

Assi ne terra, como ne céos;

O pan nosse de cada dia nos dá ojo,

E perdová nós nosse dívidas

Assi como nós perdovamos nosse dividóris,

E nan nos desse caí em tentaçan,

Mas livra nós de mal.

Ámen1!

Do folclore português do Sri Lanka, basta transcrever duas pequenas peças para se ver o que falta fazer no apoio a estes "lusófilos longínquos" para que mantenham a sua cultura:

 

«Anala de oru sathi padera juntu

Quem quera anal avie casa minha juntu»     \

(O anel de ouro com sete pedras

Quem quiser o anel, venha casar-se comigo)

 

«Já foi todo partis, Ceilão per Japan

Mais nunca trizé nada, for da firme coração»

(Já fui a toda a parte, do Ceilão para o Japão

Mas nunca trouxe nada, excepto o fiel coração)

 

Rumando a Norte pelo Golfo de Bengala, já não encontrei vestígios da língua portuguesa na Costa do Coromandel e a Feitoria Portuguesa em Calcutá foi devorada pelo urbanismo do caos. E, contudo, em todos aqueles litorais, toda a gente se entendia em português, a língua franca em todo o Oriente, correndo então o século XVII e suas envolvências.

À cautela, não me aventurei pelo Mianmar adentro e, portanto, não visitei o país em que o lisboeta Filipe de Brito e Nicote foi eleito Rei e que morreu no seu posto rodeado da amizade e respeito do povo que governou; relativamente a Malaca, sou co-autor do «Dicionário Papiá Cristang-Português» em vias de produção; no Vietname, testemunhei o prestígio actual do Padre Francisco de Pina SJ que fez o primeiro dicionário «Vietnamita-Português» e ali introduziu o alfabeto latino para aquela cultura sair da alçada chinesa; em Macau, o Instituto Camões desempenha a função que lhe está consignada; em Jakarta. os lusófilos locais têm uma História interessantíssima que não cabe nestas linhas, são os Tugus e têm língua própria; na ilha das Flores, as orações católicas são todas em português e Timor-Leste está a fazer um trabalho muito valioso para recuperar dos traumas da invasão indonésia.

Noto que em todas estas situações e à semelhança do que acontece na Galiza e em Timor-Leste, a língua assume um papel de identidade social do maior relevo. E mais noto que a língua portuguesa apresenta perspectivas de futuro que a colocam numa rota de grande crescimento: mais do que para carpir saudades e «arma» de afirmação sociológica, o português é um instrumento que serve o desenvolvimento na América do Sul, em África, no Exstremo Oriente e, claro está, na Europa.

Pela sua finura linguística e pelo seu traço de erudição, Goa poderia – se quisesse – ganhar o Prémio Internacional da Língua Portuguesa mas para isso é necessário que o galardão exista e que a profecia de Jesus sobre o canto do galo não se aplique.

Enfim, numa perspectiva futura, há que apoiar essas comunidades dialectantes de português fixando-lhes as respectivas semânticas, sintaxes e tempos verbais e, em situações pontuais, ensinando o português moderno como língua estrangeira. Aqui fica a sugestão-pedido à Fundação Oriente.

«Arigatô»!

Henrique Salles da Fonseca

Publicado em 24 de Outubro de 2021 no jornal O Heraldo, Pangim, Goa

Tags:"lusitânia armilar"

URBI ET ORBE

 Henrique Salles da Fonseca

 24.10.21

Caro Henrique,

Li já o teu livro. Em boa hora fui, no teu dizer, “o grande impulsionador” da edição do livro que compila muitos textos de viagens que inseriste no teu blog “A Bem da Nação”, alguns dos quais acompanhados de respetivos comentários dos teus leitores, inclusive meus, no que dizem respeito “Por essa picada além…”

Gostei muito do livro, pese embora vários textos fossem já do meu conhecimento, pela leitura do blog, pois dá uma visão de conjunto que a leitura do blog não proporciona tão bem.

A tua ironia e humor perpassam em quase todos eles, embora os tenha sentido mais, penso, nos referentes à Indochina. Nos últimos, relativos a “Por Tordesilhas Além…”, nota-se algum cansaço e economia de descrição, que o início da pandemia e o risco de black-out justificam plenamente.

Por vezes, tive que ir à internet para saber quem era quem ou para aprofundar o meu conhecimento de entidades ou pessoas que mencionavas. Também por isso te agradeçoAbraço amigo.  Carlos Traguelho

 Rui Bravo Martins  25.10.2021: Esta Publicação no Jornal de Goa já comentada no passado recente sem contudo a ter podido ler na sua totalidade. Excelente alerta do que não se tem feito, e o que falta fazer, para que não morra de vez quer com o passar das gerações quer por inacção. O actual Governo, a Ministra da Cultura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Instituto Camões, bem como muitos governos e entidades anteriores, com a exceção da Gulbenkian e de muitas personalidades individualmente, nada ou quase, têm feito para inverter este estado de coisas nos tempos actuais e futuros. São recursos humanos e dinheiro necessário, mas não são gastos simplesmente mas sim investimento na Nossa Cultura Única para tempos actuais e futuros.
Cumprimento-o pela sua dedicação a tão nobre causa como pela sua perseverança e resiliência.

 Anónimo  25.10.2021: N“O Heraldo” de hoje, 24 de Outubro de 2021, na sua secção dominical de “Notas Soltas” o nosso estimado e respeitado co-plataformista Henrique Salles da Fonseca narra minuciosamente a evolução e a situação da língua portuguesa nos territórios ultramarinos ex-portugueses. Álvaro Peres da Costs (Sidney)

 Anónimo  25.10.2021: Gostei imenso de ler o artigo detalhado do nosso ilustre membro do SPG Henrique Salles da Fonseca. Sempre tive uma vontade de viajar por esses territórios onde ainda se fala português como Baçaim, antigo Ceilão, etc. Talvez pudéssemos qualquer dia organizar uma expedição do SPG. Parabéns, amigo Henrique. Paulo Colaço Dias(Londres)

 Anónimo  25.10.2021  Parabéns Henrique, pelo magnífico tour de horizon dos lusófonos falantes de português e dos dialectos da língua que nos é tão cara, ao longo arco que vai de Socotorá até Timor-Leste. Por uma coincidência interessante, o DN do dia 23 (hoje) deu à estampa um artigo do Doutor Adriano Moreira, que refere à reconstrução e inauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, bem como á construção em progresso do Museu da Língua Portuguesa em Bragança. No seu discurso em São Paulo, o P da R, Marcelo Rebelo de Sousa destacou “ Para não esquecer as cinzas do passado mas a partir delas reconstruiríamos o futuro”. E o Doutor Moreira acrescenta “A língua é nossa, mas não é só nossa e a liberdade de inovar é geral, o que é nosso é a criação e difusão dos valores que permitiram criar a CPLP . O próprio _credo dos valores _ muda as exigências”. Temos portanto diante de nós um desafio e uma oportunidade. Cabe a nós aproveitarmo-nos dela. Muito obrigado, Henrique, por nos ter posto em dia sobre a Cultura Portuguesa no Oriente.
António Fonseca (Toronto)

 Anónimo  25.10.2021: Muitos parabéns caro Henrique (Sales da Fonseca) Li com muito interesse o seu magnífico artigo escrito hoje no o Heraldo. Elucida-nos quanto ao rasto deixado pelos portugueses desde Socotorá até Timor por via da língua portuguesa que é a língua materna para milhares de goeses da minha geração. Tive a oportunidade de falar com alguns habitantes de Corlai. A poesia do Dr Jorge Sena foi uma introdução muito apropriada para o seu artigo que assevero , é um dos melhores artigos que tenho lido nestas páginas soltas deste quotidiano . Um abraço Amândio Coelho Peteita (Bombaim)

 Anónimo  25.10.2021: Prezado Dr. Salles. Leio com grande interesse os "posts" no seu blog. A sua contribuição à meia página tinha de ser interessante também. A sua análise sobre a presente situação da língua portuguesa no ultramar (d'outrora) está repleta de informação. Cita o poeta Jorge Sena. Não conhecia a sua obra. Cita também o linguista Kenneth Jackson que cheguei a conhecer pessoalmente. E a vívida imagem da cultura portuguesa se desenrola à frente dos nossos olhos... Obrigada pelo seu desinteressado trabalho em prol da língua e cultura. Espero que cá em Goa essa cultura que muito prezamos nunca seja um mero "nossling". Atenciosamente. LiliaMariaDSouza (Pangim, Goa)

 Anónimo  25.10.2021  Muitos Parabéns Dr. Henrique Salles da Fonseca pelo belo artigo. Gopal Vernenkar
(Pangim, Goa)

 Anónimo  25.10.2021:    Sr. Henrique Sales da Fonseca, felicito-o pelo interessante artigo, um sumário da influência da língua Portuguesa no Oriente. Um maravilhoso rasto cultural deixado por um pequeno pais europeu por todo o Sul da Asia até o Extremo Oriente. O povo Português foi sempre abençoado por Deus. Continuemos a deixar viva esta língua que tanto amamos Elgar Collaço (Pamgin, Goa)

 Henrique Salles da Fonseca  26.10.2021  07:51: O Autor do comentário anterior é o Doutor Elgar de Noronha, de Pangim, Goa a quem peço que me desculpe o lapso na identificação inicial

 Anónimo  25.10: Com imenso prazer Lemos o artigo de Notas Soltas do "0 Heraldo" de hoje. Sr. Henrique. Parabéns. Coleta e Vasco Figueiredo (Goa)

 Anónimo  25.10.2021  18:46: Caro amigo Henrique Salles da Fonseca, Li com muito interesse o seu artigo intitulado “Português, Língua Franca no Oriente «nossling» e outras mais”. O seu périplo por paragens orientais tão distantes entre si, onde a língua portuguesa continua a afirmar-se, revela que Portugal pode orgulhar-se da sua História, porque deixou raízes duradouras no mundo por onde passou. Se hoje a diplomacia portuguesa consegue navegar, com equilíbrio, nas ondas revoltas dos conflitos internacionais, é porque bebeu sabedoria no vasto caminho que percorreu ao longo dos mares que navegou. Os meus parabéns. Valentino Viegas   Lisboa, 24.10.2021.

 

 

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