Foram os franceses que alimentaram o espírito juvenil no século XIX com
os seus élans de angústias existenciais, orgulhosamente decadentistas, com o
tal “mal du siècle” de cariz melancólico
e entediado, no reconhecimento da vacuidade da vida, que outros filósofos e
artistas ajudaram a definir. Mas nós, portugueses do século XXI, pelo contrário,
amamos a vida com o empenhamento de quem sente quanto a vida é breve e convém
gozá-la. Por isso o “mal deste nosso século
luso” pouco tem a ver com esses pruridos de superioridade alheia, que arrastou
o nosso António Nobre para idêntico “état
d’âme maladif”. Trata-se antes de
deficiência económica perene, que o Dr. Salles e seus comentadores bem demonstram
quanto ele provém do hábito da chucha alheia, sendo necessário, para todos os
efeitos, inverter esse posicionamento insustentável por mais tempo. Caso
contrário, estamos condenados a morrer ressequidos. Sem alma, sequer.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 02.10.21
Durante
as restrições impostas pela pandemia, a poupança das famílias aumentou na
medida da redução do consumo.
Com
a massificação da vacinação, iniciado o desconfinamento, a «marmita de Papin»
foi sendo aberta e o povo deu largas à euforia gastando a rodos o que
forçadamente poupara. No Algarve, a segunda quinzena de Agosto terá sido quase
suficiente para compensar os prejuízos provocados pela pandemia.
Dois
empresários com quem (separadamente) conversei, me disseram que tinham sido
atempada e fortemente apoiados pelo Estado. Conclui que a Administração Pública
local actuou prontamente (ajuda atempada) e que aquelas empresas não funcionam
na economia paralela (fortes apoios). Conversas ligeiras, de férias, não fiz
perguntas mas fiquei a saber que o futuro ditará o modo de liquidação dos ditos
apoios. Haja negócio e tudo se resolverá…
Aumentou
a dívida pública? Sim, sem dúvida mas em tempo de guerra não se limpam armas.
Fez-se o que tinha de ser feito e muito mal seria se não tivesse sido feito. Só
que, agora, controlada a situação pandémica e despromovida esta endemia, é
chegada a altura de olharmos para os problemas que fomos obrigados a criar. E o
problema consiste em sabermos o que fazer com tanta «moeda falsa» lançada nos
circuitos económicos comatosos para que não passassem a moribundos.
*
* *
De
um modo geral, as ajudas públicas revestem as formas de empréstimos
(reembolsáveis, por definição) e de subsídios (a fundo perdido, por definição)
e eu temo a pressão inflacionista que por aí apareça em resultado deste
aumento excepcional de meios de pagamento na economia sem que deles decorra
aumento da produção uma vez que eram destinados a servir a sobrevivência das
pessoas. Ou seja, manutenção dos níveis de consumo com significativa
quebra da produção. E se tomarmos em conta que…
…
temos uma economia relativamente pouco produtiva,
…
temos um regime de livre comércio externo,
…
temos mercados mais opacos do que transparentes (oligopsónios),
…
os preços se formam «à la diable», sem lógica,
… temos
um poder político que privilegia o consumo como motor do desenvolvimento.
… então,
temos o «caldinho» ideal para um significativo aumento dos preços, um
agravamento da já deficitária balança comercial, manutenção do sentido político
avesso ao reequilíbrio das contas públicas, tudo isto num cenário de mercados
de capitais passando dos juros negativos para a perspectiva da remuneração
positiva nos inícios de 2022. E,
então, a pergunta é: - Como vamos servir a dívida - desta e das crises que a
antecederam - se já não há ricos que a paguem?
Passadas
que foram em euforia as férias de 21, acautelemo-nos com as de 22 por causa das
razões antes apontadas e não vá também a bazuca disparar às avessas vertendo
bom dinheiro sobre algum excesso de projectos públicos de rentabilidade
insuficiente ou quiçá deficiente (os tristemente célebres elefantes
brancos).
E
se do hemiciclo beneditino não me resta grande esperança, cuido-me invocando a
protecção divina para que alguma da restante sabedoria humana não nos encaminhe
para novo grande buraco: Valha-nos São Miguel, o Arcanjo, protector de
Portugal!
COMENTÁRIOS:
Anónimo: 02.10.2021: Apercebi-me que a inflação aumentou na Europa em
agosto – 3% -, essencialmente devido ao custo dos combustíveis, além de que a
base de comparação do ano passado estava deflacionada em virtude da pandemia.
Segundo li, os economistas, na sua generalidade, apontam que esse aumento é
temporário e o próprio BCE prevê uma taxa de inflação de 1,9 para este ano e de
1,5 para o próximo. Então, a inflação ainda não deve ser problema e confiemos
que o BCE zele, conforme previsto estatuariamente, para que ela não ultrapasse
os 3% na zona Euro. Da disciplina que vier a ser imposta, dela não há forma de
fugir… Perguntas, Henrique. como vamos servir a dívida, se já não há ricos que
a paguem. Eu acrescentaria “e nem pesada herança existe para que a ela se
possa recorrer”. Também aqui temos que confiar no rigor da sua gestão e
na bondade das finalidades do endividamento. Já demonstrámos, em época
pré-pandémica, que conseguimos reduzir a dívida. Esperemos que, quando a
conjuntura o permitir, análoga prova façamos. Todavia, tenho alguma
preocupação a este respeito, e o recente episódio público de crítica de um
ministro ao das Finanças, fragilizando este, não augura nada de bom. Desde
que me conheço, que este último é o “responsável” pelo que os ministros
sectoriais não conseguem fazer, mas não é necessário trazer isso para a praça
pública. Não é por acaso que os Ministros das Finanças tendem a ser
também de Estado. Preocupação adicional igualmente tenho, como tu, sobre a
“bazuca”, e toda a sua envolvente. Sabes, Henrique, não tenho ouvido - mas o
autismo pode ser muito bem meu - o suficiente sobre a prioridade dos projectos
tendo em atenção o seu efeito estruturante da vida económica, a sua
rentabilidade, o seu pay-back e as suas consequências na balança comercial
assim como no emprego. Abraço. Carlos
Traguelho
Anónimo, 02.10.2021 : Foi-me
elucidativa e proveitosa esta breve lição sobre a economia do nosso burgo,
partilhada por dois economistas, o Dr. Salles da Fonseca e o Dr. Carlos Traguelho. Nada tenho a acrescentar, apenas a aprender. Mas não
resisto a comentar a observação do Dr. Salles da Fonseca sobre o comportamento
do "hemiciclo beneditino". Pois é, o orçamento do Estado, para poder
ser aprovado, está dependente, para não dizer refém, de dois partidos
minoritários da esquerda, para quem nada custa exigir a distribuição do bolo a
seu bel-prazer, quer dizer, a favor dos seus dividendos partidários. Ora, este
não é um pequeno detalhe. Apenas para dizer que não verifiquei se o comentário
que acabei de inserir tinha os respectivos dados de indicação. Provavelmente
não e deve ter saído como de autor anónimo. Adriano Miranda Lima
Anónimo, 03.10.2021: M/ Caro Dr. Salles da Fonseca, Perdoe-me a sabichice,
mas o salto nos Depósitos Bancários não significa "poupança", antes
"entesouramento". Um dos conceitos mais dúbios da dismal science é
este de "poupança" - e por lá há mais. O maior vício da acção
governativa deste Governo (e de todos os outros, excepção feita ao Governo de
Passos Coelho por mérito da troika) é acrescentar despreocupadamente cada vez
mais rigidez à Despesa Pública. Por outras palavras, a política orçamental tem
sido um disparate que vamos pagar muito caro. Todos, se continuar assim; ou só
alguns, se houver que cortar a matar. Não creio que o Anjo de Portugal tenha
meios para nos livrar de tal destino. Olho no saldo da Balança Comercial e da
Balança de Transacções Correntes, que é só aí que o Bendito Arcanjo
(reminiscência dos dim e dos deuses na Israel primeva) poderá operar milagres.
Rui Martins 03.10.2021: Tendo estado fora de Lisboa, só hoje li o seu
eloquente artigo sobre as nossas futuras férias (eu diria mesmo sobre a nossa
sobrevivência como sociedade do tipo actual). Não vejo no futuro quem nos possa
governar atirando borda fora o PS e seus amigos. Talvez o Arcanjo São Gabriel
nos venha ajudar pois bem precisamos. Um Bem Haja do seu vizinho e Amigo
RBM
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