segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Nunca ninguém diga que está bem


Nada sabemos. Esperamos. E aprendemos. Enquanto formos.

A Herança Merkel e a Europa da neutralidade/premium

A América precisa de amigos. Mas a Europa precisa ainda mais. E precisa de acabar de uma vez por todas com narrativas gloriosas e grandiloquentes em relação às quais não tem a mínima condição de estar.

DIANA SOLLER, Colunista do Observador             OBSERVADOR, 02 out 2021

O European Council on Foreign Relations publicou recentemente dois policy briefs com resultados muito curiosos. O primeiro aborda a Alemanha “depois de Merkel” e o segundo reflecte no tema “guerra-fria” entre os Estados Unidos e a China. Os policy briefs são o resultado de inquéritos de opinião em 12 países europeus (no qual Portugal está incluído devido ao apoio da Fundação Calouste Gulbenkian).

O primeiro mostra que a esmagadora maioria dos europeus avalia com simpatia os dezasseis anos de Angela Merkel à frente dos destinos da Alemanha e da Europa. Nunca se diz no estudo, mas subentende-se, que a Alemanha é o país que lidera informalmente a Europa e que o fez bem nas áreas da economia (os países do sul parecem reconciliados com a austeridade) e da defesa dos direitos humanos e dos valores europeus (os países do centro parecem reconciliados com a crise das migrações). O entusiasmo é tão grande que se tivessem de escolher entre dois hipotéticos candidatos para “Presidente da Europa”, e maioria votaria em Angela Merkel em detrimento de Emmanuel Macron.

Mas aqui começam os problemas. Segundo o estudo, parte da razão por que a chanceler seria preferida relativamente ao presidente francês é pelo seu conservadorismo. Macron parece ser demasiado progressista para o gosto europeu que se habituou a uma Europa de discurso triunfante mas de passinhos de bebé. Como escrevi noutra ocasião, este ritmo está longe de se coadunar com as necessidades de um sistema internacional em competição. Mais, os europeus não confiam na Alemanha para a construção de uma política externa comum. Os autores do estudo, Piotr Buras e Jana Puglierin, dizem, e com razão, que a liderança informal alemã terá de se reformar para originar uma Europa mais competitiva. Merkel serviu bem o seu tempo, argumentam, mas o que vem aí requer uma política mais ousada. Atribuem ainda a desconfiança europeia na política externa ao facto de Berlim ter conduzido, nos últimos anos, uma diplomacia mais voltada para o seu interesse nacional do que para o interesse europeu. Parece razão exígua, até porque nem sempre foi assim. Há duas questões prévias no espírito das opiniões públicas europeias, que podem surgir de forma intuitiva, mas estão lá. A primeira é a recusa de que a Alemanha se torne a potência hegemónica da Europa, ainda que de maneira informalMerkel, aliás, concordaria com os europeus, uma das razões pelas quais vai deixar saudades. Mas poderá bem vir a ser uma necessidade. A Europa precisa de uma alavancagem, que só pode vir de Berlim, se quiser ter peso na política internacional. Não existe poder sem grandes potências e a única grande potência europeia é a Alemanha (ainda que, evidentemente, esta questão ponha uma série de problemas que não há espaço para tratar aqui). Mas os europeus não gostam da ideia.

A segunda razão está espelhada no segundo estudo, What Europeans Think about U.S.-China Cold War?, da autoria de Mark Leonard e Ian Krastev. Os europeus acreditam efectivamente que há um conflito bipolar em curso do qual não fazem parte, nem querem fazer. Acreditam também, em percentagens maioritárias, que os Estados Unidos da América são um “parceiro indispensável” em vez de um “aliado”. Ora razões externas explicam esta situação: a Europa está meia-abandonada pelos Estados Unidos há 20 anos e a passagem de Donald Trump pela Casa Branca desmoralizou os defensores da relação transatlântica. À data da recolha das opiniões ainda não tinha havido nem a retirada do Afeganistão nem o anúncio do AUKUS. O que mostra que a atitude de Biden ao querer reavivar os laços entre democracias, destacando as europeias, pouco ou nada disse às opiniões públicas que parecem achar que são imunes ao mundo lá fora.

Mas há ainda uma razão mais de fundo. A opinião pública assimilou de forma surpreendente a narrativa francesa, reproduzida pela Comissão Europeia, de que a União é – e tem de continuar a ser – uma unidade geopolítica com “autonomia estratégica”, equidistante dos problemas centrais das grandes potências, e simultaneamente cada vez mais próxima de cada uma delas sem hierarquias ou preferências (leia-se Estados Unidos, China, Índia e Rússia).

Talvez fosse um bom plano se a Europa tivesse uma potência hegemónica determinada politicamente e a sua segurança dependesse de si só. Não é o caso. Num antigo anterior escrevi que a América precisa de amigos. Agora digo que a Europa precisa ainda mais, sendo que não há substituto para a aliança com os Estados Unidos, que nos garante a segurança há mais de 70 anos. Além disso, a Europa precisa de acabar de uma vez por todas com narrativas gloriosas e grandiloquentes em relação às quais não tem a mínima condição de estar à altura. Os europeus parecem convencidos que a Europa pode ser tudo o que quiser pelo simples facto de proclamá-lo. Um dia perceberão que, sem poder efectivo, a Europa pode proclamar o que quiser que nada sairá dessas proclamações. Caso a ambição não desça ou a capacidade não aumente (por aliança ou qualquer outro método) a desilusão vai ser profunda. Com sérios riscos para a integridade da União.

ANGELA MERKEL  ALEMANHA  EUROPA  MUNDO

COMENTÁRIOS:

aldekstre estas kaptilo: A tão afamada ‘herança Merkel’ é apenas e só o maior cancro que a Europa sofre e continuará a sofrer, só comparável aos porcos nazis e dos seus amiguinhos e aliados porcos cãomunistas de leste.

Aliás, ainda pior, pois adivinha-se mais duradouro. - enquanto que uns e outros duraram pouco mais de uma década e quatro décadas e meia, a ‘herança’ terá reflexos possivelmente para sempre. Pobre Europa.

Miguel Queiroz > maldekstre estas kaptilo: E não esquecer!.. A Terra é plana!..           Harry Dean Stanton: A UE hoje precisa tanto do braço armado da política externa dos EUA como do FMI. O braço armado internacional do Tesouro norte-americano. E para quem insiste em andar na lua devia prestar mais atenção ao que andam ambos a fazer há 50 anos só aos seus próprios vizinhos do sul. Dentro das fronteiras dos seus próprios vizinhos. A derrubar governos com golpes militares para eleger os seus fantoches a quem impõem depois os programas do FMI! Quando não ainda antes. Já para não falar do Médio Oriente ou de todos os sítios onde há recursos naturais finitos de que o petróleo é só um exemplo e o Iraque só uma vítima. Não precisa a UE nem precisa um Mundo muito mais pacífico. Sobretudo de uma força militar como a Nato que depois da queda do Muro tem que andar sempre inventar adversários temíveis para escoar o produto do complexo militar-industrial. E o terrorismo internacional também não se combate com uma força militarizada como a Nato mas com serviços secretos. A UE precisa é de muito mais partilha de dados entre todas as inteligências. Partilha que já tinha evitado vários atentados em solo europeu. Como o mais letal em França. A UE em termos militares precisa no limite de uma força de intervenção rápida com 50 mil operacionais como diz Borrell. E o Mundo precisa sobretudo de voltar a dar força à ONU. A única Organização internacional criada para promover a cooperação internacional. E com legitimidade para manter a segurança e a paz mundial, promover os direitos humanos, auxiliar no desenvolvimento económico e no progresso social, proteger o meio ambiente e prover ajuda humanitária em casos de fome, desastres naturais e conflitos armados. E se está na wiki deve ser verdade. E reforçar o poder dos capacetes azuis porque a Europa como qualquer parte do mundo civilizado precisa é de paz para combater as desigualdades económicas.           Harry Dean Stanton > Harry Dean Stanton: Perdão. Queria ter terminado com a Europa precisa é de paz para proteger o ambiente e combater as desigualdades sociais. E os norte-americanos, que infelizmente ainda não enviaram a administração do eixo do mal toda para Guantánamo, vão mas é brincar aos cowboys para onde exterminaram os índios. Nem nunca lhes devia ter sido permitido colocar uma única arma nos países do ex-pacto de Varsóvia depois da queda do muro. Como os aldrabões se comprometeram com o ingénuo Gorbachev. Ainda para mais depois de rasgarem os acordos contra a proliferação das armas nucleares. Também é o horror nuclear na Europa que está em causa. Já chegam os crashes económicos que também exportam para cá com o FMI.          Miguel Queiroz > Harry Dean Stanton: Um bom post. Bastante mais esclarecido do que a maioria dos restantes aqui.       maldekstre estas kaptilo > Miguel Queiroz: Costuma-se dizer ‘great minds think alike’. No vosso caso é mais ‘sh*t minds think alike and mutually congratulate’.            Miguel Queiroz > maldekstre estas kaptilo: Costuma-se dizer: "eu não tenho qualquer espécie de investimento na tua opinião sobre mim... Não sei se já tinhas reparado." Harry Dean Stanton > Miguel Queiroz: É incrível como em pleno século XXI muitos civis continuam a olhar para os seus exércitos. Alguns ainda conseguem ser piores que os próprios militares que passam a vida a sonhar com guerras. Muito do que se discute hoje em Portugal com o CEMA tem a ver precisamente com uma reforma que se andava a tentar há décadas contra umas chefias que ainda sonham com o efectivo da Guerra do Ultramar. Já se esqueceram como ainda agora no início na Pandemia Itália foi deixada completamente sozinha a olhar para os seus mortos no meio da UE. Até os russos chegaram primeiro. E as desculpas da UE a posteriori não adiantaram nada. Ainda-por cima com todas as catástrofes que já estão aí, como na Alemanha, resultantes das alterações climáticas e com Portugal num dos três principais hot spots das alterações climáticas. Realmente é muito difícil prever as guerras que aí vêm e que tipo de exército é preciso. Itália também teve azar que a Alta Comissária Mogherini tinha acabado de sair. Ela que chegou a estar com uma força na região do Sahey para proteger as migrantes dos grupos jihadistas. Tinha com toda a certeza transformado a Lombardia de um dia para o outro num hospital de campanha e com isso salvo muitas vidas. E é sobretudo de forças de segurança para manutenção de paz e protecção civil que a Europa mais vai precisar já amanhã. E os custos nem têm que disparar por-aí-além. Porventura com mais treino entre as forças dos diferentes parceiros para combaterem fenómenos como os incêndios em vez de 99% das manobras da Nato que nunca servem para nada ou para nada de bom. A Europa também não vai estar toda a arder ao mesmo tempo. E outro dado fundamental no seio da UE é o processo de decisão que obriga sempre a unanimismos que bloqueiam tudo. Como aliás na ONU. Têm que se encontrar processos mais lestos e quando mais os anseios dos povos europeus forem ouvidos melhor. No que respeita à segurança na Europa é nestas direcções que a UE deve dar passes firmes para proteger os europeus ao invés de andar também a magicar conflitos armados aqui e acolá. E se eles sucederem a UE também tem que ter a capacidade de entrar logo como mediador no sentido de restabelecer a paz o mais depressa possível como devia ter sido o caso na Crimeia em vez da NATO e da CIA que só ajudaram a incendiar o que já estava feio. Muitas vezes com consequências inimagináveis para todos. Excepto manobras como o combate à pirataria ao largo da Somália e pouco mais, tanto a CIA como a própria Nato passam a vida ou a criar conflitos ou a fomentar o terrorismo islâmico que tanto dizem combater. Então se conseguirem lixar a Rússia, que por acaso também é uma nação europeia, só à porta da Europa foi assim no Afeganistão, no Cáucaso onde também já conseguiram fomentar 3 ou 4 conflitos, etc, etc, etc.           Miguel Queiroz > Harry Dean Stanton: Caro Harry, a UE não é de modo nenhum perfeita. Mas a mim interessa-me se a Europa ganha ou perde em estar numa União Europeia. A resposta é evidente: "united we stand, divided we fall". Pode-se sempre igualmente apontar falhas tanto à Europa, como aos EUA e certamente como à Rússia. Como você diz e bem, não é possível prever quando e quais guerras surgirão. Mas pelo mesmo motivo, também é possível e desejável, que não haja Guerra nenhuma provocada pelos problemas climáticos e ambientais. Está na hora de a humanidade sair da adolescência e entrar na maturidade adulta. O mais provável é vir a haver guerras por causa da água potável mas, nem isso é certo ou garantido... E muito menos desejável. Mas temos de saber prever os conflitos e estar preparados. Mas isso também já é pedir demasiado à classe política que só vai para o poder para tratar da vida pessoal deles, através das portas giratórias da promiscuidade entre poder central e grandes negócios. Atenção que eu estou consigo em termos de preocupação com os problemas ambientais. Fui 2 anos vice-presidente da Quercus em Lisboa e sou sócio da LPN desde os 15 anos e fui professor de educação ambiental na Agência do Ambiente enquanto estudava Engenharia Florestal. Estou consigo também na protecção e ajuda aos refugiados. Sim e claro que os recursos da NATO podiam e deviam ser mais bem aproveitados. Mas para mim a NATO, a ONU ou a UE são coisas fantásticas. É o tipo de iniciativas geo-estratégicas para as quais devemos caminhar cada vez mais. Não se trata de perder soberania ou identidade cultural. Mas num tempo em que a internet, as telecomunicações e o viajar nos permitem olhar para o mundo como uma aldeia global, pouco sentido faz falar em hermetismo nacionalista. Agora o que você propõe e bem é melhorar o que não está bem na UE, na NATO ou na ONU. Todos estes tipos de instituições transnacionais podem sempre ser melhoradas mas, existirem é sempre melhor que não existirem e acabar com elas seria um retrocesso se não para a Idade Média, pelo menos para a Grande Depressão dos anos 30. Com as desvantagens de que com a tecnologia e o aumento de população que desde então se verificaram, tudo seria pior. De resto, o Capitalismo tem dessas coisas... Alterna prosperidade com crises só que cada crise é sempre pior e mais longa do que as anteriores... E um dia rebenta tudo de vez com uma mega guerra. Terminando com concordância onde havia iniciado com discordância: A UE tem de deixar de ser uma instituição crescentemente ao serviço dos burocratas, do corporativismo e da alta finança... Para passar a servir mais o povo e menos a Troika e os agiotas. Deveria haver uma representatividade mais directa em vez de termos a maior parte das decisões a terem de passar por corpos não eleitos como a Comissão Europeia ou o Euro-grupo. Mas no essencial você está certo no que diz e mais esclarecido do que a maioria aqui.             Harry Dean Stanton > Miguel Queiroz: Também concordo na generalidade mas com os desafios actuais andar a pensar em forças armadas ou em conflitos armados do século XX. Era sem dúvida uma boa maneira de deixarmos de pensar no ambiente ou numa distribuição mais justa da riqueza. Nunca mais pensávamos em nada.           Alberto ReiHarry > Dean Stanton: És militante do Bloco de Esquerda ? Se és está tudo explicado. Não tenho nada contra, cada um escolhe a sua casa e a sua narrativa. Divulga-a, pode ser que alguém adira. Boa sorte.           Karoshi: "Os policy briefs são o resultado de inquéritos de opinião" - Aposto que os opinadores são escolhidos a dedo. "os países do sul parecem reconciliados com a austeridade" - Não se engane. É só até faltar o dinheiro na carteira outra vez. : ) "os países do centro parecem reconciliados com a crise das migrações" - Nossa senhora! O Orban já foi informado disso?  "O entusiasmo é tão grande..." - Diana, isto é um artigo sério ou uma peça humorística? "se tivessem de escolher entre dois hipotéticos candidatos para “Presidente da Europa”" - Só havia duas opções nos tais inquéritos? Parece legítimo... xD  "Não existe poder sem grandes potências..." - As pessoas querem é viver bem. A Dinamarca não precisou de se tornar uma potência para garantir a maior qualidade de vida aos seus cidadãos. "se a Europa tivesse uma potência hegemónica determinada politicamente e a sua segurança dependesse de si só" - Segurança contra quem? Contra a Rússia? A China? Ainda não reparou que os grandes impérios expansionistas nunca se conseguem expandir para muito além dos continentes onde se inserem? "Com sérios riscos para a integridade da União." - Esta última frase diz tudo e é apenas disso mesmo que se trata, manter a "união". A todo o custo.      Jose Castro: A herança da bruxa: "refugiados/migrantes" sem fim e a destruição da Europa.  mamadorchulo dostugas: A Europa não pode ser neutral, deve criar forças armadas comuns para poder ter voz.           Karoshi > mamadorchulo dostugas: Claro. Nem pensar em ter ma Europa com democracia participativa e que garanta pessoas livres da miséria. Mas uma Europa totalitária com um enorme exército já está bem!           Alberto Rei > Karoshi: Num curso de Direito tavas lixado, a interpretar uma lei como interpretas o comentário do mamadou chulo dos tugas. Ele disse isso mesmo?          Andrade QB: Artigo lúcido para não dizer clarividente, com uma conclusão brilhantemente expressa "Caso a ambição não desça ou a capacidade não aumente (por aliança ou qualquer outro método) a desilusão vai ser profunda."   bento guerra: A Europa precisa de um chefe, em vez destas "três graças".        PortugueseMan: ...Agora digo que a Europa precisa ainda mais, sendo que não há substituto para a aliança com os Estados Unidos, que nos garante a segurança há mais de 70 anos... Garante a segurança?

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