Recebi no meu Gmail, do facebook da Rosinha – e trato-a assim, pela ternura – e graça – humanas que esplandece e nunca
perde - um texto do seu marido - Carlos Carranca – este já várias
vezes citado neste blog (e infelizmente desaparecido deste mundo precário) como
homenagem constante, feita de uma ternura e apreço constantes. Um texto que,
definindo um posicionamento irreligioso, todavia manifesta uma ternura por
aquele Cristo martirizado
numa Cruz que tantas
imagens imortalizariam, em advertência de um simbolismo perpétuo. Não é caso
único esse posicionamento de aparência ateia, mas comprovativo da consciência
real de que nada sabemos e nada somos, votados que somos ao silêncio eterno.
Lembro José Régio e a sua casa de Portalegre, que tive a sorte de
visitar com o “Colégio Amor de Deus” – tendo antes preparado com as alunas do
9º ano o bonito poema “Toada de Portalegre” para vermos a tal “janela daquela minha varanda” – uma Casa recheada de santos e
objectos religiosos, mostrando-se ele tão dividido nos seus pensamentos
religiosos, bastas vezes transmitidos em obras como - “Poemas de Deus e do Diabo”, “As
Encruzilhadas de Deus” - que o denunciam em pensamentos contraditórios, que
deixam repassar os seus sofrimentos perante si próprio e a vida. Também Antero, também Miguel Torga denunciam as suas contradições, entre outros nossos poetas, e os dois
citarei – Antero, pela
suavidade triste, do seu belo soneto, “À VIRGEM SANTÍSSIMA”, Torga, pelo que deixa transparecer de revoltas vividas,
no poema que o meu pai tantas vezes recitou – “PRECE” -, quem sabe se ele próprio, sofrendo de dúvidas inerentes à condição de
todo o ser pensante.
É com amizade, que os incluo, aqui, em homenagem a Carlos Carranca e à sua amorosa esposa, pelo texto
daquele - um texto simples e belo e reconfortante:
À VIRGEM SANTÍSSIMA
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia.
Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só ternura
E da paz da nossa hora derradeira…
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa.
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Antero de Quental
PRECE
Senhor, deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.
Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição:
Onde era sim, digo não.
Onde era não, digo sim.
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.
Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro dum inimigo...
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.
MIGUEL
TORGA, Diário I
Monte Estoril, 1 de Outubro de
2018 - Há quem fique intrigado com esta minha
quase obsessão pelos Cristos, não sendo eu católico apostólico romano.
Ainda hoje reflectia sobre isso e a surpresa que eu causo nos outros sempre
que me aproximo do chamado objecto religioso. Quem entrar na sala de estar
ou no meu escritório constatará para além dos Cristos que andam por lá um Menino
Jesus ou dois, uma Santa Teresa de Ávila e um Santo António oferecido pela
minha prima Isaura quando eu nasci. Sempre convivi bem com estes símbolos
porque os entendo cá à minha maneira, carregados da verdadeira fé popular,
pertencem à nossa cultura, aos amor que os outros têm por nós quando e a fé é
verdadeira e atinge os êxtases místicos de Teresa de Ávila mesmo quando o povo
não os compreende nem nunca os leu poeticamente. O Santo António que sempre
foi o Santo
Antoninho português brejeiro
e protector dos namorados, enraizou-se na nossa cultura, vindo a rivalizar,
mais tarde, com Camões, mas desconfio que o povo está mais com o santo.
Quantas vezes não ouviram a expressão "vai chatear o Camões?" E quantas não terão ouvido " valha-me
Santo Antoninho!" Somos
assim E porque o somos, desde criança a figura de Cristo me fascinou! Porque a
entendi sempre como a de uma criança grande, a virar o mundo ao contrário, a
cometer tantos erros e a fazer tantos milagres que os adultos não lhe perdoaram.
Eu sou do partido do Menino
Jesus, juro-vos! Porque
ele consegue na sua inocência congraçar na independência de cada um de nós. Na
sua nudez reina sobre pobres e ricos e cresce para uma sociedade outra, em
que a finalidade é a fraternidade entre os homens.
Mas
a bondade dos homens fica perdida na infância e o resto da vida passam-na a
lutar uns contra os outros na ganância própria dos vendilhões do Templo, não é
assim ?
O
meu Cristo é esse, o que cresceu sem perder a infância, é o Menino Jesus feito
homem a fazer milagres sempre que se torna mais belo aos olhos de quem vê e
acredita nos seus poderes.
Carlos
Carranca
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