Mais um texto impecável de HENRIQUE
SALLES DA FONSECA e do seu parceiro de equipa CARLOS
TRAGUELHO sobre os alvores do tal “festival europeu” de comunhão de uma
“ideologia” – em «gentil/generosa» definição - rebelde a tudo o que implicasse bom
senso, confundido este com despotismo antiquado, próprio dos botas-de-elástico definitivamente a
excluir do tablado social, esquecidos os jovens de que o tempo de juventude é
efémero e que bem cedo se encontrarão em igual posicionamento daqueles que
condenavam, sem senso nem resquício de pudor, e sujeitos aos conflitos dos
jovens que se lhes seguem.
Um texto notável, este de SALLES
DA FONSECA, de um historicismo que revivemos, de um humor sadio que
veneramos. E agradecemos. Pena que a sua crónica não seja lida e explicada nas
escolas – o termo “liceus”
definitivamente arrumado por cá, no armário das velharias, por demasiado
sofisticado – para ajudar à educação por lá, já que as famílias, em grande
parte, receiam fornecê-la, a educação, com receio dos castigos a que possam
estar sujeitas legalmente, preferindo delegar nos professores essa autoridade
“punitiva”, que os professores da nova guarda não se atrevem a garantir, atidos
a idênticos receios e preconceitos dos parentes. E os professores vão rareando,
movidos pelo tal medo, e as “entifadas”- substituídas as pedras palestinianas por
armas mais perfurantes - vão aumentando por aqui, com grande aparato
noticiarístico de par com os outros aparatos noticiarísticos habituais.
Mas fugi ao tema, embora ache que tudo isto, estes crimes cometidos
pelos jovens de hoje, entre nós, cá, são consequência desses festivais de 68,
nós ainda no começo das reacções, que somos povo para reagir tarde e a más
horas. Por falta de doutrinação real, que os outros jovens lá de fora tiveram
ocasião de repelir, talvez, por estudarem outros valores - pesem embora outros dados sociais, levados já a toda a parte, na contestação generalizada, pelos povos das debandadas…
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 21.10.21
O «festival» insurreccional europeu de cariz marxista desde o
leninista ao gramsciano passando por todas as variantes imagináveis, do niilismo
filosófico ao suicidário, do anarquismo romântico ao do terrorismo urbano de
inspiração catalã e do da militância sindical até ao existencialismo, foi o
«Maio de 68».
E
a pergunta que prevalece sem resposta muito clara é: - Será que o
Maio de 68 não passou de uma carnavalada quântica?
Com
acerto ou sem ele, para os burgueses europeus da opção tranquila, foi um
conluio de «levantados» se não mesmo de delinquentes liderados pelo agitador
alemão Daniel
Cohn-Bendit.
Historicamente,
tudo começou com um desacordo entre o Governo então presidido por Georges Pompidou
que pretendia acabar com os dormitórios mistos na Universidade de
Nanterre e separá-los por sexos e os estudantes que pretendiam a
confraternização. As posições extremaram-se, a Polícia evacuou a
Universidade de Nanterre, os estudantes ocuparam a Sorbonne, o caldo
entornou-se por completo com os comunistas a aproveitarem a deixa para
decretarem uma greve geral por toda a França e o próprio General de Gaulle saiu
do Eliseu refugiando-se algures. Foi
necessário que as mães dos estudantes solteiros e as mulheres dos casados
dissessem que bastava de revolução e que estava na hora de fazer a «soupe
à l’oignon». E assim foi que se misturaram os
cheiros da cebola e do suor, as barricadas desapareceram, a França voltou ao
trabalho, o General voltou da tal parte incerta e o Governo acabou substituído. Ou seja, a 5ª República manteve-se, o conselho
ministerial manteve a côr política, a revolução não vingou e quase se poderia
dizer que – salvo eleições legislativas realizadas no mês seguinte ganhas por
de Gaulle – quase nada aconteceu. Mas
tudo mudou.
«Il
est interdit d’interdire» e «Je
ne veux pas gâcher ma vie à la gagner» -
eis dois slogans-graffiti que retive e que me parece
terem sido a génese do sentimento libertário e do «direito» supremo de
tudo ser de direito.
O libertário esquece deliberadamente
que a sua liberdade termina onde começa a liberdade do próximo e fá-lo com o
intuito da destabilização social; a ditadura dos direitos superlativos tudo
exige e ignora os deveres para com qualquer conceito de bem comum que
condicione os seus próprios direitos absolutos.
É esta a herança perene do Maio de 68. E nós cá estamos para os aturar. Felizmente, as suas
alianças estratégicas sempre trazem à superfície as incompatibilidades
doutrinárias entre eles, os radicalismos e inerente incapacidade de negociação.
A nós, os da opção tranquila, a paz na busca do bem comum, mas não podemos
ignorar os da «nova moda» que nos querem destruir apagando os Valores da nossa
História.
Outubro de 2021
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
Tags:
história
COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da
Fonseca 22.10.2021
Duas
curiosidades sobre o Maio de 68. Roman Polanski e um realizador de cinema
húngaro, estavam num hotel em Paris, acabados de chegar como refugiados de
leste, não paravam de se perguntar quem é esta gente que quer tanto erguer as
bandeiras que nós lutamos, com a vida, para derrubar?
A segunda curiosidade, na RFA o Maio de 68 foi quando os filhos descobriram o
que os pais tinham feito na 2 guerra e por isso foi uma revolta de consciência.
Era tabu falar da guerra.[22/10, 00:33] Margarida Salles Furtado: Lembrei! O húngaro era o Kazan.
Anónimo 22.10.2021 : Um amigo tinha dificuldade em entender que um
aumento da portagem da Ponte 25 de abril, em 1993, tivesse as consequências que
estavam a ter – buzinão, bloqueamento etc. Ele depois percebeu que se estava no
fim dum ciclo político. Por coincidência ou não, voltámos agora ao buzinão, mas
desta vez por aumento de combustíveis. Por vezes, a causa-efeito é muito mais
complexa do que aparenta, e assim o foi com maio de 68. A
ocasional “aliança” entre estudantes e trabalhadores nada tinha de sólido, a
não ser algo meramente conjuntural – o desejo de mudar alguma coisa na
Sociedade e a rejeição da autoridade tradicional que tutelava, respectivamente,
as Empresas e as Universidades. Havia
claramente um cansaço de autoridade ser exercida “top-down” sem qualquer
atenção com as sugestões de “down”. Apesar de então se viver na chamada Era de
Ouro, com um crescimento económico significativo após o fim da 2ª Guerra
Mundial, quase em pleno emprego, os trabalhadores perceberam que poderiam
melhorar as condições de vida, daí as greves e as ocupações de empresas, em
França, envolvendo 10 milhões de trabalhadores. É claro que “os patrões” dos
sindicatos comunistas, logo apelidaram o movimento, que lhes escapou do
controlo, como integrando trotskistas, maoistas e anarquistas, o costume. Mas tudo voltou ao normal - mas com alguns
ajustamentos, como realçaria Giuseppe
Lampedusa, em o seu “O Leopardo”,
noutra época e noutro espaço -, após De Gaulle ter recebido algum “oxigénio”
do General Massu, em Baden-Baden, depois de manifestações impressionantes a
favor do Presidente e após uma esmagadora vitória deste em eleições, como referes,
o que não impediu que De Gaulle, perante uma derrota num referendo, no ano
seguinte, se retirasse para a sua Colombey-les-Deux-Églises.
Não nos podemos esquecer, porém, que a revolta geracional, os movimentos
contestatários não foram só na Europa Ocidental, mas também nos EUA (aí
potenciados pela guerra do Vietname) e igualmente na Polónia e na
Checoslováquia comunistas, terminando na Europa Oriental com a expectativa de
haver um “comunismo liberal”,
como se estes dois conceitos antagónicos pudessem coexistir. Como
sabemos, Henrique, são, em geral, elevados os custos de se tentar manter
artificialmente alianças ideologicamente incompatíveis ou de prosseguir
posturas irrealistas perante a Ordem vigente. Alguém paga e em algum momento
esses despautérios. Abraço. Carlos Traguelho
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