sexta-feira, 22 de outubro de 2021

«Ironias e cansaços»


Mais um texto impecável de HENRIQUE SALLES DA FONSECA e do seu parceiro de equipa CARLOS TRAGUELHO sobre os alvores do tal “festival europeu” de comunhão de uma “ideologia” – em «gentil/generosa» definição - rebelde a tudo o que implicasse bom senso, confundido este com despotismo antiquado, próprio dos botas-de-elástico definitivamente a excluir do tablado social, esquecidos os jovens de que o tempo de juventude é efémero e que bem cedo se encontrarão em igual posicionamento daqueles que condenavam, sem senso nem resquício de pudor, e sujeitos aos conflitos dos jovens que se lhes seguem.

Um texto notável, este de SALLES DA FONSECA, de um historicismo que revivemos, de um humor sadio que veneramos. E agradecemos. Pena que a sua crónica não seja lida e explicada nas escolas – o termo “liceus” definitivamente arrumado por cá, no armário das velharias, por demasiado sofisticado – para ajudar à educação por lá, já que as famílias, em grande parte, receiam fornecê-la, a educação, com receio dos castigos a que possam estar sujeitas legalmente, preferindo delegar nos professores essa autoridade “punitiva”, que os professores da nova guarda não se atrevem a garantir, atidos a idênticos receios e preconceitos dos parentes. E os professores vão rareando, movidos pelo tal medo, e as “entifadas”- substituídas as pedras palestinianas por armas mais perfurantes - vão aumentando por aqui, com grande aparato noticiarístico de par com os outros aparatos noticiarísticos habituais.

Mas fugi ao tema, embora ache que tudo isto, estes crimes cometidos pelos jovens de hoje, entre nós, cá, são consequência desses festivais de 68, nós ainda no começo das reacções, que somos povo para reagir tarde e a más horas. Por falta de doutrinação real, que os outros jovens lá de fora tiveram ocasião de repelir, talvez, por estudarem outros valores - pesem embora outros dados sociais, levados já a toda a parte, na contestação generalizada, pelos povos das debandadas…

  

DOUTRINAS E ESTRATÉGIAS - 2

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA  

A BEM DA NAÇÃO,  21.10.21

O «festival» insurreccional europeu de cariz marxista desde o leninista ao gramsciano passando por todas as variantes imagináveis, do niilismo filosófico ao suicidário, do anarquismo romântico ao do terrorismo urbano de inspiração catalã e do da militância sindical até ao existencialismo, foi o «Maio de 68».

E a pergunta que prevalece sem resposta muito clara é: - Será que o Maio de 68 não passou de uma carnavalada quântica?

Com acerto ou sem ele, para os burgueses europeus da opção tranquila, foi um conluio de «levantados» se não mesmo de delinquentes liderados pelo agitador alemão Daniel Cohn-Bendit.

Historicamente, tudo começou com um desacordo entre o Governo então presidido por Georges Pompidou  que pretendia acabar com os dormitórios mistos na Universidade de Nanterre e separá-los por sexos e os estudantes que pretendiam a confraternização. As posições extremaram-se, a Polícia evacuou a Universidade de Nanterre, os estudantes ocuparam a Sorbonne, o caldo entornou-se por completo com os comunistas a aproveitarem a deixa para decretarem uma greve geral por toda a França e o próprio General de Gaulle saiu do Eliseu refugiando-se algures. Foi necessário que as mães dos estudantes solteiros e as mulheres dos casados dissessem que bastava de revolução e que estava na hora de fazer a «soupe à l’oignon». E assim foi que se misturaram os cheiros da cebola e do suor, as barricadas desapareceram, a França voltou ao trabalho, o General voltou da tal parte incerta e o Governo acabou substituído. Ou seja, a 5ª República manteve-se, o conselho ministerial manteve a côr política, a revolução não vingou e quase se poderia dizer que – salvo eleições legislativas realizadas no mês seguinte ganhas por de Gaulle – quase nada aconteceu. Mas tudo mudou.

«Il est interdit d’interdire» e «Je ne veux pas gâcher ma vie à la gagner» - eis dois slogans-graffiti que retive e que me parece terem sido a génese do sentimento libertário e do «direito» supremo de tudo ser de direito.

O libertário esquece deliberadamente que a sua liberdade termina onde começa a liberdade do próximo e fá-lo com o intuito da destabilização social; a ditadura dos direitos superlativos tudo exige e ignora os deveres para com qualquer conceito de bem comum que condicione os seus próprios direitos absolutos.

É esta a herança perene do Maio de 68. E nós cá estamos para os aturar. Felizmente, as suas alianças estratégicas sempre trazem à superfície as incompatibilidades doutrinárias entre eles, os radicalismos e inerente incapacidade de negociação.

A nós, os da opção tranquila, a paz na busca do bem comum, mas não podemos ignorar os da «nova moda» que nos querem destruir apagando os Valores da nossa História.

Outubro de 2021

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

Tags: história

 COMENTÁRIOS:

Henrique Salles da Fonseca  22.10.2021  

Duas curiosidades sobre o Maio de 68. Roman Polanski e um realizador de cinema húngaro, estavam num hotel em Paris, acabados de chegar como refugiados de leste, não paravam de se perguntar quem é esta gente que quer tanto erguer as bandeiras que nós lutamos, com a vida, para derrubar?
A segunda curiosidade, na RFA o Maio de 68 foi quando os filhos descobriram o que os pais tinham feito na 2 guerra e por isso foi uma revolta de consciência. Era tabu falar da guerra.[22/10, 00:33]
Margarida Salles Furtado:
Lembrei! O húngaro era o Kazan.

 Anónimo  22.10.2021 : Um amigo tinha dificuldade em entender que um aumento da portagem da Ponte 25 de abril, em 1993, tivesse as consequências que estavam a ter – buzinão, bloqueamento etc. Ele depois percebeu que se estava no fim dum ciclo político. Por coincidência ou não, voltámos agora ao buzinão, mas desta vez por aumento de combustíveis. Por vezes, a causa-efeito é muito mais complexa do que aparenta, e assim o foi com maio de 68. A ocasional “aliança” entre estudantes e trabalhadores nada tinha de sólido, a não ser algo meramente conjuntural – o desejo de mudar alguma coisa na Sociedade e a rejeição da autoridade tradicional que tutelava, respectivamente, as Empresas e as Universidades. Havia claramente um cansaço de autoridade ser exercida “top-down” sem qualquer atenção com as sugestões de “down”. Apesar de então se viver na chamada Era de Ouro, com um crescimento económico significativo após o fim da 2ª Guerra Mundial, quase em pleno emprego, os trabalhadores perceberam que poderiam melhorar as condições de vida, daí as greves e as ocupações de empresas, em França, envolvendo 10 milhões de trabalhadores. É claro que “os patrões” dos sindicatos comunistas, logo apelidaram o movimento, que lhes escapou do controlo, como integrando trotskistas, maoistas e anarquistas, o costume. Mas tudo voltou ao normal - mas com alguns ajustamentos, como realçaria Giuseppe Lampedusa, em o seu “O Leopardo”, noutra época e noutro espaço -, após De Gaulle ter recebido algum “oxigénio” do General Massu, em Baden-Baden, depois de manifestações impressionantes a favor do Presidente e após uma esmagadora vitória deste em eleições, como referes, o que não impediu que De Gaulle, perante uma derrota num referendo, no ano seguinte, se retirasse para a sua Colombey-les-Deux-Églises.
Não nos podemos esquecer, porém, que a revolta geracional, os movimentos contestatários não foram só na Europa Ocidental, mas também nos EUA (aí potenciados pela guerra do Vietname) e igualmente na Polónia e na Checoslováquia comunistas, terminando na Europa Oriental com a expectativa de haver um “
comunismo liberal
”, como se estes dois conceitos antagónicos pudessem coexistir. Como sabemos, Henrique, são, em geral, elevados os custos de se tentar manter artificialmente alianças ideologicamente incompatíveis ou de prosseguir posturas irrealistas perante a Ordem vigente. Alguém paga e em algum momento esses despautérios. Abraço.  Carlos Traguelho

 

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