terça-feira, 26 de outubro de 2021

Aprendendo e estranhando


Mas a economia chinesa tem recursos de sobra, num povo que sobra, ante um mundo que cede…

"Evergrande pode ser a estocada final na economia chinesa",

 diz analista que vê "maior esquema Ponzi de sempre" no imobiliário chinês

Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista onde disse que a China ia "bater contra uma parede" e que "não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu".

O sector imobiliário chinês é "maior esquema Ponzi que o mundo já viu", criado com a cumplicidade do regime, que agora está "entalado". Entrevista à analista Anne Stevenson-Yang, que previu o colapso.

EDGAR CAETANO, Texto

ANA MARTINGO, Ilustração

OBSERVADOR, 20 out 2021

O “Dia D”, de default, está prestes a chegar. A 23 de outubro esgotam-se os 30 dias do período de graça previsto nos primeiros títulos de dívida cujo pagamento a chinesa Evergrande falhou. O que acontece se esta gigante da promoção imobiliária continuar sem pagar aos credores? “Um momento Lehman não é o paradigma mais apropriado, o que pode estar em causa é a estocada final na economia chinesa”, afirma Anne Stevenson-Yang, uma analista financeira que passou boa parte das últimas décadas na China a alertar para o colapso do “maior esquema Ponzi que o mundo já viu“.

O Observador entrevistou a co-fundadora da firma J Capital Research através do Skype, poucas horas após o Banco Popular da China garantir em comunicado que a Evergrande era um caso isolado e que os riscos para o sistema financeiro eram “geríveis”. “Claro que dizem que não existe um problema relevante… mas isso simplesmente não é verdade“, afirmou a analista, a partir do seu escritório caseiro no Connecticut, EUA.

Nem a Evergrande é um caso isolado – porque já faliram este ano centenas de promotoras imobiliárias (e muitas outras para lá caminham) – nem se pode dizer com certeza que os riscos são geríveis, porque este grupo é “tentacular” e é impossível as autoridades do poder central chinês terem uma noção perfeita das implicações de uma falência. Aliás, essa é uma imagem errada que muitas pessoas têm – que em Pequim existe um poder central que faz uma gestão política pensada, planificada, coordenada. Simplesmente não é assim: muitas vezes é apenas um conjunto de pessoas a improvisar, cheias de medo de que haja um crash“, diz a analista.

Anne Stevenson-Yang, analista da J Capital Research

As autoridades estão a mexer-se, nos bastidores, e isso poderá ser suficiente para conter a pressão no curto prazo, acredita a especialista. “Ao mesmo tempo que garantem que não há problemas, estão a injectar 100 mil milhões de yuan [equivalente a 13 mil milhões de euros, em setembro] em liquidez no sistema bancário e estão a dar ordens aos bancos para que aprovem os processos de financiamento mais rapidamente”, lembra Anne Stevenson-Yang. Por outro lado, Pequim está a pedir às empresas públicas que comprem activos da Evergrande, para a ajudar a garantir encaixes financeiros que permitam reembolsar a dívida no curto prazo.

“Eles [as autoridades chinesas] estão a tentar ajudar a situação mas sem o fazer de forma muito visível“, afirma a analista. “Eles sabem que as pessoas não vêem com bons olhos que o cidadão comum esteja a perder dinheiro ao mesmo tempo que alguém como Hui Ka Yan, o fundador da Evergrande, leva para casa uma fortuna [7 mil milhões de euros] em dividendos”, acrescenta Anne Stevenson-Yang.

Neste momento, a analista antecipa que este “vai ser um inverno duro“, em que os mercados financeiros vão continuar nervosos em relação às ramificações das falhas de pagamento de uma empresa com o equivalente a 260 mil milhões de euros em dívida acumulada. Mas não é de antecipar “um ataque cardíaco na finança chinesa” porque ainda existe a expectativa de que o governo acabará por colocar a mão por baixo, de alguma forma.

“Em janeiro, quando é feito o novo plano económico anual, penso que eles vão ter medo e vão abrir as torneiras – isto é, injetar dinheiro no setor como fazem sempre, continuando a encher a bolha“, antecipa Anne Stevenson-Yang, que viveu 25 anos na China e tinha como hobby passear pelas cidades-fantasma e tirar fotografias às incontáveis fachadas de prédios desocupados e infraestruturas vazias.

Crescimento económico na China está a desacelerar

Delícias para os olhos dos pessimistas

A especialidade desta analista é escrutinar os balanços de empresas que podem esconder (de forma mais ou menos deliberada) dificuldades que os mercados financeiros ainda não tenham detectado – casos desses podem representar oportunidades para apostar na queda das acções dessas empresas, através do chamado short selling.

Mas o problema aqui não era micro, era macro: estava em causa uma “bolha” que rebentaria quando as autoridades deixassem de a manter cheia – ou, em alternativa, quando as autoridades deixassem de conseguir mantê-la cheia. Essas fotografias acabaram por ser compiladas num website a que chamou “As Cidades-Fantasma da China – Delícias para os Olhos dos Pessimistas“.

Nunca encontrámos uma zona da China onde não houvesse empreendimentos-fantasma. Ninguém parece querer acreditar em quão generalizado este problema é, portanto decidimos expor as nossas fotos e convidamos todos a enviarem também as suas”, pode ler-se no site onde se conclui que “as fotos são de várias zonas, mas a história é sempre a mesma“.

A “história”, que é “sempre a mesma”, é a história de uma aposta na construção de milhões de casas para serem vendidas não como habitações mas exclusivamente como activos especulativos – construção essa que sempre foi financiada por mais e mais dívida. Em agosto de 2017, Anne Stevenson-Yang deu uma entrevista ao Finanz und Wirtschaft (FUW) onde disse, claramente, que a China ia “bater contra uma parede” e que “provavelmente não há empresa mais ilustrativa da bolha do que a Evergrande – é o maior esquema piramidal que o mundo já viu“.

Ao Observador diz que continua a pensar que a Evergrande e o sector da promoção imobiliária chinesa, como um todo, são o maior esquema piramidal que algum dia existiu – bem maior, portanto, do que os grandes esquemas Ponzi detectados nas últimas décadas, como o liderado pelo financeiro norte-americano Bernie Madoff. “O esquema tem continuado porque as autoridades estão sempre a disponibilizar mais dinheiro ao fundo da pirâmide”, ou seja, novo crédito.

“Dá-se crédito aos promotores e, quando acontece não conseguirem vender o que construíram – o que acontece frequentemente –, os bancos dão mais e mais crédito para que continuem solventes e nunca tenham de baixar os preços”. Caso os preços baixem são os bancos que, depois, ficam entalados porque têm de pensar no que pode acontecer ao valor dos outros ativos comparáveis que também estão no seu balanço. “Se um promotor precisa de vender a um desconto superior a 5%, por exemplo, então o banco credor começa a ficar nervoso e dá-lhe mais dinheiro para que ele possa aguentar mais uns anos, à espera que o mercado suba. É assim que o Ponzi funciona, basicamente“, explica a analista.

 “Num mundo normal, se não estivesse a haver continuamente novos refinanciamentos, o que teria de acontecer era que as empresas teriam de assegurar algum cash-flow através da redução dos preços”, explica Anne Stevenson-Yang, dando um exemplo concreto: “Imagine que tem 300 apartamentos para vender e ninguém está a comprar, o que tem de fazer é começar a baixar o preço até começar a haver compradores. Mas isso não acontece na China porque toda a gente tem terror das consequências sociais, para não falar das consequências financeiras, de haver uma quebra nos preços“.

Prédios vazios. Mas “um dia estarão ocupados, vai ser como a Europa”

Por definição, um esquema piramidal finge que cria valor onde ele não existe. A analista explicou que, se um promotor estivesse a construir uma torre de apartamentos com 200 unidades embora apenas tivesse comprador para 15, fazia o seguinte: vendia essas 15 primeiro, por exemplo a 7.000 yuans/metro quadrado, e chamava àquilo a “Fase 1”. Depois, destacando a forma rápida como foram esgotados os apartamentos da “Fase 1”, colocava-se mais 15 unidades no mercado a 8.000 yuans – “ouçam, a Fase 1 já voou, agora o preço subiu para 8.000 yuans portanto é melhor comprarem já“, dizia-se aos clientes.

Na China “as pessoas não confiam nos bancos, porque sabem que os bancos não têm como prioridade os interesses das pessoas mas, sim, os interesses do governo”, explica a analista, ao Observador. Então, “as pessoas sentem que quando compram uma propriedade têm um activo real, com quatro paredes” – não é difícil encontrar um taxista em Pequim que é dono de três ou quatro apartamentos nos subúrbios. Até podem estar todos vazios, mas “um dia estarão ocupados, vai ser como a Europa, pensam, repetindo aquilo que os promotores lhe cantaram aos ouvidos, diz a analista.

Quando o atractivo de serem activos reais não era suficiente, seduzia-se os investidores com malas Gucci e eletrodomésticos da Dyson – não só investidores em casas mas, também, na vasta panóplia de “produtos de gestão de património” que a Evergrande começou a distribuir e que prometiam juros na ordem dos 13%, descreveu recentemente a agência Reuters.

Entre os investidores nesses produtos estão, também, funcionários da própria Evergrande que estão nesta altura a organizar manifestações públicas sobre as quais muito pouco chega ao Ocidente. “Alguns deixaram de receber ordenado [ou parte dele] e a empresa sugere pagar-lhes não em dinheiro mas, sim, oferecendo-lhes casas e lugares de estacionamento“, diz Anne Stevenson-Yang.

A situação em torno da Evergrande pode tornar-se um problema político para o Presidente Xi Jinping porque se gerou uma perceção de que, tendo em conta as particularidades da política económica chinesa, o governo, no final, acaba sempre por intervir. Foi o que aconteceu em 2018 com o grupo financeiro Anbang – dono dos hotéis Waldorf Astoria, que chegou a estar interessado no Novo Banco – e, também, do grupo HNA, que em 2020 também foi alvo de uma reestruturação patrocinada por Pequim.

Porém, todas estas dificuldades na Evergrande e em tantas outras promotoras imobiliárias começaram no ano passado, quando o regime apertou as regras de financiamento a este setor – no fundo, uma tentativa de esvaziar a bolha devagarinho. “A dúvida é se vão ter capacidade de aguentar a pressão durante muito tempo ou se acabarão por ceder, voltando a abrir as torneiras” da liquidez financeira à banca, afirma Anne Stevenson-Yang.

“Posso estar enganada, mas acredito que eles vão ter medo e vão inundar novamente a economia com dinheiro“, afirma a analista. O problema é que desta vez o regime pode não conseguir alimentar a bolha, mesmo que queira fazê-lo. A intervenção, a confirmar-se, “pode agravar os riscos de inflação” que já estão a fazer-se sentir em várias partes do mundo e “as pessoas podem começar a ter medo, a economia pode cortar no investimento – já estamos a ver isso, a nova construção a cair, a procura por cimento a baixar… Isto pode ser a estocada final na economia chinesa“.

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COMENTÁRIOS:

Paixao: boa análise.           Antonio Tavares: esqueceram de informar a qualidade técnica (isolamento térmico e/ou acústico, segurança contra incêndio, segurança contra sismos, etc) desses produtos da construção civil (edifícios) e cidades , distribuídos pela China e também  por outros países.            manuel Jorge: O problema é que 30% do PIB chinês é baseado na construção. O PPC vai ter de transferir esse motor de crescimento para outras áreas: energias renováveis? energia nuclear?           Alguidar de Henares > manuel Jorge: Há sempre a eterna distração mor para o PCC se proteger da fúria do povo enganado: consiste em começar uma guerra.           Xico Nhoca > Alguidar de Henares: Os chineses nunca ganharam uma guerra de forma que é pouco provável que vão por aí!              José Monteiro > Alguidar de Henares: Ali ao lado, a Formosa. José Santos: Estocada final no PCC? É capaz, se ao menos o regime chinês pudesse usar uma guerra para salvar a pele. Se ao menos tivessem uma nação mais pequena para atacar. Se houvesse um pedaço de território independente que nunca ocuparam na guerra civil. Até podia ser uma ilha, embora para isso tivessem de ter a maior marinha do mundo. Pois, não vejo como se safam desta..           Henrique Mota > José Santos: Não deve ser por acaso que começou a intensificar-se a pressão sobre a Formosa             josé maria > Paulo Machado: China, expoente do capitalismo. A história recente da economia chinesa é uma síntese, no tempo e no espaço, da história do capitalismo. Expresso, 7/1/2015 Bom proveito...            Cogito E > josé maria: Claro que a China já não é comunista! E não é desde que, com Deng Xiaoping, virou à Direita, virou fascista (ditadura carniceira, sim, - laço comum com o comunismo - mas com economia de mercado e propriedade privada dos meios de produção)!!! "Enriquecer é glorioso" - disse Deng! Erros, defeitos, problemas, etc., na Economia? Sim! Não existem regimes perfeitos. Mas, uns são mais imperfeitos que outros. E foi exactamente a saída, por Deng, do mais imperfeito dos imperfeitos regimes - o comunismo - que permitiu à china "tirar" da fome e miséria 800 milhões de chineses! Fome e miséria em que o Comunismo, COMO SEMPRE, os havia lançado!!! Portanto, crise no capitalismo da fascista China? Talvez! Mas nunca sequer comparável à miséria e atraso civilizacional da era comunista (como sempre e só,  miséria e atraso, sub-desenvolvimento! Além de, como no fascismo - primo directo - tirania assassina carniceira, claro!)          Francisco Correia > josé maria: Oh Zé, mas desde quando é que uma opinião escrita num jornal é um facto? O verdadeiro capitalismo pressupõe, entre outras coisas, liberdade de escolha, democracia e tribunais independentes. Nada disto existe na China! Que tal usares a cabeça, antes de postares citações patéticas só porque estão escritas em jornais conhecidos?         Nuno Salgueiro > josé maria: Mais um tontinho a chamar a China de capitalista. Olhe lá, José Maria, vá ler o que é uma ‘economia de mercado socialista’. Pode ser que aprenda como a China realmente funciona e, pelo caminho, deixar de fazer figuras tristes neste fórum.          Romeu Francisco > josé maria: Não cogita. Os quotes do expresso, assinados quiçá por um bloqueiro, valem bola, não são atestado de coisa alguma. Mas ridiculamente divertido como sempre!        Gabriela Grade > josé maria: Zé, o menino não aprende. Capitalismo e Liberalismo partem do pressuposto de optar, escolher, priorizar, na China há imposição. Ai, ai. Para que copia?  Miguel Rosa > josé maria: Já so falta dizer que o PC está no poder na China porque foi eleito democraticamente.... ahahahahhaahhahahahh Diga um país em que o comunismo tenha chegado ao poder por sufrágio??? Só um....         Elvis Wayne > Paulo Alexandre: Pois, "uma bolha capitalista" na China Comunista, onde para começar ninguém é dono de nada, os terrenos e os imóveis neles localizados são "arrendados" em contratos de 50-99 anos, mas no fim tudo pertence ao seu querido Estado.        Tiago Figueiredo > Elvis Wayne: ... os terrenos e os imóveis neles localizados são "arrendados" em contratos de 50-99 anos, mas no fim tudo pertence ao seu querido Estado. Tal qual o Reino Unido, aliás, com a diferença que pertencem à Rainha.          Paulo Alexandre : AteuPaulo Machado: O regime é comunista. A Economia, essa, é mais capitalista do que a portuguesa.           Paulo Alexandre : AteuElvis Wayne: Pois não! Na China ninguém é dono de nada! Nadinha! O querido Estado não é meu. A Economia, essa, é que tem muito mais de capitalista do que qualquer outra coisa. Tanto assim é que, ao longo das últimas décadas, serviu de plataforma de expansão para a adorada globalização do capitalismo.   Tiago Figueiredo: Isso é completamente falso.          Nuno Salgueiro > Paulo Alexandre: Paulo Alexandre: Informe-se acerca da definição de ‘economia de mercado socialista’. É isso que está em vigor na China. O facto de haver um mercado não implica automaticamente que seja um sistema capitalista. Ou então você é um iluminado. Também pode ser…           Elvis Wayne > Tiago Figueiredo: Na Inglaterra, ao final de 20 anos a Rainha não têm o direito de se apropriar da sua casa. Na China sim, porque é comunista.         Tiago FiGueiredo > Nuno SalgueiroNo Reino Unido, uma significativa parte das terras são pertença da Rainha, da Crown Estate, da aristocracia, de empresas e construtoras. A grande maioria de apartamentos é vendida em 'leasehold', o que significa que apenas se compra a construção, mas não o terreno sobre a qual esta foi feita, que permanece posse do senhorio. A alternativa, a compra em 'freehold', onde o proprietário adquire tanto a construção como o terreno, é substancialmente mais cara e, embora mais comum quando se trata de casas independentes, em Londres e especialmente quando se trata de apartamentos, é cada vez mais rara. É o caso de um próximo meu, que adquiriu um apartamento em Londres em terras da Rainha (daí o meu comentário inicial). Não se trata de um apartamento ou bairro de classe alta, diga-se. Ao fim de 99 anos, o 'leasehold' tem de ser renovado, o que implica um novo pagamento ao senhorio. "I stand corrected."        Tiago Figueiredo > Elvis Wayne: Na China sim, porque é comunista. Dizem que sim, Elvis... Sinceramente, hoje em dia já duvido de (quase) tudo, mas sobretudo de "comunismos" que sacrificam a liberdade e o bem-estar de vidas individuais em benefício do "bem comum", que afinal não lhes é comum... De todo. Um conceito que me ultrapassa completamente...

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