quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Também me lembro


Daqueles velhos rezingas Walter Matthau e Jack Lemmon, que a RTP mostrava, nos seus tempos de exclusividade e selecção cinéfila, que a multiplicação de canais destinados ao cinema dificilmente reproduz hoje, acompanhando preferencialmente a evolução e os gostos modernos das modernas gentes. Filmes que ficaram na memória, de gente que ficou na história, como esses cómicos bem assinalados por Eurico de Barros, entre tantas figuras de actores e actrizes que desempenhavam papéis ficcionais, apoiadas na realidade humana ou mesmo de fantasia. E houve muitos bons, como ainda há, naturalmente, acompanhando a evolução dos costumes. Mas esses tais filmes que pretendem apoiar-se exclusivamente na tecnologia para formar mensagens de pura alarvidade, como esse referido em brilhante análise crítica por Eurico de Barros, são tortuosos e indigestos, ruidosos e de sujas mentes, contribuindo em grande escala, parece-me, para a transformação comportamental da humanidade, que assim vai desabando na pandemia universal do sem-nexo.

CULTURA/ CINEMA

“Venom: Tempo de Carnificina”: uma bocejante e indigesta orgia de tentáculos e dentuças ★★★★★

A continuação de "Venom", em que um jornalista vive em simbiose com um monstro alienígena comedor de cérebros, é mais do mesmo, um filme feio, bruto e sujo. Eurico de Barros dá-lhe uma estrela.

EURICO DE BARROS: Texto

OBSERVADOR, 14 out 2021

Venom à procura de cérebros para comer em "Venom: Tempo de Carnificina"

3 fotos

Como se não bastasse aos “comics” terem colonizado Hollywood e invadido o cinema com os seus super-heróis, temos também que sofrer os anti-heróis, que ainda por cima têm a mania que são muito espirituosos e cómicos. Além do engraçadinho Deadpool, há também Venom, na realidade dois anti-heróis num só, o jornalista bronco Eddie Brock (Tom Hardy) e o dito Venom, o alienígena monstruoso de voz cava que vive em simbiose com ele e se alimenta de cérebros e chocolate. Que saudades do tempo em que, no cinema americano, uma parceria insólita significava Walter Matthau e Jack Lemmon a partilharem um apartamento e a embirrarem por tudo e por nada.

Era mais certo que a morte que após o sucesso comercial do filme original, “Venom” (2018), aparecesse uma continuação. Eis assim “Venom: Tempo de Carnificina”, realizado por Andy Serkis, onde Eddie e Venom continuam às turras um com o outro até um deles ficar farto, declarar a independência e sair de casa. O novo vilão é Cletus Kasady (Woody Harrelson a fazer caretas e esgares reciclados da sua personagem de “Assassinos Natos”), um “serial killer” que por acidente fica infectado com o ADN de Eddie e desenvolve o seu próprio inquilino alienígena, o Carnificina do título. Ao pé dele, Venom parece o ursinho Paddington.

[Veja o “trailer” de “Venom: Tempo de Carnificina”:]

Tal como o primeiro, “Venom: Tempo de Carnificina” é uma estúpida, indigesta e lúgubre mistela de filme de monstros, comédia negra sanguinolenta e ultraviolência gerada por efeitos digitais (e dos manhosos). Serkis realiza no pior estilo feio, bruto e sujo, as sequências de acção são tão espalhafatosas como monótonasmonstros a atirar pessoas contra paredes ou a rebentar com carros e helicópteros da polícia –, e a batalha final entre Venom e Carnificina, uma verdadeira orgia de tentáculos e dentuças, é bocejante (para quem ainda não adormeceu até aí) em vez de empolgante. Os combates entre Godzilla e Rodan nos velhos filmes de monstros japoneses eram mil vezes melhores, e nesse tempo nem sequer havia efeitos computacionais.

No final de “Venom: Tempo de Carnificina”, fica – infelizmente! – a promessa de uma Parte III, que poderá de alguma forma envolver o Homem-Aranha (coitado dele, e de nós). E, mais uma vez, a certeza de que esta “franchise” muito chunga da Marvel é menos dotada de massa cinzenta do que as duas galinhas-mascote de Venom.

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