Só para estarmos a par do que se vai
tramando, na sombra. Dá para esclarecer, pelo menos, sobre a seriedade dos
entrevistadores, a continuação da baixeza – menos arrogante, em todo o caso –
do entrevistado. E sobre a graça de alguns comentadores.
António Pinto Ribeiro: "Há provas
evidentes de racismo, mas não há racismo sistémico em Portugal" /premium
O investigador garante que a Europa
ainda tem pensamento colonial e defende a devolução de bens a ex-colónias.
Sobre o Museu da Descoberta proposto por Fernando Medina: "Anacrónico e
muito infeliz."
BRUNO HORTA: Texto FILIPE AMORIM Fotografia
A Europa construiu uma
história da arte sem nomes importantes da África e descreve a história do
pensamento sem referências a filósofos africanos. Na opinião de António Pinto Ribeiro, estes exemplos mostram que o Velho
Continente ainda não descolonizou mentalidades, apesar de já não ter colónias.
O processo de descolonização “vai demorar anos, mas é absolutamente
irreversível”, acredita o investigador do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra.
O Observador
entrevistou-o agora a propósito do seu novo livro, Novo Mundo: Arte Contemporânea no Tempo da Pós-Memória — conjunto de ensaios sobre artistas nascidos na segunda metade do século
XX que criam em torno de memórias transmitidas por pais e avós de origem
africana, incluindo Dino d’Santiago, Katia Kameli, Franscisco Vidal e Fatima
Sissani.
O livro tem 223
páginas e saiu em Julho, com chancela das Edições Afrontamento. Integra a colecção
“Memoirs – Filhos de
Império”, surgida no âmbito de um projecto
europeu de investigação académica iniciado em 2015 e que da parte portuguesa
envolve o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, com coordenação
de Margarida Calafate Ribeiro.
“Novo Mundo:
Arte Contemporânea No Tempo da Pós-Memória”, o mais recente livro de António
Pinto Ribeiro (Afrontamento)
Este mesmo projecto académico
— cuja designação completa é “Memoirs – Filhos
de Império e Pós-Memórias Europeias” — vai dar origem ainda este mês à
exposição de artes visuais Europa, Oxalá, onde
estarão representados criadores de segunda e terceira gerações que vivem na Europa.
A exposição abre a 19 de Outubro em Marselha, no MuCEM – Museu
das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo, passando depois pela Gulbenkian
em Lisboa e pelo Museu de África (antigo Museu Real da África Central) na Bélgica.
Os Descobrimentos (a que Pinto Ribeiro prefere chamar Expansão), a colonização, a escravatura, a devolução de bens
culturais a África e a destruição de estátuas alusivas a memórias traumáticas
são alguns dos temas suscitados pelo livro e abordadas nesta entrevista ao
Observador.
Pinto Ribeiro entende que é necessário “reconstruir narrativas” e
“descolonizar imaginários” para que a Europa reate uma relação equilibrada com
a memória histórica. Mas encontra radicalismos, eventualmente compreensíveis,
em reivindicações ligadas ao anticolonialismo e ao racismo. Critica o “discurso
bastante vago” do Ministério da Cultura no tema da devolução de bens culturais
e a proposta do ainda presidente da Câmara de Lisboa de criar um Museu da
Descoberta (a entrevista aconteceu antes das eleições autárquicas de 26 de Setembro).
António Pinto Ribeiro, de 65 anos,
é licenciado em filosofia (1980), com mestrado em ciências da comunicação
(1995) e doutoramento em estudos de cultura (2015). Tornou-se conhecido como
primeiro director artístico da Culturgest, entre 1992 e 2004. Tem sido
programador e curador em diversas instituições, incluindo a Fundação Calouste
Gulbenkian, onde coordenou o ciclo de programação Próximo Futuro (2009-2015).
Foi comissário-geral da iniciativa Lisboa Capital Ibero-Americana de Cultura
2017.
▲"Não
acho interessante ou intelectualmente honesta a proposta de destruição do
Padrão dos Descobrimentos", diz Pinto Ribeiro FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
Escreve no
livro que “o pós-colonialismo é um processo longo e ainda em curso, que só se
poderá considerar concluído quando a Europa, ela própria, se descolonizar”. O
que é que isto significa? Tínhamos a ideia de que todo este
processo que decorre da Expansão se dividia em três ou quatro fases. A fase pré-colonial, até ao século XV, em que as nações
africanas e da América do Sul não tinham sido sujeitas a ocupação. A fase da
modernidade europeia, do século XV ao XIX, em que os
impérios coloniais europeus ocuparam aqueles territórios, exploraram recursos e
fizeram essa coisa absolutamente bárbara que foi o tráfico de pessoas
escravizadas: 12 milhões, que foram de África para as Américas. E depois temos
a fase do pós-colonialismo, que decorre de movimentos independentistas e da negritude, do princípio
do século XX, em que líderes e pensadores africanos e haitianos desenvolveram teorias
de autonomia e de exaltação dos povos. Com as independências, supunha-se que
teria havido liberdade e que os povos se tinham autonomizado.
Hoje sente-se
que afinal o colonialismo não terminou assim que terminaram os impérios, é
isso? Demo-nos conta de que a Europa, que teve de ser confrontar
com as independências, não se descolonizou. Por exemplo, a História da Arte ou
a História da Expansão que as crianças e jovens hoje aprendem nas escolas
contêm narrativas coloniais. Se olhar para um livro de História, o que ali
está, na maior parte dos casos, corresponde a uma narrativa anterior à
descolonização. É importante descolonizar os imaginários. Olhemos a História da
Arte. A Europa construiu cânones da História da Arte europeia, que supostamente
seria a única História da Arte possível, válida para todo o mundo. Essa
História da Arte, tal como a História da Literatura, tem de ser questionada.
Porquê? Porque houve uma modernidade africana e latino-americana. Em África, na
Ásia e na América Latina tivemos figuras com a importância dos Picassos e dos
Mirós, que não são reconhecidas, embora tenham tido valor e capacidade de
alteração do percurso da história.
Os currículos da Nigéria ou do Benim
reflectem a cultura europeia? Falam da Grécia e de Roma? Reflectem,
sim. Há um problema europeu na desconstrução das narrativas tradicionais.
Essas
narrativas tradicionais são herança do período colonial? São. Note-se que estas narrativas tradicionais
europeias também existem em África. África também tem ainda muitas das
narrativas coloniais, cujo trabalho de desconstrução já começou. Por isso é que
é um processo longo. Vai demorar anos, mas é absolutamente irreversível. A
presença que hoje se regista nas universidades de intelectuais africanos que
viveram em África ou nas diásporas é um contributo fundamental para a revisão
destas narrativas. Têm a vantagem, muitos deles, de terem sido educados na
Europa e simultaneamente nos seus países de origem. E ainda esta coisa
extraordinária: muitos falam as línguas ocidentais e as línguas oficiais das
nações de origem. Repare na capacidade crítica que estas pessoas têm. Dão aulas
nas universidades de Joanesburgo, Dakar ou Marrocos e também dão aulas em
Berlim, Nova Iorque, Washington. Estão a construir novas narrativas e
constituem uma massa crítica que questiona o que herdaram. Como diz um filósofo
dos Camarões, não o fazem por uma questão de ódio ou de raiva em relação à
Europa, mas por uma questão de justiça, no sentido grego. Pôr as coisas no seu
devido lugar.
A questão do
ódio parece estar sempre presente na reconstrução narrativa. Não necessariamente. Há com certeza um trauma profundo. Imagine que os
seus antepassados tinham sido escravizados e sujeitos a barbaridades terríveis,
a genocídios. Há um facto que pouca gente conhece: os campos de concentração
nazis, na II Guerra, foram inspirados num campo de concentração construído
pelos alemães em 1905 naquilo que hoje é a Namíbia. Há poucos meses o
presidente da Alemanha pediu perdão às tribos dizimadas. Há um passado
histórico que tem uma carga importante nestas pessoas.
Há
ressentimento? Ressentimento, com certeza.
Isso
significa que a criação de novas narrativas pode espalhar instabilidade social
na Europa e na América? Creio que
não. Para já, estamos no plano da discussão argumentativa, com debates
intelectuais nas universidades e nos média. Não vejo intelectuais, académicos
ou artistas a instigarem o ódio na Europa ou nos EUA. Isso acontece noutro
plano, com pessoas que o podem fazer até por causa de traumas mais profundos.
Acontece nos
activismos? Em alguns activismos, sim. Activismos mais radicais.
"Destruir uma
estátua é também destruir uma memória, por mais horrível que ela possa ser, e
acaba por produzir uma certa amnésia. É preciso que a estátua seja legendada de
forma diferente. Se a personagem que ali está foi de facto um negreiro, deve-se
legendar que foi um negreiro."
O que está a
dizer parece novo. Há a ideia de que os discursos académicos que propõem uma
nova narrativa descolonizada têm pontos de contacto com actos de vandalismo,
como aquele em que se pichou a estátua do padre António Vieira no Chiado. De todo. São coisas bastante distintas. Há um conjunto de pessoas, teóricos
africanos e não-africanos do pós-colonialismo, que não estão nada de acordo com
a destruição de estátuas. Eu próprio não estou de acordo. As estátuas devem ser
comentadas. Destruir uma estátua é também destruir uma memória, por mais horrível
que ela possa ser, e acaba por produzir uma certa amnésia. É preciso que a
estátua seja legendada de forma diferente. Se a personagem que ali está foi de
facto um negreiro, deve-se legendar que foi um negreiro. Se não é possível
manter a estátua no espaço público, então deve ser conservada no acervo de um
museu a que as pessoas tenham acesso. Compreendo esse activismo no calor das
emoções. Compreendo que isso [vandalização da estátua de Vieira] tenha
acontecido no contexto da morte de Floyd nos EUA. Foi uma reacção lógica, mas
também emotiva. Não é esse o ponto de partida para a descolonização europeia de
que falo. A descolonização europeia passa por questionar os curricula escolares,
por exemplo. Questionar os curricula das universidades. Mas não necessariamente
para os destruir. Questionar é perguntar porque é que estão ali Kant, Hegel e
Marx e porque é que não estão filósofos africanos fundamentais que existiram a
partir do século XVI. Porque Kant,
Hegel e Marx mudaram o pensamento na Europa e os filósofos africanos não,
porque não eram considerados.
Avaliar com
os olhos de hoje as práticas e ideias de épocas já muito recuadas não é
anacrónico ou revisionista? Não. Barbárie
é barbárie. A relação que tivemos com os povos foi baseada exclusivamente na
expropriação de recursos e de pessoas. À época, qualquer outro argumento não
poderia existir, porque desvalorizaria aquilo que era a missão imperial.
Estavam conscientes disso. Podemos falar do tema da devolução de obras, objectos
e arquivos aos africanos. Nada aconteceu por acaso. Não calhou um soldado
passar, ver uma obra muito interessante e pegar naquilo para trazer para a
Europa. Não. No fim do século XIX, os grandes impérios coloniais, França,
Alemanha e Inglaterra, tinham missões em África comandadas pelas mais altas
patentes militares com o objectivo de expropriarem. Ao expropriarem, produziam
uma amnésia nas populações. Por outro lado, os museus destes países disputavam
o título de museu com maior número de peças ‘roubadas’ em África.
Havia uma
valorização quase fetichista desses artefactos culturais? Completamente.
Não se reconhecia valor artístico
idêntico ao das obras dos artistas europeus? Alguns etnógrafos que participavam nestas missões estavam conscientes
desse valor.
Portugal deve
fazer um levantamento de bens culturais originários de África para depois os
devolver? Já está a
acontecer. Em 2018, o presidente Macron, depois de um discurso que fez em
Ouagadougou, capital do Burquina Faso, prometeu que as obras apropriadas pelos
franceses durante o período colonial seriam devolvidas a pedido dos estados
africanos.
E em
Portugal? Há notícia de que em 2018 Angola pediu a Portugal a devolução de
bens, mas também tem sido dito que o assunto ainda não foi tratado pela
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A devolução está a ser feita por França, pela Alemanha, pelo Reino Unido,
pelos Países Baixos e muitos outros. Estão a identificar os acervos, a
catalogá-los e disponibilizá-los para serem devolvidos a pedido dos estados. Em
Portugal, este processo está profundamente atrasado. Há um discurso bastante
vago do Ministério da Cultura, com o argumento de que os bens não têm sido
solicitados. Não é inteiramente verdade. Angola solicitou, também de forma
vaga. Nem sabemos o que existe. O ICOM Portugal — o ICOM é a grande associação
de museus em todo o mundo e cada país tem os seus delegados — pediu há dois
meses aos museus para identificarem essas obras e até hoje não obteve qualquer
resposta.
Não houve
resposta? Foram identificados 3,5 milhões de
documentos, mas são documentos, não são obras. É importante devolver, caso haja
pedidos, obras de arte e de culto, os arquivos e restos mortais. É que estão a
fazer outros países.
Retirar da
Europa bens culturais africanos não é uma forma de afastar ainda mais o
entendimento de África? Mas são bens
roubados em África.
Roubados num
determinado período da história, através de crimes hoje reconhecidos. Sendo
assim, os objectos não deveriam permanecer aqui? Não estou de acordo. Primeiro, houve crimes, que não
podem continuar como memória traumática. As caricaturas são sempre perigosas,
mas imagine que alguém no passado teria roubado património do seu avô. Creio
que não se sentiria bem enquanto esse património não lhe fosse devolvido.
▲O exemplo do presidente francês de prometer devolver às
ex-colónias africanas bens culturais deve ser seguido em Portugal, defende
Pinto Ribeiro GUILLAUME HORCAJUELO /
POOL/EPA
Se o roubo
tivesse sido feito a um antepassado do século XV, talvez não fosse importante,
porque a distância emocional é enorme. Não é só uma questão emocional, é uma questão de justiça.
A devolução
deve ser feita independentemente da data em que o roubo teve lugar? Absolutamente. É um facto que a maior parte das
apropriações teve lugar no século XIX, mas começaram antes, principalmente no
caso da América do Sul.
Quem devolve
não tem de garantir que as obras que saem dos museus europeus vão ser
devidamente preservadas nos países de destino? Os exemplos mais flagrantes de perdas e de destruição acontecem nos
museus europeus. Em África acontece muito pouco. Também há o mito europeu de
que as obras de arte só podem ser conservadas em museus. O museu é uma concepção
europeia, boa, mas há outras formas de conservar. A maioria dos bens que vieram
dos países africanos conservaram-se durante séculos em locais de culto, no seio
de famílias. Curiosamente, há países africanos a construir museus, por terem
consciência de que há peças que exigem uma conservação diferente. No caso dos
arquivos, houve há pouco tempo um debate entre a Alemanha e a Namíbia e a
solução encontrada foi digitalizar os arquivos, para que as cópias fiquem na
Alemanha e os originais regressem à Namíbia. Em relação a restos mortais, a
devolução começou quando Mandela foi eleito presidente. Começaram a ser
devolvidos restos mortais de africanos que tinham sido obrigados a combater na
Europa durante a I Guerra. Não há aqui uma ideia de esconder ou de subtrair à
Europa a informação artística da tradição africana. Há hoje um debate
importante sobre formas de circulação das obras, para que aquelas que voltam
aos seus locais de origem possam ser vistas na Europa e para que peças de
museus europeus circulem por África ou pela América Latina.
Seguindo a
lógica da devolução, podemos chegar ao ponto de Portugal pedir contas a
Inglaterra ou a Espanha. Será que corremos o risco de criar novas
instabilidades entre os povos? Não creio que se provoque
instabilidade. Aliás, já aconteceu a reclamação de obras que estão no Reino
Unido ou em França e as obras apropriadas pelos nazis têm sido reclamadas por
judeus e devolvidas. Não podemos é comparar o incomparável. Para já há uma
diferença entre objectos retirados em situação de guerra e objectos retirados
em situação de ocupação. Por outro lado, centenas de milhares de obras foram
apropriadas nos territórios ex colonizados, enquanto algumas dezenas terão sido
apropriadas em países europeus.
Falemos
novamente da diferença entre o que considera ser um discurso activista mais
extremo e um discurso académico que não tem esse extremismo… Às vezes tem.
Nesta área há académicos bastante extremistas.
São
minoritários? Não sei
quantificar. Há académicos, muitos activistas, outros menos. Parece-me um aspecto
muito pessoal, muito biográfico. A forma como cada pessoa foi afectada pelo
colonialismo pesa muito na forma como reage. No caso da devolução de obras de
arte, também há académicos, sobretudo historiadores, completamente contra.
Muitos simplificam a escravatura, o que aliás me incomoda. Incomoda-me que um
intelectual possa relativizar a escravatura.
▲O novo livro
de Pinto Ribeiro foi publicado em julho pelas Edições Afrontamento FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
Aparentemente
muitos activistas e académicos concordam que em Portugal e noutros países há
racismo estrutural. Qual é a sua opinião? Há provas evidentes de racismo, mas não há racismo sistémico em Portugal.
Para existir, do meu ponto de vista, as estruturas do Estado teriam de estar
assentes no racismo e não estão. Tanto quanto sabemos, não há nem de longe nem
de perto qualquer dispositivo na nossa produção legislativa, a começar pela
Constituição, que possa ser considerado racista. Acho que só existe racismo
sistémico quando o racismo está na lei.
Pode haver atitudes racistas das
pessoas. Mas o sistema, que implica
legislação, não tem essa atitude.
Pensa que os
líderes políticos em Portugal aceitam bem o debate sobre o pós-colonialismo?
Os poderes políticos seguem outros
calendários, outros objectivos, têm outras preocupações. De alguma forma, os
temas do pós-colonialismo e da descolonização têm sido empurrados para a
dimensão cultural, como se isto fosse uma questão cultural. Na verdade, é uma
questão política, cultural, económica e social. É também uma questão de relações
entre estados, pelo que os responsáveis pelos Negócios Estrangeiros ou Relações
Exteriores estão implicados. Sabendo nós que em alguns países a dimensão
cultural é tão pouco valorizada, ao remeter-se para a
questão cultural, está-se a desvalorizar o tema.
O poder político intui custos
eleitorais?
Não é um tema impopular, é um tema
irrelevante.
Os europeus
não sentem culpa? Deveriam sentir?
Sentir culpa não resolve problema nenhum, acho é que as pessoas deveriam
ter consciência do que é o passado histórico da Europa. A História da Europa
está marcada por enorme violência externa e interna. Só nos últimos 70 anos,
com exceção do que se passou nos Balcãs, é que tem havido paz. Creio que a
consciência crítica é o mais importante. Não se deve penalizar, culpabilizar,
fazer autos-de-fé. Sobretudo, deve-se repensar a nossa narrativa. A maioria dos
nossos média e das nossas universidades não tem ideia do que seja a África
contemporânea. Nenhuma ideia da quantidade de jornais ou de cientistas. Claro
que é um continente muito desigual, tem das melhores coisas às maiores
barbaridades. Mas há um conjunto de universidades extraordinárias, centro
culturais extraordinários.
Porque é que
esse desconhecimento existe? Porque continua a haver em nós a
ideia colonial de que África é um território subalterno.
O Brasil
também não conhece muito de Portugal. Há uma enorme iliteracia no Brasil, fruto dos regimes que tem tido. Mas
muitos brasileiros não sabem nada de Portugal como não sabem dos países à
volta, do Mercosul. O Brasil é um continente fechado dentro do continente. As
elites sabem de Paris, mas não do resto do mundo. As generalizações são sempre
graves, mas o Brasil tem uma grande quantidade de afrodescendentes e poucos
desses afrodescendentes têm consciência do que é a África contemporânea. Têm
uma ideia que ainda vem do século XIX. Repare, nos EUA pelo menos metade dos
congressistas não tem passaporte. Não conhecem o resto do mundo e nem querem
saber. As movimentações intelectuais e artísticas são motivadas e activadas por
grupos, maiores ou menores. Há sempre grupos que propulsionam outras relações com
o mundo e a história e só a- pouco e pouco é que as outras camadas vão
aderindo. Vivemos num tempo de enorme velocidade, em que existe um confronto
entre o velho mundo e o novo mundo.
Quais são as
características desse novo mundo? É o mundo da
descolonização europeia e do mundo. O problema da descolonização não existe só
aqui, existe nos EUA, no Brasil, noutros continentes. Por outro lado,
caracteriza-se pela emergência de outras formas de coabitação entre as pessoas.
Isto de se perguntar “como é que se pode viver com os outros?” é relativamente
novo, implica uma aprendizagem comum. Durante muito tempo, falou-se em
multiculturalismo, a ideia simpática de que numa cidade podem viver chineses,
indianos e portugueses e todos se dão bem uns com os outros. Não se dão todos
muito bem. Era uma ideia naïve, não concebia que a diferença entre estes grupos
não é apenas étnica, mas também cultural e religiosa, o que acaba por levar a
conflitos. Felizmente, ultrapassámos o multiculturalismo. O mundo novo é o da
interculturalidade, que implica uma negociação cultural e política permanente.
Todas as partes envolvidas têm de ganhar e perder alguma coisa, com destino, se
quisermos, à paz universal, que é uma utopia. A interculturalidade como
processo político que se vai desenrolar ao longo das próximas dezenas de anos é
que é hoje o marco importante.
Devemos
reconhecer que o colonialismo também teve aspectos positivos, como a
miscigenação e o encontro entre povos e culturas? A
miscigenação foi um dos maiores actos de violência concebidos. É difícil
quantificar, mas a mestiçagem é fruto de uma violência sexual. Ou todas aquelas
mulheres africanas ou sul-americanas estavam disponíveis?
Houve trocas
culturais e de sangue que foram pacíficas e consentidas. Muito pouco pacíficas, na maioria dos casos. Veja-se
a história da violência espanhola na América Latina. Dizimaram povos. Nós
próprios não fizemos coisas muitos simpáticas no Brasil ou em África. A
miscigenação e o lusotropicalismo são mitos que escondem violências terríveis.
Não há nada
real na narrativa do Estado Novo sobre os Descobrimentos? A única coisa importante foi a produção científica
relacionada com a Expansão, que também não é em si uma ideia generosa. Essa
produção científica, além da curiosidade e da capacidade engenhosa de muitas
daquelas pessoas, tinha por detrás a ideia de como chegar àqueles lugares para
obter recursos. Portugal, antes da Expansão, era do ponto de vista de recursos
um país miserável, como o era grande parte da Europa.
"Um Museu da Descoberta é
anacrónico e muito infeliz. Acho criticável que Medina tenha voltado a essa
proposta. Um Museu dos Descobrimentos, mesmo que se chame Museu da Descoberta,
é de uma enorme violência e ecoa traços do lusotropicalismo. Implica a ideia de
que se descobriu o outro."
No
início deste ano, o deputado do PS Ascenso Simões declarou que o Padrão dos
Descobrimentos “devia ter sido destruído”. Recentemente, a deputada Joacine
Katar Moreira recomendou ao Governo uma “contextualização histórica crítica”
das pinturas do Salão Nobre da Assembleia da República ou a sua retirada para
“um espaço museológico”. Como é que vê estas propostas? Não acho interessante ou intelectualmente honesta a
proposta de destruição do Padrão dos Descobrimentos. Curiosamente, o Padrão dos
Descobrimentos é dos espaços da Câmara de Lisboa que têm feito um trabalho
notável, com exposições sobre o colonialismo. Estão a questionar o colonialismo
e a Expansão dentro do próprio monumento. Em relação à posição da deputada
Joacine, só sei o que apareceu nos jornais. Não conheço detalhes e os detalhes
são muito importantes. À partida, parece-me bem. Não me faz muito sentido que
um conjunto de representações que têm que ver com o Estado Novo e com uma
mitologia de um regime ditatorial faça sentido na casa da democracia. Ou
contextualizar, para questionar as narrativas, ou eventualmente passar essas
representações para um museu ou outro lugar.
E que fazer
com os brasões de cidades portuguesas onde se representa a decapitação de
mouros por um cruzado?: Deve-se legendar e explicar que se
trata da representação de um cruzado a decapitar mouros, em vez de se dizer que
é um cruzado a divulgar a fé e o império.
É
favorável à criação de uma lei que estabeleça regras claras para eventual
remoção ou recontextualização de peças e obras de arte? Sim, com uma ressalva: é preciso uma avaliação caso a
caso. No caso das estátuas, cada uma tem cargas simbólicas diferentes. Há
estatuária que pode ser de uma violência inaudita e outra que pode se apenas
patética. Sobretudo, e os média fazem parte disto, é preciso questionar os
imaginários. É importante fazer este debate em Portugal. Não se tem feito ou
então é feito de forma muito radicalizada.
Concorda
com um Museu da Descoberta em Lisboa? A proposta volta a aparecer no programa
eleitoral de Fernando Medina como candidato à Câmara. Fala-se em “estrutura
polinucleada”. Se é
polinucleada, não é preciso, já existe. Já temos os Jerónimos, a Sociedade de
Geografia de Lisboa, o Gabinete de Estudos Olisiponenses. Um Museu da
Descoberta é anacrónico e muito infeliz. Acho criticável que Medina tenha
voltado a essa proposta. Um Museu dos Descobrimentos, mesmo que se chame Museu
da Descoberta, é de uma enorme violência e ecoa traços de luso-tropicalismo.
Implica a ideia de que se descobriu o outro. Primeiro: é inaudito pensar que os
portugueses foram descobrir os povos que viviam noutros territórios. Segundo: estabeleceu-se
[da parte da Câmara de Lisboa] algum tipo de diálogo com esses que terão sido
descobertos? Que eu saiba, não. Terceiro, o que vai para um Museu dos
Descobrimentos? Caravelas?
Porque
é que não utiliza a palavra Descobrimentos? Digo Expansão.
“Descobrimentos” é anacrónico e ofensivo.
Não temos de contar a História do ponto de vista do povo
que a viveu? Do ponto de
vista do regime anterior, os portugueses foram descobrir. Se o regime tivesse
ensinado o termo Expansão, os portugueses diriam Expansão.
Na prática, se os portugueses não conheciam aqueles
territórios, descobriram-nos. Houve aquilo
a que se chama “achamento”. Ainda que admitamos que houve a descoberta de
terras, não há a descoberta de pessoas, isso implica a ideia de submissão. São
coisas distintas.
HISTÓRIA CULTURA RACISMO DISCRIMINAÇÃO SOCIEDADE DESCOBRIMENTOS COLONIALISMO MUNDO ENTREVISTA OBSERVADOR LIVROS LITERATURA UNIVERSIDADES EDUCAÇÃO EXPOSIÇÕES
COMENTÁRIOS:
Maria Janeiro: Para ser
"filho do império" é preciso ter avós ou pais de origem africana? Não
entendo. É a cor da pele que o determina? O passado? De quem? "Europeu me dizem (...) É provável...
Não. É certo, mas africano sou." Rui Knopfli, excerto do poema
"Naturalidade". jorge costa:
Isto é uma diarreia mental de
alguém que quer ficar bem na fotografia para continuar o tacho! se há universidades notáveis em África, porquê que
este cavalheiro não vai para lá dar aulas e nos deixava a nós em paz com os
nosso hubris, que tanto o incomoda. Aproveita e leva mais uns indivíduos de partidos tipo LIVRE e quejandos
que, ao que sei, são bem qualificados academicamente, para lá darem aulas
também. Enfim! Vá-se
e embora e não nos aborreça! Sempre se poupa algo ao estado Português! jose Afonso: Somos tão racistas que os africanos metem-se em
barcos prontos a morrer no mar para serem discriminados na europa. Já não
há pachorra para estes academicos de pacotilha. Olhe dou-lhe uma sugestão vá
investigar porque não existe um unico país governado por negros ,em que haja
algum sucesso a nivel civilizacional.
Artur Mendes:
Exmo Sr António Pinto Ribeiro Concordo com
devolução das obras de arte. Tenho em minha posse 3 estatuetas de pau-ferro...
(Maconde) que trouxe da Guerra do Ultramar... Pode Vexa indicar-me onde devo
entregá-las? Grato ... e vá á m.... com a historia do racismo... São vocês que
o alimentam Miguel S: Há racismo
contra os portugueses nativos não para estrangeiros e introduzidos. Isto é
política de esquerda PC para destruir Portugal como estão a fazer nos EUA que está
a beira de implodir. jose Afonso: Como bem sabe,
quando os portugueses chegaram a Cabo Verde e a São Tome as ilhas eram
deshabitadas. Então podemos pedir a sua devolução? Ou esta coisa de devoluções
é só para um lado? Jose Castro: racismo sistémico
contra os brancos nativos. João
Floriano > Jose Castro: Completamente de acordo. João Floriano: Não vou ler
porque já percebi que vem aí mais um manifesto woke. Comentando apenas as
primeiras linhas direi que a Europa ainda sofre de pensamento colonial só que
desta vez já não é por parte dos europeus tradicionais mas há na realidade um
novo colonialismo por parte dos que a Europa recebeu e continua a receber sem
um controle sério. E agora já é tarde. E novamente a ideia peregrina que o
racismo funciona apenas num sentido. José Dias: Caro João
Porrete, o que raio são o que chama de donos ancestrais? Será que posso, na
mesma linha de pensamento, exigir a devolução de tudo o que vendi ou dei, mais
tudo o que o Fisco me levou e continua a levar, clamando ser eu o
"proprietário ancestral"? E o que foi dos meus avós é meu pelo
"direito de proprietário ancestral" e deverá ser-me entregue já e sem
mais? Não quererá pensar um pouquinho mais na coisa e nas consequências da
aplicação da ideia? Sergio
Basilio: Eu sou a favor da devolucao do
patrimonio etnico dos povos colonizados conjuntamente com os próprios
representantes dos povos colonizados. Os primeiros da fila de partida seiam a
Joacine e o Mamadu Ba. Depois iriam muitos companheiros desses que ca nao fazem
falta nenhuma. Anarquista
Coroado: Mas quais bens? As máscaras (aliás notáveis) do Museu
de Etnologia, que tanta falta faz a Portugal para conhecer a cultura africana,
quando África está cheia delas? Liberal Assinante do Local > Anarquista Coroado: O mais grave na pretensão de "devolução" de
objectos artísticos de valor (€€€) a países pobres e corruptos até à medula é
que nunca mais se saberá deles se essa pretensão for atendida. josé alves
> Anarquista Coroado: É
devolver-lhes as máscaras, para eles as venderem aos países europeus pela porta
do cavalo ... aliás, nem há museus em África para receber essas peças, nem os
locais lhes dão valor. granel cardoso: centro de
estudos sociais, é uma agência de propaganda marxista e agora não digo que
devia de ser fechada porque sou contra a censura (que eles no entanto são a
favor). Como de estudos não têm nada, indigno me por os meus impostos andarem a
pagar estes farsantes... Rui Lima: Sr. Pinto Ribeiro sabe que todos os fim de semana as
auto-estradas e estradas junta das cidades são bloqueadas por casamentos
comunitários em França se protestar ainda é agredido pobres europeus. “Os
noivos, instalados na Ferrari, e seus convidados saíram de Meyzieu às 14h50 na
circular (RN346) no Estádio Groupama em direcção a Vaulx-en-Velin, onde o
casamento seria celebrado às 15h. Monopolizando todos os caminhos, a procissão
parou em Décines de onde os participantes desceram do carro, caminhando pelo
desvio. Quando a lei da rua substitui a lei da República. Esses casamentos
comunitários, pessoas honestas não os suportam mais. Nos centros das nossas
cidades, nas nossas estradas: pensam que podem fazer tudo! Devemos ir além das
multas”, reagiu no Twitter, vídeo de apoio, Matthieu Valet, porta-voz do
sindicato independente dos comissários de polícia (SICP). João Porrete: Só gostava de
saber porque é que um comentário que fiz a esta entrevista, aliás elogioso, foi
para moderação. É certo que incluía as iniciais do estado de alguém da progenia
de uma mulher que se auto aluga para fruição de terceiros (estou com estes
rodeios para escapar à detecção automática de expressões inaceitáveis) mas
também não é preciso tornar isto numa assembleia de vestais. José Santos: Não acredito, este senhor negou a existência de
racismo sistémico? São pelo menos três cancelamentos no Twitter, um no
Facebook, e uma peregrinação à cidade sagrada de Minneapolis onde contornará de
joelhos a capela de s. Floyd. Heresia woke não pode ser tolerada. Luís
Castanheira: Já me chamaram racista muitas vezes na minha Pátria,
coisa que nunca faria na Pátria dos outros. Muitos que me chamaram racista são
de etnia africana ou/e de nacionalidade de países africanos. Se eu for para a
terra deles chamar-lhes de racistas, não duro vivo mais que um par de horas. Mas
não, nós é que somos intolerantes, nós é que somos racistas, xenófobos e tudo
mais, nós que vamos aceitando, todo o tipo de pessoas que vão dando à nossa
costa. Depois aparecem figurinhas de etnia europeia, a defender isto, e a
quererem devolver/anular a história, basicamente a defenderem a anulação
completa da Europa, na história, na cultura e finalmente na etnia. João Porrete > Luís Castanheira: Sou a favor da devolução de obras de arte e bens
culturais aos seus donos ancestrais. Quanto ao investimento em imobiliário e
obras públicas que deixámos nas colónias, ninguém nos obrigou e por isso os que
agora os têm à sua guarda que se amanhem. Têm-se amanhado mal mas o problema é
deles. Chapada de luva branca recheada de mão peluda Agora vai lá
dizer isso à Marisa Matias. Mas com cuidadinho que a coitadinha da menina está
deprimidinha! João Porrete: Penso que
este investigador faz alguns pontos bem feitos. Em relação ao que tem valor
artístico ou cultural, penso que é para devolver a menos que os países de
origem das obras acedam (como seria do seu interesse) a manter algumas no
ocidente. A declaração do comentador Filipe Costa para mim não faz sentido
porque os investimentos que os portugueses e outros europeus fizeram nas
colónias foram voluntários; perdendo as colónias perdemos esses bens imóveis. É
a vida. Também concordo com a afirmação de que não existe racismo sistémico em
Portugal e que algumas atitudes demonstram racismo. Parece-me óbvio. Mesmo a
proposta da Joacine pode ser discutida. A mim nada me satisfaria mais ver as
referências ao Marquês de Pombal eliminadas da nossa toponímia, para além da
ridícula estátua na praça que tem o nome dele em Lisboa. Afinal, o homem foi um
facínora e um bruto que atrasou a ciência em Portugal 150 anos com a expulsão
dos jesuítas. Por isso percebo que a Joacine gostasse de ver as tapeçarias da
Assembleia da República mudadas. Acho exagerado mas compreendo, como compreendo
que afinal tenha que gramar com o fdp do Carvalho e Melo no topo da Avenida da
Liberdade. Rui Lima: Se há racismo
nunca será europeu pelo contrário andamos agachados com muita cobardia. Todos
devem ler sobre o actual conflito França Argélia um país falhado fecha espaço
as operações franceses no Mali , se a França não fosse cobarde , nem era
preciso expulsar os milhões de argelinos bastava congelar as transferências
financeiras . Eles prendem e expulsam ofendem europeus em resposta a Europa dá
mais dinheiro. Filipe Costa: Sim, devemos
devolver tudo e eles que devolvam os edifícios, portos, ferrovias, etc. Que lá
construímos. Sejam sérios, este artigo é uma vergonha. Sou assinante, não li
metade, o asco e nojo não me permitiu.
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