domingo, 3 de outubro de 2021

Previsões em pane


Sondagens – propositadamente? – enganadoras, em torno de umas eleições de resultados bastante diversos dos anunciados. Jaime Nogueira Pinto esclarece, alguns comentadores discordantes ofendem e ofendem-se. Sem espantos, no caso.

A última sondagem /premium

Será uma “frente popular” que bloqueie a gestão da capital do país uma boa opção para uma Esquerda que já conheceu melhores dias? Esperemos que o senso comum e o interesse público prevaleçam.

JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista do Observador               OBSERVADOR, 01 out 2021

As eleições autárquicas trouxeram uma série de surpresas. Ficámos, por exemplo, a saber que “a realidade é dinâmica” e que “as chamadas sondagens pré-eleitorais não servem, nem nunca serviram, para prever resultados eleitorais”.

Para que servirão então as sondagens? Para sondar o insondável, para fotografar, num fugaz momento e a partir de uma fugaz amostra, os contornos de um futuro que sempre nos ilude. É, evidentemente, de arte que se trata: a apresentação de margens de erro é um excesso lúdico. E quem não percebe isto, sofre de “iliteracia”.

Há uma outra coisa para qual as sondagens nos podem também alertar: para o valor atribuído às obras desta arte, independentemente da sua inoperância, incompetência, divórcio do “país real” ou insistência em moldar o mundo.

Assim, cinco dias antes do escrutínio, uma destas sondagens dava 40,6% a Medina, 33,1% a Moedas. E, cerca de um mês antes das eleições, em 30 de Agosto, uma outra sondagem, mais impressionista, dava a Medina 51% e a Moedas 27%. Moedas venceu. E então? A realidade é dinâmica e, nunca é demais repeti-lo, as sondagens eleitorais não servem para prever resultados eleitorais.

Também nunca saberemos, nestas coisas, se é de incompetência, sonho ou estratégia deliberada que se trata. E a estratégia tanto pode ir no sentido de desencorajar os partidários do candidato em desvantagem, em quem “já não vale a pena votar”, como de tranquilizar os partidários do que vai à frente, pondo-os em ledo sossego. No entanto, o cada vez mais frequente desconcerto da análise pré-eleitoral tem estado quase sempre associado a uma certa inclinação para um dos contendores ou a uma certa fobia em relação ao outro.

Há grandes exemplos históricos. Um dos mais recentes, mas já clássico, é o da eleição americana de Novembro de 2016. Nas vésperas da eleição, a Reuters/Ipsos dava Clinton a ganhar por 45% contra 42% no voto popular e com 90% de chances de vencer no Colégio Eleitoral, onde precisava de 270 lugares mais 1. O resultado foi de 47,7% contra 47,5% no voto popular a favor de Hillary e, no Colégio Eleitoral, de 303 votos para Trump contra os 233 de Clinton. Tendo eu sido, em Portugal, uma das raríssimas pessoas que pôs a hipótese da vitória de Trump, e para que o inesperado contraditório fizesse um bonito contraste com a inevitável unanimidade, acabei por ir a três televisões nessa noite e por estar em directo quando, surpresa das surpresas, a vitória de Trump foi confirmada.

A surpresa popular

Surpresa das surpresas porque o grosso da comunidade mediática e analítica, e até académica e política, tende a viver no reality show que cria, ou seja, numa realidade paralela, delimitada e vigiada, numa bolha feita de cenários, sondagens, comentadores residentes e ordens vindas do alto em voz off. Por isso cada vez mais lhe acontece surpreender-se momentaneamente quando do confronto com a realidade – até que o programa siga.

Todo o cidadão da “jovem democracia” portuguesa sabe que os responsáveis políticos sempre procuram explicar que ganharam ou que, pelo menos, não perderam as eleições que acabaram de concluir. Ainda assim, quando o líder do PSD, para quem o 26 de Setembro foi “um dia positivo”, mostrou alguma justa indignação com a discrepância entre a prestação prevista e a prestação real do seu partido, “contra as sondagens e contra muitos comentadores”, era escusada a pronta acusação de “iliteracia”. Tanto mais que um dos argumentos apresentados, o de que a campanha eleitoral mudava as vontades, não era dos mais convincentes para sondagens a cinco dias das eleições, como as que davam Medina a vencer por 7,5 pontos percentuais.

António Costa, para quem o 26 de Setembro também foi “um dia positivo”, é suficientemente lúcido para saber que, apesar de ter mantido a maioria dos votantes e de continuar a contar com autarquias grandes, o PS teve revezes importantes nas autárquicas, com Lisboa à cabeça – e Coimbra, e o Porto e o Funchal. E que, no conjunto, dificilmente poderá considerar o Domingo das eleições um dia de sorte. A estratégia de Rio de recomposição parcial da AD, com a escolha de Carlos Moedas, funcionou em Lisboa, e não só. Onde houve “frente de Direita” contra o PS, desceu o voto de protesto à Direita, que se concentrou na “frente” e contornou-se o que é o ponto mais vulnerável do PSD: a indiferenciação do PS em termos de valores e a tentação de Rio de transformar o centrão das ideias num centrão político.

De qualquer forma, com estes resultados o líder do PSD conseguiu, para já, acalmar eventuais concorrentes que teriam aproveitado o anunciado desastre eleitoral do Partido para se apresentarem como alternativa messiânica.

Outro ganhador, neste aspecto, foi o líder do CDS, que negociou bem uma série de alianças, tornando-se útil em coligações vencedoras em Lisboa, Porto e Coimbra, e acalmando também as veleidades de alternativas internas. Talvez seja um momento interessante para Francisco Rodrigues dos Santos pensar em revalorizar uma linha de direita conservadora, entre o nacionalismo popular do Chega e o que é oficialmente o liberalismo social-democrático do PSD.

O Chega acabou por ter uma boa estreia autárquica. Apresentou-se na maioria das autarquias e teve 19 vereadores eleitos, quase duas centenas de mandatos e uma votação popular bastante razoável. Foi buscar gente nova e boa – sobretudo no Ribatejo e no Norte –, mas podia ter tido mais cuidado na triagem de candidatos, também para não dar lugar à exemplificação sarcástica, com criaturas saídas não se sabe bem de onde nem para quê. É certo que outros partidos as terão iguais, mas esses partidos não estão sujeitos à exposição hostil a que o Chega está sujeito e para a qual devia estar preparado. Mas de resto, para um partido novo, mostrou presença em todo o país, com uma razoável votação global. E comparando as votações do Chega (por exemplo em Lisboa) na presidência e na Assembleia Municipal, vê-se que muitos dos seus eleitores entenderam o que era o “voto útil”, o voto contra, e o que era o “voto por”, o voto identitário.

Como também assim o entenderam, em Lisboa, os eleitores da Iniciativa Liberal. Só que a IL é um partido de grandes cidades. No resto do país, ou não apresentou candidaturas ou as candidaturas que apresentou não vingaram.

Também o Bloco de Esquerda, com a agravante de ser um partido com muitos anos de existência e de protagonismo no reality show mediático, continua com uma clara dificuldade de implantação fora dos grandes centros urbanos, onde as causas radicais e fracturantes da Nova Esquerda não colhem. E mesmo assim ainda perdeu eleitores e lugares urbanos. Tal como o PAN.

Também perdeu eleitores e lugares o Partido Comunista, que chegou a ter 50 presidências de câmara (em 305), no tempo em que havia a União Soviética e que ainda tinha 12% do voto popular. Desta vez teve 19 presidentes eleitos e um ainda considerável número de mandatos.

Tem de se reconhecer que o Partido Comunista, que depois do fim da União Soviética perdeu o seu carácter de “partido do estrangeiroou alinhado numa internacional, tem tomado posições civilizacionalmente próximas do povo e da razoabilidade vital e distantes dos estéreis desvarios urbano-depressivos das novas esquerdas globalizantes. Votou contra a eutanásia, tem apoiado as touradas e os seus deputados no Parlamento Europeu foram os únicos deputados portugueses que votaram contra a condenação da Hungria, alegando que as matérias em causa eram do foro dos Estados e não da União Europeia.

A tomada de Lisboa

Acabo voltando à vitória de Carlos Moedas em Lisboa e às reacções que provocou. As sondagens também servem para isso, para darem aos “iletrados” súbitas e inesperadas alegrias.

É claro que, para uma missão que parecia, à partida, impossível, o candidato beneficiou do descontentamento de muitos perante uma cidade moldada autocraticamente pelos programas europeus e seus subsídios, uma cidade asfaltada para o verde e pedalante deambular de poucos e alheada da vida e do trabalho de muitos. Beneficiou também do apoio de uma aliança centro-direita ad hoc que soube congregar os descontentes. Mas foram também as suas qualidades, nos antípodas do caudilho, que o levaram à vitória.

Eleito, não vai ter uma vida fácil. As contas na vereação não parecem favorecê-lo – 10 contra 7 – como, muito democraticamente, lembrou a coordenadora do BE, acrescentando que o seu partido nunca fará alianças com a Direita. Já não é mau, tendo em conta que os seus mestres inspiradores pensavam na Direita como um obstáculo ao Progresso e à Marcha da História destinado à eliminação física: limitar-se a não querer alianças é já um progresso civilizacional.

Mas será uma “frente popular” que bloqueie a gestão da capital do país uma boa opção para uma Esquerda que já conheceu, por cá e na Europa, melhores dias? Esperemos que o senso comum e o interesse público prevaleçam, apesar dos blocos.

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COMENTÁRIOS

Maria Cordes: Como iletrada, apreciei o retrato das forças políticas, mas não percebo como se atribui à estratégia de Rui Rio, a vitória de Moedas, que nos proporcionou uma imensa alegria. Normalmente, RR, e as suas decisões, desencadeiam frustrações.            I G: Muito bom pelo conteúdo, estilo e reflexão.         Cândido Pimentel: Texto de sólida lucidez e muito bem escrito.           Álvaro Aragão Athayde: O PCP afirma que defende para Portugal uma política patriótica e de esquerda. Patriótica primeiro, de esquerda depois, note-se. É isto compaginável com a aliança que fez com o PS e o BE, os actuais expoentes máximos, em Portugal, da Internacional Capitalista? Diria que não. Diria que não e diria que o erro estratégico que cometeu tem custado caro ao PCP. Veremos se desiste, se persiste.           Xico Nhoca: Esta de esperar que o senso comum e o interesse público prevaleçam não parece ser uma esperança muito realista num país de fadas más (que não fadam nem deixam fadar).            Mario Nunes: Admiro a subtileza como classifica a esquerda. Excelente artigo.           Antonio Castro: Excelente artigo.  Dali ou Picasso?: Lol, Lol... "limitar-se a não querer alianças é já um progresso civilizacional" Excelente artigo e vem com mensagem de fundo, para quem souber ler. Theodor Adorno: O "intelectual" da direita portuguesa, estou descansado.            mário Unas: a estratégia tanto pode ir no sentido de desencorajar os partidários do candidato em desvantagem, em quem “já não vale a pena votar”, como de tranquilizar os partidários do que vai à frente, pondo-os em ledo sossego. Os fautores das, por piedade, ditas sondagens, não perdem o seu tempo com essa ignominiosa massa amorfa que vai a votos. Na minha modesta opinião, o âmbito das sondagens terá sido o de causar desânimo, desmotivação e condicionar o discurso do candidato Carlos Moedas.        josé maria: Será uma “frente popular” que bloqueie a gestão da capital do país, uma boa opção para uma Esquerda que já conheceu melhores dias? A propósito de "piores dias": Eleição Autárquica de 2021; Direita (PSD+CDS+CHEGA+IL) = 20,15% ; Esquerda( PS+BE+PCP) =45,19%        Pensamento Positivo > josé maria: À esquerda faltou ainda acrescentar os 1.14% do PAN que também faz parte do grupo!... E, numa análise mais fina, talvez mais 1% vindos de candidaturas independentes da área. Sim, se isto foi uma má noite para a esquerda, vou ali e já venho!... Sim, perderam um "porta-aviões" dos grandes... Mas, de resto a armada continua mais que coesa. Gostem por aqui alguns ou não!...           josé maria > Pensamento Positivo: Verdade, faltou-me incluir a percentagem do PAN.         maldekstre estas kaptilo: Esperemos que o senso comum e o interesse público prevaleçam. Por parte da esquerda??? Hahahahahahahahahahhahahahahahhahahahha     Ahmed Gany: Se as sondagens são (quase) inversamente proporcionais aos resultados esperados, algo está errado.          Harry Dean Stanton: Como é que um tipo destes dá aulas primeiro no ensino superior e depois no ensino superior de um país democrático é que devia inquietar qualquer um com dois neurónios. Só se esqueceu de dizer que também andou nas televisões a prever a vitória de Trump o ano passado. Assim como a "batota" nas eleições e que Trump nunca atacou a Democracia. O que é que terá falhado nas sondagens do JNP? Talvez o mesmo fanatismo da direita radical de sempre com um toque de nostalgia da saudade eterna do Botas. Como qualquer viúva amada diria.           joao lemos > Harry Dean Stanton: sr harry! leia , leia , leia ! provavelmente não perceberá metade. mas não faz mal . Continue a ler!          maldekstre estas kaptilo > joao lemos: Metade? Acho que está a ser demasiado optimista...      joao lemos > maldekstre estas kaptilo: também creio! quis ser simpático! provavelmente nunca leu um livro e seguramente, nada sobre o que pretensamente, pretende comentar! a ignorância sempre foi muito atrevida!            maldekstre estas kaptilo > joao lemos: Acima de tudo causa vergonha alheia. E outros como ele é o que por aqui mais abunda, o que diz muito sobre Portugal e os Portugueses e tudo do porquê do nosso atrasado atávico.         Harry Dean Stanton > joao lemos: Ainda li o início sobre as sondagens e o Trump. E como está ao v/ nível está bom.          joao lemos > Harry Dean Stanton: confesso , desiludido , que nem percebo do que fala! harry , não será de certeza! faz parte das personagens ocultas......            advoga diabo: É conhecido o horror que JNP tem a "frentes populares", como deliciosamente chama à maioria de Esquerda que os eleitores de Lisboa elegeram derrotando a, já agora, "frente populista" de Direita. Tem toda a razão para ter medo. O voto, esse maldito, serve para dar voz a quem o exerceu. Ainda não se habituou?!     joao lemos > advoga diabo: a habitual arrogância e desonestidade intelectual da esquerda!            Romeu Francisco > advoga diabo: Prefiro a "frente cidadã" à "frente popular". Porque só a primeira é do povo. A outra é um grupo de políticos de esquerda, que sem votos dos primeiros, não representam ninguém. Simplesmente Maria: Lamento mas hoje não aprendi nada com Jaime Nogueira Pinto que há muito tempo não soubesse. E como diz o povo é "chover no molhado". Mesmo assim, obrigada.           Hitlerilas Ventura: Meus amigos, isto são tudo faits divers que não interessam para nada. O importante é o nosso partido recuperar os 300 mil votos que perdeu domingo. Éramos 500 mil em Janeiro nas presidenciais e agora fomos apenas 208 mil nas autárquicas. CHEGA!          jose Afonso > Hitlerilas Ventura: já o BE eram 520 000 nas legislativas de 2019. E foram 130 000 nas autárquicas.         Pedro Pedreiro: As sondagens são uma espécie de intriga que alimentam o circo mediático que prefere a análise superficial ao invés da investigação trabalhosa. Isto para não falar de interesses. Em suma, as sondagens são ruído. Mas muita gente não conhece nem procura conhecer outra música que não o ruído.         bento guerra: Veremos, mas é muito cedo           Lourenço de Almeida: Porque é que o senso comum e o interesse público hão-de prevalecer entre os partidos da esquerda, que desconhecem o primeiro e de que boa parte dos apoiantes já militaram em partidos apoiados por ditaduras estrangeiras, quando não o próprio partido como no caso do PCP          Américo Silva: Estamos em plena progressão na ocultação do conhecimento, as sondagens enganam, os militares que questionam a saída do Afeganistão são presos, livros são queimados, há planos para matar Assange, e as redes sociais são manipuladas. Os covidados morrem na mesmíssima quantidade que há um ano, enquanto covideiros e vacineiros deitam foguetes, com muita razão no caso das farmacêuticas. O MP conseguiu uma retumbante vitória contra o Chega, daí a falta de tempo para tratar o caso Rendeiro, ou o SEF, ou o Salgado, ou a dona Hortense, ou a dona Margarida, e outros. Relativamente a Rui Rio também tenho opinião, possivelmente errada, aqui vai: não tendo António Costa caído do céu, e notando-se algum esgotamento, para a mudança nada melhor do que Rui Rio desde que se torne essencialmente igual a António Costa, e tem feito por isso, sempre que lhe dão oportunidade. Foi notável o sarilho em torno à substituição do CEMA, e onde há sarilho está Marcelo. Afinal confirmou que de facto está tudo acordado, mas escondido. A Servitude et grandeur militaires resume-se em dar vez uns aos outros para terem a maior reforma possível, mamando ille populo.            Pedro Pedreiro > Américo Silva: Excelente comentário.      João Floriano > Américo Silva: Sem dúvida um excelente comentário.      Mestre Nhaga > João Floriano: Nem mais!            José Luis Salema: Na mouche! Como sempre! O caminho está terraplanado e, agora, as direitas têm que ter muita atenção ao trânsito se quisermos arredar a sinistra do caminho e colocar Portugal na senda do verdadeiro progresso com trabalho e modernidade. Obrigado pelo excelente artigo.          mamadorchulo dostugas: Tem razão, na esquerda, apesar do seu programa, o pcp é o único partido com uma ideia defendida, os outros incluindo o ps, não passam de fanáticos da nova moda. Rui Lima: As eleições têm um período para reflectir, a maioria não será alinhada ideologicamente e utilizou a cabeça. A escolha era entre um jota com formação na colagem de cartazes (como quase todo o poder de hoje a começar no primeiro) e alguém com um percurso académico e profissional notável - a escolha era evidente.    joao lemosRui Lima: nem mais! só que o outro já nem para colar cartazes serve. Já não tem idade, e como não cremos que saiba fazer mais nada, se não lhe arranjarem qualquer coisa para colar selos, num qualquer lugar, vai ter que voltar para a terra!

 

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