sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Manhã de nevoeiro

 

Não, não é esta nossa ainda. Hoje é a da utopia, do ilusionismo de que trata Raquel Abecasis, e abrangendo mesmo os dias inteiros. Embora parcialmente nela vividos, pelos merceeiros de ocasião. A do nevoeiro será a dos nossos vindoiros, em repetição frustrada, mesmo sem D. Sebastião que lhes preste, pobres vindoiros, o nevoeiro absolutamente cerrado para eles. A esperança também. Que a mercearia, gerida pelo ilusionismo – saloio ou sabido – esgotar-se-á, no nevoeiro geral, sem lenda que valha com o tal D. Sebastião eternamente desejado, como o disse também José Cid, referindo-se aos do nevoeiro de hoje. De sempre, afinal. Os que se importam com isso:

A Lenda D'el Rei D. Sebastião

Fugiu de Alcácer Quibir
El Rei D. Sebastião
Perdeu-se num labirinto
Com seu cavalo real

As bruxas e adivinhos
Nas altas serras beirãs
Juravam que nas manhãs
De cerrado de Nevoeiro
Vinha D. Sebastião

Pastoras e trovadores
Das regiões litorais
Afirmaram terem visto
Perdido entre os pinhais
El Rei D. Sebastião

Ciganos vindos de longe
Falcatos desconhecidos
Tentando iludir o povo
Afirmaram serem eles
El Rei D. Sebastião
E que voltava de novo

Todos foram desmentidos
Condenados às galés
Pois nas praias dos Algarves
Trazidos pelas marés
Encontraram o cavalo
Farrapos do seu gibão
Pedaços de nevoeiro
A espada e o coração
De El Rei D. Sebastião

Fugiu de Alcácer Quibir
El Rei Rei D. Sebastião
E uma lenda nasceu
Entre a bruma do passado
Chamam-lhe o desejado
Pois que nunca mais voltou
El Rei D. Sebastião
El Rei D. Sebastião

 

Costa, o merceeiro ilusionista /premium

Gerir a mercearia é um exercício de ilusionismo. A CP não tem dinheiro, mas a aposta na ferrovia é uma prioridade para o Governo. As escolas não têm professores, mas o ano lectivo começou a horas.

RAQUEL ABECASIS, Jornalista e ex-candidata independente pelo CDS nas eleições autárquicas e legislativas

OBSERVADOR, 05 out 2021

Está na hora de garantir o negócio por mais um ano. Para o ano logo se vê de que lado sopra o vento. Tem sido sempre assim desde que António Costa é primeiro-ministro. Programa de governo? Estratégia para o país a médio prazo? Nada disso. É preciso é deixar o barco seguir sem grandes sobressaltos.

É assim por estes dias como todos os anos em Outubro. Ouvimos as grandes exigências de deputadas não inscritas, de quem o resto do ano nem ouvimos falar, do PAN e da causa animal, do PCP cada vez menos exigente e do BE que vai fazendo as contas para saber se este ano vai ser rebelde e chumbar o orçamento, ou se os seus votos fazem falta para manter a mercearia de Costa a funcionar.

Entretanto, num ministério perto de si, a vida continua, igual a sempre. Aquele grande projecto, aquela aposta na ferrovia, o reforço do SNS e tudo o mais aguardam a descativação do senhor ministro das finanças. Menos mal que a culpa nunca é dos ministros sectoriais e cabe sempre a João Leão, o forreta.

Em São Bento, o dono da mercearia disfarça com uns diplomas bem modernaços sobre a igualdade de género, o fim da transmissão de touradas na RTP, ou o plano de recuperação das aprendizagens nas escolas onde não há professores, mas isso também não interessa nada.

Gerir uma mercearia do tamanho de um país, na perspectiva de António Costa, é um exercício de ilusionismo. A CP não tem dinheiro, mas a aposta na ferrovia é uma prioridade para o Governo. As escolas não têm professores, mas o ano lectivo começou a horas e quando chegarem os professores, se chegarem, vai haver recuperação das aprendizagens. Agora é que é, quando houver dinheiro, vai direitinho para o reforço do SNS. E, entretanto, prometem-se umas revisões da lei laboral ao PCP e uns acertos nos subsídios da função pública e está aprovado o orçamento.

A estabilidade política, tão útil ao país, é também uma ilusão. A gestão da mercearia, para ser bem-feita, não permite subir o nível e a dimensão do negócio. Para isso era precisa uma estratégia, um desígnio e um conjunto de metas a atingir. Era preciso que Costa fosse ao mercado parlamentar negociar o futuro e não oferecer brindes em promoção.

A ausência de uma proposta mobilizadora para o país prova-nos, ano após ano, que António Costa não é um bom negociador, é antes um grande ilusionista. Se ao menos fosse mágico, podia tentar mudar Portugal com um toque de magia. Mas, infelizmente para todos, não é esse o talento do primeiro-ministro.

Para a semana, o Presidente respira de alívio, já temos orçamento garantido. O problema volta para as mãos de uma maioria de portugueses que na sua actividade privada continuam a batalhar para construir empresas sólidas e modernas num país político que rema em sentido contrário.

ANTÓNIO COSTA  POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Luís Abrantes: … sem ofensa para os merceeiros e ilusionistas, que esses trabalham e têm profissão…!!!   Jorge Martins: Completamente de acordo. Simples e conciso.          klaus muller: Pulido Valente dizia que o K. tinha fama de ser a excelência dos negociadores mas que, se víssemos bem, ele limitava-se a entrar numa reunião, a concordar com tudo o que a parte contrária pedia e, depois, ia gradualmente faltando à palavra dada, i é, não ia cumprindo o que tinha assinado. Aliás, tanto o BE como o PCP já se queixaram disso mesmo.         Clarisse Seca > klaus muller: E qual foi o contributo do PCP e BE, além de passarem ao poder e dominarem a agenda política?             klaus muller > Clarisse Seca: Concordo em absoluto consigo, Clarisse. O BE e o PCP vão ter o cuidado de terminar quaisquer danos que ainda não tenham sido feitos pelo K.             José Ramos: Estes "milagres" aconteciam de forma sistémica na URSS e nos países satélites durante e após a era Brejnev. O fim é o que se sabe e prevalece no "homem novo" que dirige a Rússia e que faz dela o gigantesco país atrasado que sempre foi.        Karoshi: Talvez devesse haver uma forma de a própria população referendar e propor Orçamentos de Estado. Muitas pessoas acabavam a ganhar alguma noção daquilo que o país precisa mesmo ou não precisa de financiar. E acima de tudo poderiam senti-lo na própria pele. Até lá, restam os bitaites de gente que quer sempre cortes para os outros mas nunca para eles mesmos.              Rui Teixeira: Bom texto! E convém não esquecer que, além dos "jornalistas" avençados e/ou em situação precária que se fartaram de chamar ao nosso costinha-merceeiro "Habilidoso", houve gente sem trela e sem problemas financeiros que chegaram a qualificá-lo de "Génio", por ex., um tal Soromenho Marques.

Maria Mole: Excelente. Era bom que o Presidente da República também o lesse, talvez assim se aperceba de que o país está mesmo mal, e que a culpa não é dos Portugueses sempre tão pessimistas…..           Pedro Calado: Exactamente...mas com uma nuance, eles (governo) não gerem a mercearia (país), apenas se limitam a gerir a contabilidade da caixa (ps)!!!             Nuno Torres: Raquel, gostei, mas olhe há mercearias muito bem geridas e que dão muito bons lucros. Talvez melhor metáfora fosse o lumpen proletário que vive do expediente, do xico espertismo como entretém. do desenrasca a tempo inteiro, da trapalhice como praxis, bem falante quanto baste para sacar uma esmola, do agarrem-me se não bato, etc.            advoga diabo. Se a admiração de RA pelo sindicato STOP faz sentido, afinal que interessa desprezar os alunos em nome de uma polÍtica de "terra queimada" para desgastar o Governo? Já a admiração por PNS não passa de inconfessável desejo de radicalização do PS. Tanta irresponsabilidade!                Rita Salgado: Que bem descrito!          Alberico Lopes: É sempre um prazer enorme ler os artigos da Raquel Abecassis! Parabéns, Raquel!             Antonio Pedro Mieiro: Sempre excelente 👏👏👏         PENSADOR: A Raquel está a ser muito injusta para os merceeiros, que fogem a sete pés do ilusionista/malabarista/prestidigitador! Com efeito, é desmerecer a digna, séria, trabalhadora e empreendedora profissão de merceeiro, quando lhe associa semelhante personagem... Ediberto Abreu: Aliás, este é um governo de merceeiros, a começar no Costa e a acabar no Nuno da Feira (sem desprimor para os verdadeiros merceeiros)       Andrade QB: Hoje já dá para ver que as mercearias não sobreviveram à gestão de merceeiro.                Fernando E: Brilhante.             António Duarte: Tem razão Raquel, só lhe faltou falar do dono do circo onde trabalha o ilusionista, contorcionistas e outros artistas variados: o Sr Marcelo, que até já garantiu, urbi et orbi, qual papa, que vende bilhetes até 2023, isto se algum leão ou outro animal amestrado se não constipar e morrer (quer dizer, irritar o PAN, que não votará o Orçamento ou o PCP, que não montará as bancadas na próxima terra, por exemplo). No fundo, a Raquel padece do mal que há anos afecta os comentadores da chamada direita civilizada, que chegará à lua no ano em que o circo fechar a porta (ou seja, daqui a muitos anos, quando já ninguém for ao circo).          Lidia Santos: Muito bom mamadorchulo dostugas: Se isto fosse uma mercearia com um bom taberneiro à frente, estávamos bem, o problema é que não passamos de uma reles tasca mal frequentada, lhbtq e afins.

 

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