Digo, hoje em dia, com a mera deficiência ortográfica que o Estado português patrocina, com a ternura, não dos quarenta, mas da definitiva infância ortográfica, servilmente rasteira, de um país “superiormente” (?) maltratado - o advérbio, em versão corrente, aplicado aos que o comandam – digo, o país – aliás, perante a indiferença generalizada de quem nele habita, esquecido das origens remotas e das deturpações fónicas originadas pelo tal AO que gente sem pudor por aqui cozinhou e faz saborear.
A indignação de Maria Eduarda Vassallo,
surgida no meu Gmail, naturalmente que se transmitiu a quem sente a mesma, pese
embora o caprichoso desafio discursivo de uma aplicada e arguta cultora do Eça,
que aparentemente se diverte, num desprezo irónico, não só pelo asnear
ortográfico adulterador do pobre do Eça – desprezo que sentem todos os que o
admiram e amam a língua portuguesa, (embora com menos ironia e mais dureza
discursiva) – mas relativamente aos falsos amantes desse Eça, para quem o
Panteão é único lugar para as suas ossadas, fazendo-o andar em bolandas parolas
e, afinal, bem desprestigiantes, para o imortal escritor.
Obrigada pelo seu texto, Maria Eduarda. Infelizmente, ele não surtirá efeito, nem com a graça do seu discurso de condenação. Não, não haverá “atracão” que se reponha, que a tendência é para a “atração” definitiva.
Eça no Panteão, Dâmaso Salcede em Atracção
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14:37 (há 3 horas) |
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Queridos Todos,
Aqui vai, antes que passe.
Antena 2, a rádio que toca, a cultura em estado puro, ontem à uma da
tarde.
Clarabóia, por Tânia Valente. O programa é sobre música e literatura,
ou, mais exactamente, sobre a música que é mencionada nos textos que temos que
ler na escola.
Ontem, à uma, Os Maias.
Passo adiante sobre o programa em si. Vou apenas aos factos e estes
são, inevitavelmente, os do AO que nos segue e persegue.
O Senhor Dâmaso Salcede diz a Carlos da Maia que o método que usa com
mulheres é o do «atracão» (Cap. VI). Bem informada pelo AO, a Senhora D. Tânia
Valente diz «atracção».
Primeiro, a senhora não conhece a palavra «atracão». Segundo, em vez de
verificar, emenda a suposta gralha e acrescenta uma cedilha ao c (se é que a
edição que usa não o faz já, generosamente). Óbvio. Daí para a frente, é puro
AO: atração. Óbvio.
Até o AO tem excepções, mas quem vai pensar nisso quando a regra geral é
tão simples e clara? Fora com as consoantes, que isto é para uniformizar (com
quê e com quem, não se sabe, mas não deve ser com outras línguas europeias e
algumas até latinas, como o velho francês.)
Já tinha de me irritar cada vez que na Gulbenkian havia exposições de
Architecture (francês) e Architecture (inglês) e Arquitetura (português modo
AO). Já tinha mais com que me ralasse: faltava-me agora o atracão.
Bem avisava o Ivo José de Castro, em 1988, que isto do AO ia dar bota.
Eça no Panteão Nacional: profunda a ideia de um cânone literário
estabelecido por um governo (democraticamente eleito, hélas!) a partir de
restos mortais sucessivamente transportados de campa para campa. No caso em
apreço, a consagração tem o patrocínio da família do defunto, como parece ser
necessário.
É ainda a família, mas com membros diferentes. Em 1989, os restos
mortais de Eça de Queiroz foram trasladados do cemitério do Alto de São João
para a chamada Tormes porque a família de então queria evitar, antes que lhe
fosse proposto, o que lhe tinha soado que estava na forja do governo ̶ e que era, evidentemente, a trasladação do
«ilustre escritor» para o Panteão Nacional.
Não vale a pena explicar à família de hoje que ninguém quer Eça de
Queiroz no Panteão, que a ideia e o conceito são saloios e que, se uma
trasladação é já de si uma ideia discutível, uma segunda é demais mesmo para
hábitos portugueses de consagração póstuma.
Não vale a pena explicar à família que o valor histórico do acto de
sepultamento, e do seu contexto social e religioso, se perde nesta confusão de
trasladações sucessivas: do ponto de vista histórico, e social, e religioso, o
que vale é o acto de sepultamento de 16 de Setembro de 1900.
Do ponto de vista patrimonial (e, de novo, histórico), o Cemitério do
Alto de São João perdeu a sepultura de Eça de Queiroz em 15 de Setembro de
1989. Do mesmo ponto de vista, a Fundação Eça de Queiroz cede a um abstracto
governo o valor patrimonial do lugar de repouso eterno do seu ente querido que,
bem ou mal, para ele tinha escolhido porque situado num cenário que lhe ficava associado
e onde a campa era visitada.
Esta decisão da família de Eça de Queiroz, e da Fundação que tem o seu
nome, levou ao protesto de Orlando Grossegesse e à sua consequente demissão da
direcção da mesma.
O Alexander acha que estas coisas de panteões nacionais e decisões governamentais
são «fascistas». É uma palavra forte para um súbdito britânico que está habituado
ao debate e às «ideias».
Panteão, atracão e atracção: o facto é que o governo manda em tudo, dos
cânones literários aos mortos ilustres e à ortografia.
Muitos beijinhos,
queridos todos,
Maria Eduarda
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