terça-feira, 12 de outubro de 2021

Mas se até as “atracções” descambam

 

Digo, hoje em dia, com a mera deficiência ortográfica que o Estado português patrocina, com a ternura, não dos quarenta, mas da definitiva infância ortográfica, servilmente rasteira, de um país “superiormente” (?) maltratado - o advérbio, em versão corrente, aplicado aos que o comandam – digo, o país – aliás, perante a indiferença generalizada de quem nele habita, esquecido das origens remotas e das deturpações fónicas originadas pelo tal AO que gente sem pudor por aqui cozinhou e faz saborear.

A indignação de Maria Eduarda Vassallo, surgida no meu Gmail, naturalmente que se transmitiu a quem sente a mesma, pese embora o caprichoso desafio discursivo de uma aplicada e arguta cultora do Eça, que aparentemente se diverte, num desprezo irónico, não só pelo asnear ortográfico adulterador do pobre do Eça – desprezo que sentem todos os que o admiram e amam a língua portuguesa, (embora com menos ironia e mais dureza discursiva) – mas relativamente aos falsos amantes desse Eça, para quem o Panteão é único lugar para as suas ossadas, fazendo-o andar em bolandas parolas e, afinal, bem desprestigiantes, para o imortal escritor.

Obrigada pelo seu texto, Maria Eduarda. Infelizmente, ele não surtirá efeito, nem com a graça do seu discurso de condenação. Não, não haverá “atracão” que se reponha, que a tendência é para a “atração” definitiva.


Eça no Panteão, Dâmaso Salcede em Atracção

Maria Eduarda Vassallo-McGeoch

14:37 (há 3 horas)

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Para mim, Paula

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Queridos Todos,

Aqui vai, antes que passe.

Antena 2, a rádio que toca, a cultura em estado puro, ontem à uma da tarde.

Clarabóia, por Tânia Valente. O programa é sobre música e literatura, ou, mais exactamente, sobre a música que é mencionada nos textos que temos que ler na escola.

Ontem, à uma, Os Maias.

Passo adiante sobre o programa em si. Vou apenas aos factos e estes são, inevitavelmente, os do AO que nos segue e persegue.

O Senhor Dâmaso Salcede diz a Carlos da Maia que o método que usa com mulheres é o do «atracão» (Cap. VI). Bem informada pelo AO, a Senhora D. Tânia Valente diz «atracção».

Primeiro, a senhora não conhece a palavra «atracão». Segundo, em vez de verificar, emenda a suposta gralha e acrescenta uma cedilha ao c (se é que a edição que usa não o faz já, generosamente). Óbvio. Daí para a frente, é puro AO: atração. Óbvio.

Até o AO tem excepções, mas quem vai pensar nisso quando a regra geral é tão simples e clara? Fora com as consoantes, que isto é para uniformizar (com quê e com quem, não se sabe, mas não deve ser com outras línguas europeias e algumas até latinas, como o velho francês.)

Já tinha de me irritar cada vez que na Gulbenkian havia exposições de Architecture (francês) e Architecture (inglês) e Arquitetura (português modo AO). Já tinha mais com que me ralasse: faltava-me agora o atracão.

Bem avisava o Ivo José de Castro, em 1988, que isto do AO ia dar bota.

Eça no Panteão Nacional: profunda a ideia de um cânone literário estabelecido por um governo (democraticamente eleito, hélas!) a partir de restos mortais sucessivamente transportados de campa para campa. No caso em apreço, a consagração tem o patrocínio da família do defunto, como parece ser necessário.

É ainda a família, mas com membros diferentes. Em 1989, os restos mortais de Eça de Queiroz foram trasladados do cemitério do Alto de São João para a chamada Tormes porque a família de então queria evitar, antes que lhe fosse proposto, o que lhe tinha soado que estava na forja do governo   ̶  e que era, evidentemente, a trasladação do «ilustre escritor» para o Panteão Nacional.

Não vale a pena explicar à família de hoje que ninguém quer Eça de Queiroz no Panteão, que a ideia e o conceito são saloios e que, se uma trasladação é já de si uma ideia discutível, uma segunda é demais mesmo para hábitos portugueses de consagração póstuma.

Não vale a pena explicar à família que o valor histórico do acto de sepultamento, e do seu contexto social e religioso, se perde nesta confusão de trasladações sucessivas: do ponto de vista histórico, e social, e religioso, o que vale é o acto de sepultamento de 16 de Setembro de 1900.

Do ponto de vista patrimonial (e, de novo, histórico), o Cemitério do Alto de São João perdeu a sepultura de Eça de Queiroz em 15 de Setembro de 1989. Do mesmo ponto de vista, a Fundação Eça de Queiroz cede a um abstracto governo o valor patrimonial do lugar de repouso eterno do seu ente querido que, bem ou mal, para ele tinha escolhido porque situado num cenário que lhe ficava associado e onde a campa era visitada.

Esta decisão da família de Eça de Queiroz, e da Fundação que tem o seu nome, levou ao protesto de Orlando Grossegesse e à sua consequente demissão da direcção da mesma.

O Alexander acha que estas coisas de panteões nacionais e decisões governamentais são «fascistas». É uma palavra forte para um súbdito britânico que está habituado ao debate e às «ideias».

Panteão, atracão e atracção: o facto é que o governo manda em tudo, dos cânones literários aos mortos ilustres e à ortografia.

Muitos beijinhos, queridos todos,

Maria Eduarda

 

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