«Tempora.
Mores.»
Pelos anos, creio, de 47/49, o meu pai foi transferido para Quelimane, e,
quando voltou, trazia na bagagem uma série de esculturas, em marfim e pau preto, julgo que
da arte maconde, muitas das quais para oferecer a amigos e familiares. Nós
ficámos com um ou outro cinzeiro, uma figura de guerreiro de pau preto,
pequenos elefantes em marfim, mas lembro-me de que as maiores esculturas foram oferecidas
a quem ele entendeu que devia oferecer, e entre esses, o Sr. Neves, que muito o estimava e lhe reconheceu o
mérito, que em nós ficou também para sempre associado ao nosso amor.
Vem o assunto a propósito destas viagens
de Salles da Fonseca, no seu
objectivo evocativo e informativo de tanta pertinácia e sensibilidade, a que os
seus amigos se apressam a acrescentar factos do seu conhecimento e efusões do
seu próprio encantamento e simpatia.
O mapa dos povos moçambicanos não o
coloco, pode ser visto na Internet. Na questão dos espiritismos e idolatrias,
ou das mitologias que, magistralmente, Adriano Lima esclarece, eu podia recordar a minha "consultora" Glória, que vivia na Machava,num espaço de terreno muito limpo, com
frondoso cajueiro a meio, e que, com as suas conchas e pedrinhas acertou em
tantos pormenores da minha existência e relacionamentos, bem como da minha
amiga T., que
acompanhava as minhas dores existenciais com as suas próprias, de um final, de
resto, diferente, mas feliz.
Como a minha ignorância etnológica é bem
superior à de SF, pois que outras
temáticas de estudo, a difundir, fizeram parte do meu dia-a-dia por lá, quero
apenas apoiar as referências do seu texto com as informações que transcrevo do
meu fácil material de pesquisa, que não havia naqueles tempos - a Internet, de
tanta comodidade prática.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 30.07.19
Eros para elas e Freia para nós, homens. Bem
procurei as divindades homólogas da mitologia moçambicana. Debalde. Aliás,
sempre achei que o paganismo em Moçambique não tem vida fácil. Mas isso não
deveria obstar a que se estudasse essa parte da Cultura. Para quê se já não tem
expressão? Mas certamente já teve e desconfio que deixou rastos. Não deixou?
Sim, deixou! Se não, donde vêm os Xiquembos? É claro que sim, a cultura
moçambicana tem o seu quê de pagão com todo o misticismo e mistério inerentes.
Deveria ser giríssimo estudar isso. Quanto mais não fosse para reconstituição
histórica, cultura geral. Bom tema para uma Universidade
da Terceira Idade. Aqui fica a sugestão.
E a pergunta é: - A que propósito vem isto aqui quando o que se pretende
é uma visão do que deixou saudades e motivou a revisita?
E a resposta é: - Todos gostamos de voltar aos locais por que
vogámos prazenteiros e tanto Eros como Freia foram muito bem achados na
circunstância.
E quem éramos nós, os que lá vivíamos? Muitos e variados, uns
daqui, outros dali, muitos de lá mesmo. Maioria castanha, não zulu que esses,
sim, são mesmo pretos da cor da noite. O moçambicano é mais claro. Mas para não
dizer muito disparate, fui à Internet e encontrei bastante informação. Escolhi
esta que segue donde saquei o mapa que publico de seguida
Assim alijo parte da responsabilidade nos erros que alguém
detecte. E eu próprio pergunto se os macondes de Cabo Delgado são macuas
como o mapa dá a entender…. Venha quem saiba e nos ensine. Os
moçambicanos pretos (deixemo-nos de eufemismos amaneirados) com quem contactei
foram os macuas de Nampula e os landins de Lourenço Marques. Estes,
seriam de várias etnias que eu associo aos xhosas mas o melhor é calar-me para
ter a certeza de não dizer muitos disparates.
Os moçambicanos não pretos eram brancos, mistos, indianos e
chineses.
Como já contei numa crónica anterior, não era qualquer branco de
Portugal que emigrava para Moçambique só porque lhe apetecia. O Governo do
Doutor Salazar não facilitava essa emigração e quem o antecedeu no mando em
Lisboa também navegava pelas mesmas águas. Porquê? Não vou agora alargar-me com
isso, apenas constato o facto que se traduzia numa «escolha» apertada de quem
podia seguir para Moçambique. Funcionários públicos (incluindo professores),
militares, funcionários superiores das «companhias majestáticas» (enquanto as
houve) e técnicos da mais ampla hierarquia chamados para o exercício de funções
específicas. O Zé dos Pincéis ali da esquina não era autorizado a emigrar para
lá. Que fosse para Angola.
Ou seja, o branco em Moçambique ou era ele próprio membro de um
escol elitista (passe o pleonasmo) ou era seu descendente. Uma parte numericamente insignificante
descendia de quem, condenado na Metrópole e deportado, readquirira a liberdade
ao pisar o solo africano. Mas esta
«experiência» ao estilo anglo-australiana não fez escola maior por lá. O que chegou a ter algum
significado foi a quantidade de militares do contingente metropolitano que
decidiam passar à disponibilidade em Moçambique em vez de regressarem a
Portugal. Nas
«sombras verdes» de Nampula, havia muitos desses ex-militares com família mono
ou poligâmica, pululante filharada mulata, tranquila existência em condições
bem mais benignas do que as homólogas nas gélidas berças estaminais mais de
mistura com rezes do que com gentes. Estes, assimilados, não pertenciam ao
escol que há pouco referi mas foram eles que, na base social, muito contribuíram
para que nós, portugueses, tendo sido os primeiros europeus a trilhar caminhos
em África, fossemos os últimos a regressar às origens. Muitos, com uma mão à
frente e a outra a trás.
E se a independência significou a instauração de um clima
revolucionário com perseguições, exílios, campos de «reeducação» e morte, lá
veio a pergunta inocente, ávida de paz: - Patrão, quando acaba independência?
(continua)
Julho de 2019
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 30.07.2019 10:45: Amigo Henrique, prudente e lestamente,
e antes que te pudessem sacar quaisquer ónus, declaras na crónica que aligeiras
responsabilidade pela "transformação" dos macondes em macuas em Cabo
Delgado, como o mapa insinua. Fiquei muito admirado com o mapa que inseriste
nesta tua crónica. O conhecimento de experiência feito ensinou-nos que os macondes
são um povo guerreiro, que não se deixam conquistar, de compleição física
imponente e hábeis na escultura em pau preto. Estas caraterísticas não se
encontram, em geral, nos Macuas com quem convivíamos diariamente em Nampula,
para além de ser notório que estes não gostavam daqueles (o efeito das guerras
tribais ainda não havia desaparecido dos nossos tempos de Nampula, ou, talvez,
haja sido incentivado por razões de tácticas militares dessas décadas de 60/70,
quem sabe). O teu desafio "venha quem saiba e nos ensine", apesar
de eu não saber nem ter capacidade, consequentemente, para ensinar, levou-me a
fazer clic no mapa da tua crónica, sobre a palavra "Macuas" e , eis
que aparece um outro, este colorido, que insere, é certo, a palavra
"Makua" em análoga zona geográfica, mas bem no nordeste lá está
igualmente a palavra "Makonde". Urra!... Eles sempre existem também
em Cabo Delgada. O nosso conhecimento empírico tem respaldo na
"Doutrina" dos sábios. Abraço. Carlos
Traguelho
Anónimo 30.07.2019 Uma precisão, adicional - fiz o clic no mapa
depois de entrar na hiperligação que indicas e que está por cima do mapa.
Carlos Traguelho
Henrique Salles da
Fonseca 30.07.2019: Eu
creio que o custo da viagem - então por navio - muito superior ao de Angola
também era factor que pesava na origem dos emigrantes. Jorge
Gaspar de Barros
Helena Salazar Antunes Morais : Henrique Salles da
Fonseca 30.07.2019: Há
por aí muito boa gente que devia ler as suas crónicas para tirar da cabeça uma
data de ideias erradas (por ignorância ou conveniência)
Adriano Lima 30.07.2019: Como estamos a falar de “universidade de terceira
idade”, meto a minha colherada nessa questão do paganismo. Fiz há meses umas
leituras na área da mitologia e deparei com
duas constatações. O paganismo não era, como não é, uma crença assim tão má
como fizeram crer as religiões monoteístas. O paganismo tinha, e tem, como
medianeiros entre o homem e uma divindade superior, esta inatingível pelos
sentidos e menos ainda pela razão, os instrumentos que a natureza oferecia ao
olhar e aos sentidos. Estes constituíam divindades menores e tão variadas quanto
a diversidade das representações da natureza. Contudo, contrariamente ao que se
pensa ou é difundido, o paganismo acreditava numa divindade única e
superior, acima dos deuses que lhes estavam mais próximos e com quem o homem
dialogava e interagia no seu quotidiano. Estes eram os medianeiros entre
o homem e a divindade suprema. As oferendas que lhes entregavam nas suas
preces destinavam-se a conquistar os seus favores perante a divindade suprema. E
há quem diga que os santos da religião católica são instrumentos idênticos aos
do paganismo, pelo uso que se lhes dá. Ora, enquanto o mundo foi pagão
não houve guerras por diferendos religiosos. Os deuses de uns e outros eram
tolerados e considerados em pé de igualdade. Os romanos respeitaram os deuses
pagãos das terras do império conquistado e os seus próprios deuses coabitavam
com os estrangeiros, sem qualquer problema. O problema surgiu com o
Cristianismo. Nem sequer com o Judaísmo houve conflito em matéria religiosa. Os
romanos toleraram o Cristianismo até reconhecerem que a nova crença trazia no
seu bojo uma ameaça à unidade do Império. E o resultado é o que se sabe,
mas não vamos entrar agora em matéria de Ética religiosa. Só que as guerras
religiosas, com todo o seu cortejo de desgraças e calamidades para todos os
gostos, aconteceram apenas com as duas religiões monoteístas – o Cristianismo e
o Islamismo. Se revisitarmos a História de séculos passados, entre uma e
outra que venha o diabo e escolha, em matéria de repressão e chacina. E
pronto, não digo mais nada. Como não é assunto da minha especialidade, admito
estar errado ou ter cometido alguma calinada no que disse. Mas penso
seguramente que o “Xicuembo” nunca fez mal a ninguém, nem será capaz de tramar
a vida a um cristão ou islâmico, só porque o são. Percebo pouco do assunto, mas
não entendo bem esse mapa das etnias. Não estão lá os Ajauas, o povo com que
mais convivi no Niassa. Embora não entre nem queira entrar na questão da
independência política do território, porque matéria muito complexa e
susceptível de dividir opiniões, concordo com o Dr. Salles numa conclusão: não
fosse a independência, quero crer que o território teria galgado etapas de
desenvolvimento muito diferentes nestas 4 décadas que passaram. Tenho em comum
com o Dr. Salles o sentimento de grande afecto para com o povo moçambicano.
Poderia dizer o mesmo em relação ao povo angolano, mas tal não me aconteceu com
a mesma intensidade. Talvez porque em Moçambique a idade mais amadurecida
(entre os 27 e os 29 anos) me tenha facultado uma visão mais profunda (e mais
autêntica) da realidade humana.
NOTAS DA INTERNET
Macuas
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
Nota: Se
procura pela língua banta, subgrupo da família do nigero-congolês, falada por
toda Nampula, partes da Zambézia, Cabo Delgado e Niassa, veja Língua
macua.
Os macuas são
um povo originário de Moçambique e
da região de Mtwara, na Tanzânia,[1][2] cuja religião é
um misto de monoteísmo e animismo, e
cujas aldeias eram dirigidas por sobas locais, com a assessoria de um conselho.
A sociedade é fortemente matriarcal.
Em Moçambique o
povo macua lidera
a maior parte da zona norte do país, e o norte da província da Zambézia. Emakuwa é a
língua oficial do povo Macua.
Macondes
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
Os macondes são
um grupo étnico bantu que
vive no sudeste da Tanzânia e no nordeste de Moçambique,
principalmente no planalto de Mueda e Muidumbe, tendo uma pequena presença no Quénia.
A
população maconde na Tanzânia foi estimada em 2001 em cerca de
1 140 000 habitantes e no censo de 1997 em Moçambique, de
233 258, dando um total de 1 373 258 macondes.
Os
macondes resistiram sempre a serem conquistados por outros povos africanos,
por árabes e
por traficantes de escravos. Não foram subjugados pelo poder colonial até
aos anos 20 do século XX.
Landim
1. Língua indígena de Maputo.
landins
landins
2. Povo das margens do Zambeze.
Palavras relacionadas:
Buingelas, landino, Vátuas
"landim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/landim
"landim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/landim
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