terça-feira, 30 de julho de 2019

«Tempora. Mores.»


«Tempora. Mores.»
Pelos anos, creio, de 47/49, o meu pai foi transferido para Quelimane, e, quando voltou, trazia na bagagem uma série de esculturas, em marfim e pau preto, julgo que da arte maconde, muitas das quais para oferecer a amigos e familiares. Nós ficámos com um ou outro cinzeiro, uma figura de guerreiro de pau preto, pequenos elefantes em marfim, mas lembro-me de que as maiores esculturas foram oferecidas a quem ele entendeu que devia oferecer, e entre esses, o Sr. Neves, que muito o estimava e lhe reconheceu o mérito, que em nós ficou também para sempre associado ao nosso amor.
Vem o assunto a propósito destas viagens de Salles da Fonseca, no seu objectivo evocativo e informativo de tanta pertinácia e sensibilidade, a que os seus amigos se apressam a acrescentar factos do seu conhecimento e efusões do seu próprio encantamento e simpatia.
O mapa dos povos moçambicanos não o coloco, pode ser visto na Internet. Na questão dos espiritismos e idolatrias, ou das mitologias que, magistralmente, Adriano Lima esclarece, eu podia recordar a minha "consultora" Glória, que vivia na Machava,num espaço de terreno muito limpo, com frondoso cajueiro a meio, e que, com as suas conchas e pedrinhas acertou em tantos pormenores da minha existência e relacionamentos, bem como da minha amiga T., que acompanhava as minhas dores existenciais com as suas próprias, de um final, de resto, diferente, mas feliz.
Como a minha ignorância etnológica é bem superior à de SF, pois que outras temáticas de estudo, a difundir, fizeram parte do meu dia-a-dia por lá, quero apenas apoiar as referências do seu texto com as informações que transcrevo do meu fácil material de pesquisa, que não havia naqueles tempos - a Internet, de tanta comodidade prática.
MOÇAMBIQUE REVISITADO – 2: “A preto e branco”
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 30.07.19
Eros para elas e Freia para nós, homens. Bem procurei as divindades homólogas da mitologia moçambicana. Debalde. Aliás, sempre achei que o paganismo em Moçambique não tem vida fácil. Mas isso não deveria obstar a que se estudasse essa parte da Cultura. Para quê se já não tem expressão? Mas certamente já teve e desconfio que deixou rastos. Não deixou? Sim, deixou! Se não, donde vêm os Xiquembos? É claro que sim, a cultura moçambicana tem o seu quê de pagão com todo o misticismo e mistério inerentes. Deveria ser giríssimo estudar isso. Quanto mais não fosse para reconstituição histórica, cultura geral. Bom tema para uma Universidade da Terceira Idade. Aqui fica a sugestão.
E a pergunta é: - A que propósito vem isto aqui quando o que se pretende é uma visão do que deixou saudades e motivou a revisita?
E a resposta é: - Todos gostamos de voltar aos locais por que vogámos prazenteiros e tanto Eros como Freia foram muito bem achados na circunstância.
E quem éramos nós, os que lá vivíamos? Muitos e variados, uns daqui, outros dali, muitos de lá mesmo. Maioria castanha, não zulu que esses, sim, são mesmo pretos da cor da noite. O moçambicano é mais claro. Mas para não dizer muito disparate, fui à Internet e encontrei bastante informação. Escolhi esta que segue donde saquei o mapa que publico de seguida
Assim alijo parte da responsabilidade nos erros que alguém detecte. E eu próprio pergunto se os macondes de Cabo Delgado são macuas como o mapa dá a entender…. Venha quem saiba e nos ensine. Os moçambicanos pretos (deixemo-nos de eufemismos amaneirados) com quem contactei foram os macuas de Nampula e os landins de Lourenço Marques. Estes, seriam de várias etnias que eu associo aos xhosas mas o melhor é calar-me para ter a certeza de não dizer muitos disparates.
Os moçambicanos não pretos eram brancos, mistos, indianos e chineses.
Como já contei numa crónica anterior, não era qualquer branco de Portugal que emigrava para Moçambique só porque lhe apetecia. O Governo do Doutor Salazar não facilitava essa emigração e quem o antecedeu no mando em Lisboa também navegava pelas mesmas águas. Porquê? Não vou agora alargar-me com isso, apenas constato o facto que se traduzia numa «escolha» apertada de quem podia seguir para Moçambique. Funcionários públicos (incluindo professores), militares, funcionários superiores das «companhias majestáticas» (enquanto as houve) e técnicos da mais ampla hierarquia chamados para o exercício de funções específicas. O Zé dos Pincéis ali da esquina não era autorizado a emigrar para lá. Que fosse para Angola.
Ou seja, o branco em Moçambique ou era ele próprio membro de um escol elitista (passe o pleonasmo) ou era seu descendente. Uma parte numericamente insignificante descendia de quem, condenado na Metrópole e deportado, readquirira a liberdade ao pisar o solo africano. Mas esta «experiência» ao estilo anglo-australiana não fez escola maior por lá. O que chegou a ter algum significado foi a quantidade de militares do contingente metropolitano que decidiam passar à disponibilidade em Moçambique em vez de regressarem a Portugal. Nas «sombras verdes» de Nampula, havia muitos desses ex-militares com família mono ou poligâmica, pululante filharada mulata, tranquila existência em condições bem mais benignas do que as homólogas nas gélidas berças estaminais mais de mistura com rezes do que com gentes. Estes, assimilados, não pertenciam ao escol que há pouco referi mas foram eles que, na base social, muito contribuíram para que nós, portugueses, tendo sido os primeiros europeus a trilhar caminhos em África, fossemos os últimos a regressar às origens. Muitos, com uma mão à frente e a outra a trás.
E se a independência significou a instauração de um clima revolucionário com perseguições, exílios, campos de «reeducação» e morte, lá veio a pergunta inocente, ávida de paz: - Patrão, quando acaba independência?
(continua)
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 30.07.2019 10:45: Amigo Henrique, prudente e lestamente, e antes que te pudessem sacar quaisquer ónus, declaras na crónica que aligeiras responsabilidade pela "transformação" dos macondes em macuas em Cabo Delgado, como o mapa insinua. Fiquei muito admirado com o mapa que inseriste nesta tua crónica. O conhecimento de experiência feito ensinou-nos que os macondes são um povo guerreiro, que não se deixam conquistar, de compleição física imponente e hábeis na escultura em pau preto. Estas caraterísticas não se encontram, em geral, nos Macuas com quem convivíamos diariamente em Nampula, para além de ser notório que estes não gostavam daqueles (o efeito das guerras tribais ainda não havia desaparecido dos nossos tempos de Nampula, ou, talvez, haja sido incentivado por razões de tácticas militares dessas décadas de 60/70, quem sabe). O teu desafio "venha quem saiba e nos ensine", apesar de eu não saber nem ter capacidade, consequentemente, para ensinar, levou-me a fazer clic no mapa da tua crónica, sobre a palavra "Macuas" e , eis que aparece um outro, este colorido, que insere, é certo, a palavra "Makua" em análoga zona geográfica, mas bem no nordeste lá está igualmente a palavra "Makonde". Urra!... Eles sempre existem também em Cabo Delgada. O nosso conhecimento empírico tem respaldo na "Doutrina" dos sábios. Abraço. Carlos Traguelho
Anónimo 30.07.2019 Uma precisão, adicional - fiz o clic no mapa depois de entrar na hiperligação que indicas e que está por cima do mapa. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 30.07.2019: Eu creio que o custo da viagem - então por navio - muito superior ao de Angola também era factor que pesava na origem dos emigrantes. Jorge Gaspar de Barros
Helena Salazar Antunes Morais : Henrique Salles da Fonseca 30.07.2019:  Há por aí muito boa gente que devia ler as suas crónicas para tirar da cabeça uma data de ideias erradas (por ignorância ou conveniência)
Adriano Lima 30.07.2019: Como estamos a falar de “universidade de terceira idade”, meto a minha colherada nessa questão do paganismo. Fiz há meses umas leituras na área da mitologia e deparei com duas constatações. O paganismo não era, como não é, uma crença assim tão má como fizeram crer as religiões monoteístas. O paganismo tinha, e tem, como medianeiros entre o homem e uma divindade superior, esta inatingível pelos sentidos e menos ainda pela razão, os instrumentos que a natureza oferecia ao olhar e aos sentidos. Estes constituíam divindades menores e tão variadas quanto a diversidade das representações da natureza. Contudo, contrariamente ao que se pensa ou é difundido, o paganismo acreditava numa divindade única e superior, acima dos deuses que lhes estavam mais próximos e com quem o homem dialogava e interagia no seu quotidiano. Estes eram os medianeiros entre o homem e a divindade suprema. As oferendas que lhes entregavam nas suas preces destinavam-se a conquistar os seus favores perante a divindade suprema. E há quem diga que os santos da religião católica são instrumentos idênticos aos do paganismo, pelo uso que se lhes dá. Ora, enquanto o mundo foi pagão não houve guerras por diferendos religiosos. Os deuses de uns e outros eram tolerados e considerados em pé de igualdade. Os romanos respeitaram os deuses pagãos das terras do império conquistado e os seus próprios deuses coabitavam com os estrangeiros, sem qualquer problema. O problema surgiu com o Cristianismo. Nem sequer com o Judaísmo houve conflito em matéria religiosa. Os romanos toleraram o Cristianismo até reconhecerem que a nova crença trazia no seu bojo uma ameaça à unidade do Império. E o resultado é o que se sabe, mas não vamos entrar agora em matéria de Ética religiosa. Só que as guerras religiosas, com todo o seu cortejo de desgraças e calamidades para todos os gostos, aconteceram apenas com as duas religiões monoteístas – o Cristianismo e o Islamismo. Se revisitarmos a História de séculos passados, entre uma e outra que venha o diabo e escolha, em matéria de repressão e chacina. E pronto, não digo mais nada. Como não é assunto da minha especialidade, admito estar errado ou ter cometido alguma calinada no que disse. Mas penso seguramente que o “Xicuembo” nunca fez mal a ninguém, nem será capaz de tramar a vida a um cristão ou islâmico, só porque o são. Percebo pouco do assunto, mas não entendo bem esse mapa das etnias. Não estão lá os Ajauas, o povo com que mais convivi no Niassa. Embora não entre nem queira entrar na questão da independência política do território, porque matéria muito complexa e susceptível de dividir opiniões, concordo com o Dr. Salles numa conclusão: não fosse a independência, quero crer que o território teria galgado etapas de desenvolvimento muito diferentes nestas 4 décadas que passaram. Tenho em comum com o Dr. Salles o sentimento de grande afecto para com o povo moçambicano. Poderia dizer o mesmo em relação ao povo angolano, mas tal não me aconteceu com a mesma intensidade. Talvez porque em Moçambique a idade mais amadurecida (entre os 27 e os 29 anos) me tenha facultado uma visão mais profunda (e mais autêntica) da realidade humana.
NOTAS DA INTERNET
Macuas
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Nota: Se procura pela língua banta, subgrupo da família do nigero-congolês, falada por toda Nampula, partes da Zambézia, Cabo Delgado e Niassa, veja Língua macua.
Os macuas são um povo originário de Moçambique e da região de Mtwara, na Tanzânia,[1][2] cuja religião é um misto de monoteísmo e animismo, e cujas aldeias eram dirigidas por sobas locais, com a assessoria de um conselho. A sociedade é fortemente matriarcal.
Em Moçambique o povo macua lidera a maior parte da zona norte do país, e o norte da província da ZambéziaEmakuwa é a língua oficial do povo Macua.
Macondes
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Os macondes são um grupo étnico bantu que vive no sudeste da Tanzânia e no nordeste de Moçambique, principalmente no planalto de Mueda e Muidumbe, tendo uma pequena presença no Quénia.
A população maconde na Tanzânia foi estimada em 2001 em cerca de 1 140 000 habitantes e no censo de 1997 em Moçambique, de 233 258, dando um total de 1 373 258 macondes.
Os macondes resistiram sempre a serem conquistados por outros povos africanos, por árabes e por traficantes de escravos. Não foram subjugados pelo poder colonial até aos anos 20 do século XX.
São exímios escultores em pau-preto, sendo a sua arte conhecida mundialmente.
Landim 
1. Língua indígena de Maputo.
landins
2. Povo das margens do Zambeze.
Palavras relacionadas: 
Buingelas, landino, Vátuas
"landim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-
2013, https://dicionario.priberam.org/landim 

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