Pela parte que me toca, de ínfimo saber
- mas desejo de compreender - só me lembro do sorriso provocante de António
Costa, em conversa com um amigo europeu a falar numa geringonça europeia. Mas
esta ardência com que Teresa de Sousa repõe a sua verdade – que poderá ser a
certa – atacando os “insubordinados”- ao que parece, do PSD - que ligaram António
Costa a Badajoz, na questão do tamanho libertador da "lei da morte" – de facto espantou-me, pois
costuma ser mais sóbria. Ela lá sabe, eu fico-me pelo sorriso de convicção de
AC. Mas continuo às aranhas, a respeito de tudo aquilo que se passou, agora sem
Merkel, a pairar sobre todos, dando estabilidade…
União
Europeia, Parte III
Vale a pena voltar ao último Conselho
Europeu de Bruxelas para prestar algumas informações que se perderam no debate
político interno e na necessidade doentia que contar uma história que permita
vincular a ideia de que Costa “não manda nada a partir de Badajoz”.
TERESA DE SOUSA
OBSERVADOR, 7 de Julho de 2019
1. Compreende-se
que o PSD (ou uma parte dele) ainda não tenha conseguido “deglutir” a solução
política encontrada em 2015 para governar o país. Apostou que seria efémera e
já lá vão quase quatro anos. O Diabo ainda não veio, impedindo o regresso à
liderança dos que o anunciaram e que abraçaram o programa da troika como a
grande oportunidade para aplicar em Portugal a sua visão neoliberal da economia
e da sociedade. Como se isto não bastasse, António Costa conseguiu provar a
credibilidade do seu governo em matéria de “contas certas” – que não é uma
“habilidade”, mas uma condição sine qua non para nos mantermos no euro -,
Mário Centeno é hoje o presidente do Eurogrupo, o próprio primeiro-ministro
ganhou um estatuto entre os seus pares do Conselho Europeu que só não vê quem
não quer ver, ou vê mas não quer que se saiba.
É por isso que vale a pena voltar ao
último Conselho Europeu de Bruxelas para prestar algumas informações que se
perderam no debate político interno e na necessidade doentia que contar uma
história que permita vincular a ideia de que Costa “não manda nada a partir de
Badajoz”. De caminho também ajuda deitar alguma luz na ideia de que nada mudou
de fundamental na Europa e que as lentes com que olhamos para o que se passou
ainda são as mesmas que usávamos antes da crise. Por exemplo, que o
primeiro-ministro nunca deveria ter afastado o PPE da solução para o
preenchimento dos “big jobs”, ou que “traiu” o interesse nacional traduzido na
velha fórmula, que já passou à História, dos pequenos contra os grandes e da
famigerada ameaça do directório. Vamos então aos factos.
2. A
chamada proposta de Osaca, contra a qual o PPE, animado por Viktor
Orbán, se rebelou, foi negociada com a chanceler alemã, com Manfred
Weber e com Joseph Daul (presidente do PPE) antes de Merkel e de os seus
parceiros europeus terem viajado para a cimeira do G20. Ou seja,
envolveu o PPE ao seu mais alto nível. A ideia inicial de Costa e dos seus
parceiros socialistas e liberais era construir um equilíbrio que reflectisse a
nova configuração do Parlamento Europeu que saiu das eleições de Maio. E essa nova configuração pôs fim a uma realidade que
perdurava desde a sua primeira eleição directa, em 1979: o domínio de apenas
duas famílias políticas, o PPE e os Socialistas, que formavam uma coligação
maioritária capaz de decidir sobre tudo. Já
não é assim. A partir de agora são necessários os três maiores grupos políticos
para constituir qualquer maioria: os dois grandes grupos caíram acentuadamente,
enquanto os liberais cresciam, reforçados pela entrada do En Marche de
Macron. Os entendimentos passaram a ter de ser necessariamente diferentes.
3.
Foi a consagração do modelo dos “spitzenkandidaten” no Tratado de Lisboa que
“politizou” a escolha do presidente da Comissão. Na altura, várias vozes se
opuseram à ideia (algumas em Portugal, como a de António Vitorino), insistindo
em que “politizar” o órgão que deve ser o garante dos Tratados e defender o
interesse comum não seria uma boa ideia. Mas o debate estava dominado pela
questão do “défice democrático”, visto sob um prisma que tendia a replicar as
democracias nacionais numa democracia supranacional e que se provou que não
funciona. Com esta “politização”, é perfeitamente legítimo que as diferentes
famílias políticas representadas no Conselho Europeu se organizem para fazer
valer as suas ideias para a Europa, como agora aconteceu. Não havia nenhuma
razão de peso para que os grupos socialista e liberal não se pudessem entender
para tentar uma mudança na orientação da Comissão, que quebrasse a hegemonia do
PPE.
4.Depois
de comprovada a inadequação do candidato do PPE por falta de experiência e de
currículo (a não ser o facto de ser alemão e da CSU), o processo reabriu-se com
um encontro entre Manfred Weber, que reconheceu estar fora da corrida, e
Frans Timmermans, do qual saiu um entendimento simples: o primeiro desistia da
Comissão, ficando com a presidência do Parlamento Europeu; o segundo ganhava o
seu apoio. Merkel teve total liberdade de fazer as suas escolhas.
Quis o Parlamento e o alto representante, aceitando dar a presidência do
Conselho Europeu aos liberais e a Comissão aos socialistas. Para a
chanceler, este equilíbrio tinha a vantagem de manter o princípio dos
“spitzenkandidaten” e de ir ao encontro do SPD, que faz parte do seu Governo em
Berlim. Timmermans não é propriamente um “perigoso” esquerdista do Sul – é
holandês, o que conta logo metade da história, mas não deixa de defender uma
visão mais social da Europa e mais solidária (que interessa a Portugal) ou uma
reforma da zona euro que contempla algumas das ideias que Macron ou Costa
defendem - o que também nos interessa do ponto de vista da convergência
económica, o nosso maior desafio.
Merkel,
Weber e Daul esqueceram-se de avisar o PPE do acordo finalizado em Osaca? Há
quem diga que sim. Foi isso que abriu as portas à ofensiva de Viktor Orbán, que
conseguiu arregimentar o resto das tropas contra Timmermans e contra a
chanceler? É pouco credível.
5. A
estas novas linhas de fractura soma-se outra – porventura, a mais nociva –
entre as democracias liberais e os países onde o nacional-populismo ganhou
esporas, incluindo o próprio poder, como a Hungria, Polónia e Itália. Foi
aqui que o comportamento do PPE se tornou confrangedor. O ataque a
Timmermans por parte dos países de Visegrado, tendo como justificação o seu
“fundamentalismo inquisitorial” na aplicação dos valores e princípios
constitutivos da integração, pesou muito menos do que a mera lógica do poder.
Mas
é preciso não ter medo das palavras. A “atracção fatal” da direita europeia
ocidental não se manifestou apenas no Conselho Europeu de Bruxelas. Foi o
reflexo do que já se passa em vários países europeus, onde o centro-direita não
tem problema em aliar-se à extrema-direita para governar ou, numa outra versão,
empunha as suas bandeiras contra a imigração para tentar (quase sempre sem
êxito) estancar os votos que possa perder para o seu lado. É assim na Áustria,
já foi assim na Dinamarca ou até na Holanda. É assim na nossa vizinha Espanha,
para não falar nas fronteiras bastante mais porosas em alguns dos países da
Europa Central e de Leste. Hoje, o debate dentro da CDU/CSU da chanceler também
passa por aqui: devolver ao partido a sua matriz conservadora, que alegadamente
Merkel apagou, indo ao ponto de haver sectores que encaram uma eventual aliança
com a AfD. Convém recordar que, antes da sua derrota eleitoral na Baviera, em
2017, a CSU defendia um eixo Berlim-Viena-Budapeste. Citando o historiador Ivan
Krastev, as migrações tornaram-se a questão central das democracias europeias
(e das democracias liberais, em geral). Uma democracia liberal não pode, por
definição, ser excludente. O seu drama é ver-se confrontada com a tentação da
exclusão.
O Financial
Times também é claro, na sua análise do que se passou em Bruxelas,
reveladora “do declínio da chanceler alemã Angela Merkel, que se viu debaixo do
fogo dos seus colegas do PPE, e o potencial efeito disruptivo dos governos da
Europa de Leste.” Mas também do próprio “declínio do poder do PPE, que nos
últimos 25 anos [com a excepção Prodi] ocupou a Comissão, o Parlamento Europeu
e a presidência do Conselho” e cujo “centro de gravidade se deslocou do
Ocidente para o Leste e para uma visão do mundo conservadora-nacionalista”.
6. Macron
ganhou em toda a linha? É verdade. O Presidente francês jogou as suas cartas
com perícia, a partir do momento em que, na segunda-feira à noite, se percebeu
que havia uma minoria de bloqueio para chumbar Timmermans e o acordo de Osaca.
Foi nesse momento que Macron apresentou o nome de Von der Leyen a Costa,
Sanchez e Rutte. Para o primeiro-ministro português, havia uma questão
essencial: a cedência a Orbán e as suas consequências. O Presidente francês
mostrou-se muito menos incomodado com ela. Só tinha a ganhar com a nova solução
que negociou com a chanceler, apresentando-se como o seu salvador e do velho e
confiável eixo Paris-Berlim. É esta cedência a Orbán do Presidente francês que
oferece ao PPE a sua versão dos acontecimentos, com que tenta disfarçar a
realidade: dizer que a solução não é patrocinada pelo eixo Paris-Berlim, mas é
uma solução “Macron-Orbán”.
Falta
o teste do PE: quem dará a Von der Leyen a maioria simples de que precisa?
Haverá o risco de ser investida com os votos da extrema-direita? Ver-se-á em
breve.
COMENTÁRIOS
Julio, "Que
época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos" William Shakespeare : " Rei morto, rei posto". A, ainda ontem, celebrada
pelos media como a grande líder da UE - a que encorpava os "valores"
da UE - surge, cada vez mais, para os fazedores de opinião e coveiros da UE,
como uma carta fora do baralho. O seu funeral politico adquire cada vez mais
velocidade - é o Rei morto! O Jupiter, o que saiu e é resultado de um sistema
podre e corrupto - mal amado, mal odiado pelos próprios súbditos - é o Rei
posto - para variar pelos fazedores ( obviamente bem pagos ) de opinião. Ele -
melhor dizendo os que ele representa - é o grande vencedor do circo que mostra
a verdadeira face - autocrática e antidemocrática - da actual UE. O seu
objectivo foi atingido - ocupar a presidência do todo poderoso ( ainda que já
com pouca munição ) BCE através da assalariada dos Ber(n)ados.
Julio, Que época terrível esta, onde
idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 07.07.2019: Mas o circo, teatro ou como se lhe queira
chamar, vai mais longe. O Rei posto - o grande defensor dos valores
democráticos - terá tirado da cartola, alguém - a belicista de secretária e
incompetente ( sujeita a um sem número de audições parlamentares dada a sua
pouco clara conduta ) a Uschi, para combater e ao mesmo tempo satisfazer ( vá
lá entender-se ) os chamados iliberais da UE. Quem é que já se esqueceu o
que possibilitou a eleição do Rei posto? Pois. O combate aos iliberais - em
especial à Le Pen. Pelo que se sabe, mesmo com socialistas portugueses e
espanhois, o coelho ( a Uschi ) que tirou da cartola não terá nenhuma maioria
no PE sem os votos da Le Pen, do Orban, do Salvini e de toda a malta da sua órbita.
Afinal vale tudo para se manterem no poder. No fundo a familia é a mesma
TP, Leiria 07.07.2019: Talvez se a Esquerda tivesse tido maioria,
a historia tivesse sido outra. Mas não foi. Não gosta de Democracia Julio? É a
vida! Não há sistemas perfeitos. Mas a Democracia está aqui bem patente. Todos
os cargos de chefia das Instituições da UE são eleitos directa ou
indirectamente pelos Cidadãos. É só conhecer as regras.
Julio, Que época terrível esta, onde
idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 07.07.2019: Oh 53. V defenda o diabo que quiser.
Peço-lhe só um favor: Não me venha com as suas lições de democracia. Causam-me
náuseas no estômago!
rafael.guerra.www, www 07.07.2019 : Podre? Talvez na sua cabeça. Quando olho
à minha volta a Europa ainda é onde se sabe viver melhor, e de longe.
Julio, Que época terrível esta, onde
idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 07.07.2019: Onde se "sabe" viver melhor - e
não faltam por aí bons lugares para o deboche - é uma coisa. Viver melhor é
algo bem diferente. Mas isso, naturalmente, é uma questão muito subjectiva. Há
quem seja feliz com pouco ou nada e, claro, o inverso - quem nunca está
satisfeito com o que tem. Mas eu gostava de chamar o meu caro à atenção que eu
não me referi ao viver-se ou não bem mas a um sistema que é dominado pela
corrupção e que está a rebentar pelas costuras porque está podre.
Francis Delannoy, 07.07.2019: Vale a pena voltar ao último Conselho Europeu de Bruxelas para
prestar algumas informações que se perderam no debate político interno e na
necessidade doentia que contar uma história que permita vincular a ideia de que
Costa “não manda nada a partir de Badajoz ++++++ temos um iluminado que pensa
que podia ser o rei da europa e que porque ele não quis ser rei, fica com a
fama que poderia ter sido o presidente europeu e não quis sê lo por própria
vontade..há cada iluminado...
TP, Leiria 07.07.2019: É
bom ver que a nogociação continua a existir na Europa e que não existe nenhuma
vontade de acabar com a UE
JDF, Portugal 07.07.2019: Teresa, faça propaganda positiva à
europa. Sem UE, você não sabe o que vai escrever...ainda fica sem emprego.
viana, Porto 07.07.2019: Excelente texto! Muito bem. Tal como
critiquei asperamente o primeiro texto da série, não tenho qualquer problema em
admitir que com este Teresa de sousa volta à sua melhor forma. É o que dá ter
mais tempo para digerir os acontecimentos.
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